Demonstração da Fórmula Resolvente

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Neste artigo vou expor a demonstração da Fórmula Resolvente, a qual também é conhecida por Fórmula de Bhaskara (matemático indiano do século XII): uma fórmula que nos dá a solução de uma equação quadrática. Se o leitor não se lembrar do que é uma equação quadrática, não se preocupe que irei explicar o que é. Vou dividir este artigo em três partes: começo por apresentar conceitos básicos sobre equações quadráticas; passo depois à demonstração clássica usando o completar do quadrado; e acabo com uma demonstração diferente que “inventei”. Se o leitor ainda se lembrar bem do que são equações quadráticas, pode saltar a primeira parte.

Antes de entrar na matemática, devo apenas referir que muito antes de Bhaskara, já os babilónios, egípcios, gregos, entre outros povos, tinham estudado equações quadráticas e encontrado pelo menos soluções incompletas ou aproximadas para o problema. O primeiro a derivar a fórmula completa, dando conta das suas condições, terá sido talvez o grande matemático Al-Khwarizmi da Pérsia, Bagdade (780-850), o pai da Álgebra. A palavra álgebra deriva da palavra al-jabr, uma das operações que ele usava para resolver equações, que consiste em somar dos dois lados de uma igualdade a mesma quantidade. Por exemplo, x=3 é o mesmo que x+2=3+2. Somámos ‘2’ de ambos os lados da igualdade, mas ‘x’ continua a ser igual a 3. Este tipo de operação precedeu a noção de que uma quantidade a somar de um lado da igualdade pode passar para o outro lado a subtrair (se x+2=5, então x=5-2=3, que é equivalente a subtrair 2 dos dois lados da igualdade). Al-Khwarizmi trabalhou na biblioteca e instituto de traduções da Casa do Saber de Bagdade, o maior centro intelectual da era dourada do império islâmico. A título de curiosidade, no século XIII, a cidade de Bagdade foi conquistada pelo mongóis, na sua empresa de criar o maior império de todos os tempos (por esta altura Genghis Kahn já tinha falecido, o fundador do império Mongol). No processo de conquista, a biblioteca foi destruída pelos mongóis, fazendo lembrar a obliteração da biblioteca de Alexandria. Conta a lenda que o rio Tigre ficou tingido de negro devido à tinta dos livros atirados à água.

  • Equações quadráticas

Equações são igualdades matemáticas que podem ser usadas para encontrar o valor de incógnitas.

Consideremos o seguinte problema:

Se uma caneta e uma pastilha custarem juntos 1.10 €, e a caneta custar 1€ a mais que a pastilha, quanto custa a pastilha?

Se a sua resposta é 10 cêntimos, proponho-lhe que pense novamente com mais calma. Repare que se a caneta custa 1€ a mais que a pastilha, se a pastilha custasse 10 cêntimos, então a caneta custaria 1.10€, e como tal a soma dos dois daria 1.20€.

Embora seja fácil de chegar à solução de cabeça, façamos as contas usando a notação da matemática. Seja ‘C’ o preço da caneta, e ‘P’ o preço da pastilha. Então sabemos o seguinte:

Temos duas igualdades (equações), e duas incógnitas (‘C’ e ‘P’). Não quero aqui discutir em detalhe em que condições é que podemos esperar poder encontrar o valor das incógnitas, mas em geral podem considerar que se o número de incógnitas é igual ao número de equações, então deve ser possível encontrar o valor das incógnitas (mas não necessariamente). Vou assumir que o leitor sabe “manipular” equações (se desejar poderei dar detalhes nos comentários, ou alterar o artigo). Da segunda equação temos:

Logo inserindo este resultado na primeira, isto é, substituindo o ‘P’ por ‘C-1’:



A caneta custa 1.05€. Colocando este resultado na segunda equação:

A pastilha custa 0.05€. Como vêem, a caneta mais a pastilha custam 1.10€, e a caneta custa 1€ a mais que a pastilha, tal como a questão exigia. Em matemática é fundamental ser-se metódico para não cometer erros, em particular em problemas complexos.

As equações de cima dizem-se lineares porque se desenharmos um gráfico que as represente obtemos uma linha recta. Por exemplo, a segunda equação, P+1=C, se analisada de forma independente da primeira, mostra que ‘P’ é proporcional a ‘C’, pois se aumentarmos o valor de ‘C’, ‘P’ tem que aumentar também. Se substituírem ‘P’ por ‘x’ e ‘C’ por ‘y’, ficam com y=x+1, cujo gráfico podem obter usando o Google:

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Caso o leitor queira esclarecimentos sobre o significado do gráfico, peça-o nos comentários.

