Começou a Revolução GAIA!

Os primeiros dados disponibilizados pela missão GAIA, estão já a revolucionar algumas áreas da astrofísica. Num artigo publicado no dia 20 de Outubro no servidor de artigos científicos arXiv.org, os astrónomos Nathan Smith e Keivan Stassun, da Universidade do Arizona e de Vanderbilt, respectivamente, analisam os paralaxes observados pelo telescópio GAIA para quatro estrelas extremamente luminosas da Via Láctea, exemplares típicos de uma classe conhecida por Luminous Blue Variables (LBVs). Os dados, apesar de ainda longe da precisão que deve ser obtida no final dos 5 anos previstos para a missão, mostram inequivocamente que estas estrelas estão bem mais próximo de nós do que se pensava, sendo portanto menos maciças e luminosas, algo que tem importantes implicações na compreensão da sua evolução.


A maioria dos astrónomos pensa que as LBVs representam uma fase de curta duração na vida das estrelas mais maciças e luminosas. Esta crença assenta em várias linhas de evidência, e.g., a sua grande luminosidade e o facto de exibirem algumas características espectrais intermédias entre as estrelas de tipo O normais e as estrelas de Wolf-Rayet, supostamente o estágio seguinte e final na evolução destas luminárias. Neste cenário, durante a fase LBV, estas estrelas ejectariam parte significativa das suas camadas exteriores ricas em hidrogénio para o espaço interestelar, transformando-se em estrelas de Wolf-Rayet cujos espectros são deficientes neste elemento. Os mesmos astrónomos reconhecem, no entanto, que alguma desta informação é precária, notavelmente a verdadeira luminosidade das estrelas que é deduzida com base em métodos indirectos.

A V4998 Sagittarii (em cima, à direita) rodeada por uma bolha de material expelida durante uma erupção passada. Esta LBV encontra-se na região nuclear da Via Láctea, junto ao enxame do Quintupleto (à esquerda do centro). Imagem obtida com a Near Infrared Camera and Multi-Object Spectrometer (NICMOS) do telescópio espacial Hubble. Crédito: ESA/NASA, Hubble.

A V4998 Sagittarii (em cima, à direita) rodeada por uma bolha de material expelida durante uma erupção passada. Esta LBV encontra-se na região nuclear da Via Láctea, junto ao enxame do Quintupleto (à esquerda do centro).
Imagem obtida com a Near Infrared Camera and Multi-Object Spectrometer (NICMOS) do telescópio espacial Hubble.
Crédito: ESA/NASA, Hubble.

Uma outra facção sugere que a ejecção de massa e comportamento eruptivo observado nas LBVs é o resultado da sua evolução no contexto de um sistema binário em que as componentes trocam ou capturam massa ao longo de milhares de anos. Neste cenário, as LBVs seriam estrelas luminosas e maciças mas não necessariamente com características extremas como o exige o cenário anterior. Seriam também mais velhas e evoluídas do que comummente se supõe pois, estranhamente, ocorrem afastadas de estrelas jovens muito maciças. A identificação, na última década, de um tipo de supernova, designado por IIn, associado a LBVs parece confirmar esta ideia.

As quatro estrelas estudadas por Schmidt e Stassun foram: AG Car, HR Car e Hen 3–519, na constelação austral de Carina (a Quilha) e HD168607, na constelação do Sagitário. Segundo os autores, HD168607, que estudos anteriores colocavam a cerca de 7 mil anos-luz, poderá estar na realidade a cerca de 3800 anos-luz. HR Car, presumivelmente à distância de 16 mil anos-luz, poderá está afinal a apenas 7500 anos-luz. A cautela nestas afirmações refletem os erros nos paralaxes que, nesta primeira versão do catálogo da missão, são ainda elevados. Para estas duas estrelas, por exemplo, as margens de erro são ainda consistentes com as distâncias adoptadas na literatura, ainda que a revisão em baixa de ambas seja o cenário mais provável.

SBW1 é uma supergigante azul rodeada por uma nebulosa bipolar formada por gás ejectado, possivelmente, durante uma fase prévia em que era uma supergigante vermelha. Crédito: ESA/Hubble & NASA, Nick Rose/Steve Byrne.

