Fermi Descobre Sistema Binário Mais Luminoso

Uma equipa multinacional de astrónomos liderada por Robin Corbet, do Goddard Space Flight Center, usou dados recolhidos pelo telescópio espacial de raios gama Fermi, da NASA, para descobrir o primeiro “sistema binário de raios gama” situado fora da Via Láctea. Este tipo de sistema é tão raro que na nossa galáxia conhecem-se apenas 5 exemplos. O LMC P3, como foi designado, para além de ser o primeiro exemplo extra-galáctico é o mais luminoso.


A história da descoberta do LMC P3 tem início em 2012 quando uma equipa de astrónomos liderada por Fred Seward, do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, utilizou o telescópio espacial Chandra para identificar um sistema binário de raios-X no centro do remanescente de supernova DEM L241 na Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia satélite da Via Láctea situada a cerca de 163 mil anos-luz.

Identificado pela primeira vez em 1976 pelos astrónomos R. Davies, K. Elliott e J. Meaburn (DEM — Davies, Elliot, Meaburn), o DEM L241 encontra-se na periferia de uma região de hidrogénio ionizado, a face visível de uma maternidade estelar. Sem dúvida a estrela que deu origem ao remanescente nasceu e viveu toda a sua vida neste local. Utilizando as imagens obtidas pelo Chandra a equipa de Seward detectou uma fonte pontual de raios-X dentro do remanescente que coincidia com a posição de uma estrela de tipo espectral O5III((f)) — muito quente (O5), muito luminosa (III) e com um vento estelar intenso ((f)), constituído por partículas elementares e iões atómicos, que atingem velocidades de milhares de quilómetros por segundo.

A posição do LMC P3 (circunferência) no remanescente de supernova DEM L241 (filamentos azuis), junto a uma maternidade estelar (nuvens amarelo-laranja), na Grande Nuvem de Magalhães. É o primeiro binário de raios gama identificado fora da nossa galáxia e também o mais luminoso em termos absolutos. Crédito: NASA Goddard Space Flight Center.

A posição do LMC P3 (circunferência) no remanescente de supernova DEM L241 (filamentos azuis), junto a uma maternidade estelar (nuvens amarelo-laranja), na Grande Nuvem de Magalhães. É o primeiro binário de raios gama identificado fora da nossa galáxia e também o mais luminoso em termos absolutos.
Crédito: NASA Goddard Space Flight Center.

A estrela isolada, no entanto, não seria capaz de produzir a luminosidade em raios-X observada. De facto, uma análise mais detalhada permitiu descobrir que a estrela visível fazia parte de um sistema binário de raios-X de grande massa (High Mass X-ray Binary ou HMXB) em que a companheira seria um objecto compacto — uma estrela de neutrões ou um buraco negro. Neste tipo de sistemas, os raios-X são provenientes de um disco de acreção que se forma em torno do objecto compacto à medida que o seu campo gravitacional captura o vento estelar de uma estrela maciça. A fricção e colisões de material no disco de acreção eleva a sua temperatura e aumenta a sua velocidade orbital, fazendo-o emitir no ultravioleta e, mais próximo do objecto compacto, em raios-X.

Sistemas binários de raios-X de grande massa (HMXB) de pequena massa (LMXB). Crédito: EXOSAT/ESA.

Sistemas binários de raios-X de grande massa (HMXB) e de pequena massa (LMXB).
Crédito: EXOSAT/ESA.

Ao analizar dados recolhidos pelo telescópio LAT (Large Area Telescope) do observatório Fermi, a equipa de Corbet descobriu uma fonte de raios gama que variava de luminosidade de forma regular com um período de 10.3 dias, um indicador de que se tratava, provavelmente, de um sistema binário. Curiosamente, a posição da fonte observada pelo Fermi coincidia quase perfeitamente com a posição do sistema binário de raios-X no centro do DEM L241.

Para verificar se se tratava de facto do mesmo objecto, a equipa utilizou vários telescópios para observar o sistema em raios-X, no visível e em ondas de rádio. As observações em raios-X, realizadas com o observatório SWIFT, da NASA, e em ondas de rádio, realizadas com o Australia Telescope Compact Array, revelaram a mesma periodicidade de 10.3 dias observada em raios gama, mas com um desfasamento no tempo.

As observações permitiram concluir, sem ambiguidade, que o HMXB identificado por Seward em 2012 é o mesmo objecto identificado por Corbet nos dados do Fermi, tornando-o assim num membro dessa elite restrita de “sistemas binários de raios gama”.

As observações do LMC P3 obtidas com o telescópio LAT, do Fermi (linha magenta). É evidente a variação periódica de 10.3 dias na intensidade dos raios gama. Vários indícios sugerem que a estrela companheira é uma estrela de neutrões e as ilustrações mostram a sua posição relativamente à estrela maciça ao longo do ciclo. Crédito: NASA Goddard Space Flight Center.

As observações do LMC P3 obtidas com o telescópio LAT, do Fermi (linha magenta).
É evidente a variação periódica de 10.3 dias na intensidade dos raios gama. Vários indícios sugerem que a estrela companheira é uma estrela de neutrões e as ilustrações mostram a sua posição relativamente à estrela maciça ao longo do ciclo.
Crédito: NASA Goddard Space Flight Center.

Um HMXB normal não é capaz de produzir raios gama em quantidades apreciáveis. A radiação é proveniente do material a alta temperatura que orbita a grande velocidade o objecto compacto no centro do disco de acreção. Num HMXB normal, o material do disco emite raios-X na sua zona mais interior, mais quente, em que a velocidade orbital é maior. No entanto, nesta região do disco, a temperatura não é suficientemente elevada para haver emissão de raios gama.

Os astrónomos pensam que nos binários de raios gama outros processos entram em acção. Supõe-se que, nestes sistemas, a estrela de neutrões emite também um vento estelar intenso, constituído principalmente por electrões acelerados até velocidades próximas da da luz. A colisão deste vento estelar com o da companheira maciça dá origem à emissão dos raios-X e ondas de rádio observados. Os raios gama, no entanto, são gerados pela interação entre os fotões ultravioleta da estrela e os electrões de alta energia emitidos pela estrela de neutrões. Por um processo designado de “dispersão inversa de Compton”, os electrões interagem com os fotões, transferindo para eles parte da sua energia cinética. Desta forma, um fotão ultravioleta pode transformar-se rapidamente num fotão de raios gama. Nos binários de raios gama, este processo é tão eficiente que a maior parte da radiação emitida é nesta região do espectro.

Os cientistas não sabem ainda porque é que este tipo de sistema é tão raro. Porque é que as estrelas de neutrões nestes sistemas têm ventos estelares tão intensos capazes de potenciar o mecanismo de dispersão inversa de Compton? O caso do LMC P3 pode dar uma pista importante: a estrela de neutrões é jovem e provavelmente gira a uma velocidade muito elevada, gerando um campo magnético muito intenso capaz de acelerar facilmente um vento estelar de electrões até velocidades próximas da da luz. Com o tempo, a estrela de neutrões perderá energia rotacional e o mecanismo desligar-se-á. A partir de então, o LMC P3 será “apenas” mais um HMXB.

(Referências: Fermi/NASA, Chandra/NASA)

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