Em geral uma equação linear de uma só incógnita ‘x’ é dada por:

onde ‘a’ e ‘b’ são constantes. A solução é fácil de encontrar:

Por exemplo, se dividir a minha idade por 2 e subtrair 4.5 obtenho 10. Qual a minha idade? Traduzindo o problema numa equação onde ‘x’ é a minha idade:

Trata-se de um caso particular da equação de cima, onde a=0.5 e b=-4.5-10=-14.5.

Numa equação quadrática temos um polinómio de segundo grau, isto é, a incógnita aparece-nos ao quadrado. Eis um exemplo:

Como espero que o leitor saiba, a operação inversa do quadrado é a raiz quadrada e como tal a equação de cima tem a solução:

A raiz quadrada de 25 pergunta-nos qual o número que multiplicado por si próprio dá 25: é o 5. Note-se também o sinal de mais ou menos, pois -5 a multiplicar por si próprio também dá 25. Assim, em geral, uma equação quadrática pode ter duas soluções:



Se o argumento da raiz for negativo (isto é, ‘b’ e ‘a’ positivos), temos a raiz de um número negativo o que dá origem a um número imaginário (mais detalhes sobre números imaginários neste artigo).

Até aqui tudo é simples. A raiz quadrada pode dar um número “estranho”, mas  a solução é clara. O que acontece se juntarmos um termo linear?

Este exemplo ainda é relativamente simples, porque pode ser resolvido por factorização, caso consigamos reconhecer que a equação de cima é equivalente à equação:

Como deverá ser claro, para que o lado esquerdo dê zero precisamos que x-2=0 ou x-3=0, pelo que obtemos duas soluções: x=2 ou x=3. Outros exemplos também podem ser resolvidos de formas semelhantes, como seja o reconhecer da existência de um caso notável:


Neste caso temos apenas uma solução: x=-2.

Podemos ainda ter algo ligeiramente mais difícil de vislumbrar:

Mas como reconhecemos a similaridade com a equação de cima, podemos reorganizar a equação:





Esta forma de pensar é a essência da demonstração que passo a apresentar.

  • Demonstração da Fórmula Resolvente (completar o quadrado) 

Em geral, uma equação do segundo grau é da forma

Qual a solução geral desta equação? O nosso objectivo é transformar a equação em algo do género:

visto que neste caso sabemos que a solução é

Note-se que o caso notável é igual a

Assim, o primeiro passo na nossa demonstração é fazer “desaparecer” o ‘a’ como coeficiente do quadrado de x. Para isso basta dividir a equação por ‘a’, e obtemos:


Ao termos passado o para o outro lado da igualdade, torna-se mais fácil de “completar o quadrado”. Tendo em conta o caso notável de cima, o termo está para o , e como tal


E portanto

Falta-nos este quadrado de ‘h’, pelo que usando a operação al-jabr do Al-Khwarizmi, isto é, somando dos dois lados da igualdade:

O lado esquerdo da equação corresponde agora ao caso notável de cima, pelo que


Esta equação já sabemos resolver:


E assim chegamos à Fórmula Resolvente, ou Fórmula de Bhaskara:

  • Outras demonstrações

Na wikipedia podem encontrar outras demonstrações, muitas delas muito semelhantes a esta que acabo de expor. Recentemente, enquanto resolvia um problema da aplicação Brilliant, que recomendo a todos os que gostem de matemática, notei que poderia demonstrar a fórmula de outra maneira, usando números complexos. Na introdução disse que “inventei” esta demonstração, mas é claro que assumo que ela seja bem conhecida (ainda que não a tenha encontrado em lado algum).

Se o leitor conhecer as propriedades dos números complexos, creio que a demonstração torna-se de imediato evidente. Comecemos por assumir que ‘x’ é um número complexo:

onde y e z são reais, com z diferente de zero. Se substituirmos na equação quadrática obtemos


De seguida, separamos a parte real da parte imaginária, e com isso ficamos com duas equações:


e



Colocando estes resultados na definição de x:

que é a fórmula resolvente. É importante notar que apesar do método precisar de assumir que x é complexo (z não nulo), o resultado que se obtém é geral (seja x complexo ou não). Pode ser um pouco confuso para o leitor como é que o método pode funcionar quando as soluções são reais, mas de forma prática pode pensar que o método separa a “componente” que é sempre real (y) daquela que pode ser imaginária (iz), e ao fazê-lo permite-nos encontrar a fórmula resolvente.

Se o leitor quiser pode partilhar outros métodos nos comentários.

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“Em 1953, você foi a minha professora de matemática. Prometeu-me que a álgebra um dia me seria útil. Quanto tempo mais terei ainda que esperar?”
Se o leitor conhecer alguém que pense desta forma, recorde-o de que toda a tecnologia que usa só foi possível de desenvolver fazendo uso da matemática para descrever de forma precisa o mundo físico que nos rodeia.

1 comentário

  1. Eu gosto de Matemática pra mi é uma ciência exata que eu conheço na minha vida

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