SBW1 é uma supergigante azul rodeada por uma nebulosa bipolar formada por gás ejectado, possivelmente, durante uma fase prévia em que era uma supergigante vermelha.
Crédito: ESA/Hubble & NASA, Nick Rose/Steve Byrne.

Os paralaxes mais surpreendentes foram obtidos para as outras duas estrelas. AG Car, que se pensava ser uma das mais luminosas LBVs da Via Láctea, situada a cerca de 21 mil anos-luz, estará afinal a apenas 6400 anos-luz. A distância da Hen 3–519, por seu lado, sofre uma redução dos 26 mil anos-luz da literatura para uns prováveis 5200 anos-luz. Nestes dois casos, a análise dos dados sugere mesmo que ambas as estrelas pertencem ao complexo Carina OB1/OB2 que contém a famosa Nebulosa de Carina, a cerca de 6–7 mil anos-luz.

Este diagrama de Hertzsprung-Russel (luminosidade vs. temperatura superficial) mostra a posição das LBVs (pontos negros) e candidatas a LBVs (pontos brancos). A elipse verde marca a posição no diagrama onde as estrelas são supergigantes azuis. Pensava-se, por exemplo, que AG Car se situava a 21 mil anos-luz (no gráfico, AG Car 6 kpc), correspondendo a uma luminosidade superior a 1 milhão de sóis e uma massa inicial entre 90 e 100 massas solares. A revisão da distância (no gráfico, AG Car 2 kpc) sugere, por outro lado, que a estrela é uma supergigante azul evoluída com 25 a 30 massas solares e uma luminosidade de 200 mil sóis. O diagrama mostra ainda um cenário em que AG Car poderá ter começado a sua vida, com apenas 14 massas solares, num sistema binário tendo capturado massa a uma companheira até atingir a massa e luminosidade actuais (linha vermelha em zig-zag). Crédito: Smith & Stassun, 2016.

Este diagrama de Hertzsprung-Russel (luminosidade vs. temperatura superficial) mostra a posição das LBVs (pontos negros) e candidatas a LBVs (pontos brancos). A elipse verde marca a posição no diagrama onde as estrelas são supergigantes azuis. Pensava-se, por exemplo, que AG Car se situava a 21 mil anos-luz (no gráfico, AG Car 6 kpc), correspondendo a uma luminosidade superior a 1 milhão de sóis e uma massa inicial entre 90 e 100 massas solares. A revisão da distância (no gráfico, AG Car 2 kpc) sugere, por outro lado, que a estrela é uma supergigante azul evoluída com 25 a 30 massas solares e uma luminosidade de 200 mil sóis. O diagrama mostra ainda um cenário em que AG Car poderá ter começado a sua vida, com apenas 14 massas solares, num sistema binário tendo capturado massa a uma companheira até atingir a massa e luminosidade actuais (linha vermelha em zig-zag).
Crédito: Smith & Stassun, 2016.

As luminosidades e massas mais baixas implicadas pelas novas distâncias alteram substancialmente os percursos evolucionários calculados para estas estrelas e sugerem, por exemplo, que AG Car e Hen 3–519 devem ter sido supergigantes vermelhas num passado recente, tendo perdido as suas camadas exteriores durante essa fase. A hipótese da evolução num sistema binário para explicar a fase LBV surge também reforçada com esta revisão das distâncias.

De uma assentada, quatro paralaxes obtidos pelo telescópio GAIA deitam por terra parte significativa do que se pensava saber sobre estas estrelas. Se estes resultados forem confirmados em versões subsequentes dos catálogos publicados pela missão GAIA, para estas e outras LBVs galácticas, poderemos estar perante uma verdadeira revolução no nosso entendimento destas estrelas raras e fascinantes.

Fonte: Nathan Smith, Keivan G. Stassun. The canonical Luminous Blue Variable AG Car and its neighbour Hen 3–519 are much closer than previously assumed.

Saber mais: Veja uma das Estrelas mais Luminosas da Via Láctea, “Gone with the Wind”.

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