Superfície de Mercúrio emergiu das entranhas do planeta

Mercurio_WAC_MDIS_MESSENGER_140108O planeta Mercúrio visto pela sonda MESSENGER, a 14 de janeiro de 2008.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Carnegie Institution of Washington.

A superfície de Mercúrio poderá ter sido forjada nas proximidades do núcleo do planeta, sugere um novo trabalho divulgado na semana passada na Conferência Goldschmidt, em Yokohama, no Japão. Experiências laboratoriais realizadas com misturas químicas com uma composição semelhante à das rochas do manto de Mercúrio sugerem que os depósitos vulcânicos das planícies mais antigas do planeta tiverem provavelmente origem junto à fronteira entre o manto e o núcleo de ferro.

“Mercúrio é um planeta telúrico singular”, afirmou Asmaa Boujibar, investigadora do Centro Espacial Johnson, em Houston, nos Estados Unidos, e primeira autora deste estudo. “Ao contrário da Terra, tem um grande núcleo e um manto comparativamente pouco profundo, o que quer dizer que a fronteira entre o manto e o núcleo está apenas cerca de 400 km abaixo da crusta do planeta.”

Observações realizadas recentemente pela sonda MESSENGER revelaram a presença de espessos depósitos de lava cobrindo toda a superfície de Mercúrio. Quimicamente heterogéneos, estes depósitos encontram-se distribuídos por duas regiões morfologicamente distintas. A mais antiga tem entre 4,0 a 4,2 mil milhões de anos de idade e consiste numa série de planícies e terrenos acidentados com uma elevada densidade de crateras. A mais recente encontra-se circunscrita a uma fração do hemisfério norte do planeta e é dominada por extensas planícies vulcânicas formadas há 3,7 a 3,8 mil milhões de anos.

Entre as superfícies mais antigas, a missão identificou uma extensa área rica em magnésio com cerca de 100 milhões de km2 (o equivalente a aproximadamente 15% da área total do planeta). Até agora, os cientistas não tinham encontrado uma explicação satisfatória para a formação destas regiões com composições químicas tão distintas do resto da superfície de Mercúrio. Para resolver este mistério, Boujibar e colegas simularam em laboratório as condições iniciais presentes em diferentes profundidades do manto primitivo do planeta.

MgSi_Mercurio_XRS_MESSENGERRazão Mg/Si na superfície de Mercúrio. Mapa construído a partir de dados recolhidos pelo instrumento XRS da sonda MESSENGER. Podemos ver assinalada a vermelho e laranja uma extensa área rica em magnésio. Esta anomalia não se correlaciona com nenhuma das estruturas de impacto atualmente visíveis na superfície mercuriana.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Carnegie Institution of Washington.

“Pegámos numa mistura química semelhante em composição aos condritos enstatíticos, [meteoritos] que se pensa serem representantes dos blocos de construção de Mercúrio, e submetemo-la a altas pressões e temperaturas”, disse Boujibar. “As pressões eram elevadas: até aproximadamente 5 GPa (50 mil vezes a pressão atmosférica da Terra), o tipo de pressão com a qual podemos produzir diamantes. Esta é a pressão existente na fronteira entre o manto e o núcleo de Mercúrio.”

Os condritos enstatíticos são rochas extremamente reduzidas, compostas por uma elevada proporção de enstatite, um mineral rico em magnésio. Extremamente raros entre os meteoritos recuperados na Terra, a sua composição mineralógica é, contudo, a que mais se assemelha à da extensa região rica em magnésio identificada na superfície de Mercúrio pela sonda MESSENGER.

“A descoberta chave é que podemos produzir a variedade de materiais encontrados na superfície do planeta, variando a pressão e temperatura em apenas um tipo de composição”, explicou Boujibar. “Estes resultados indicam que as áreas mais antigas são formadas por materiais que derreteram a altas pressões até à fronteira entre o núcleo e o manto, enquanto os terrenos mais jovens foram formados mais perto da superfície.”

Este trabalho confirma ainda a ligação entre os condritos enstatíticos e a génese do planeta. “Uma das particularidades comum a Mercúrio e a este tipo de meteoritos é o seu elevado teor em enxofre”, acrescentou Boujibar. “Era difícil prever o papel do enxofre na composição do magma, uma vez que Mercúrio é o único planeta telúrico com tão elevadas concentrações de enxofre (1 a 4% da massa). Em comparação, o teor de enxofre nos mantos da Terra, de Marte e da Lua é inferior a 0,1%. A composição heterogénea da superfície de Mercúrio é explicada, na generalidade, por ambos os efeitos de pressão e [concentração de] enxofre. Algumas regiões da superfície de Mercúrio permanecem difíceis de explicar, contudo trilhámos um longo caminho que nos ajuda a entender porque encontramos uma tal variedade de composições.”

1 comentário

  1. É o que eu já havia dizendo a tempos.

    O que vemos hoje de Mercúrio, é um pouco mais do que era seu núcleo a tempos atrás.

    O planeta foi dissecado pelo Sol, talvez por forças de vento solar fortíssimas.

    Ou talvez porque o Sol tenha expandido sua área volumétrica e Mercúrio teria chegado a orbitar “dentro” da área do Sol, claro que nessa hipótese, essa área por onde Mercúrio teria passado, seria bem menos densa do que agora.

    Ainda bem, que os cientistas conseguiram enxergar isso.
    Quer dizer, ainda falta um pouco só.

    Eles ainda pensam que Mercúrio foi sempre deste tamanho e teria havido algum fenômeno que trouxe o material do núcleo para a superfície.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Verified by MonsterInsights