Buraco Negro Esparguetifica e Almoça Estrela Semelhante ao Sol

Há cerca de um ano dei conta da descoberta de um fenómeno transiente de características extraordinárias pelo projecto All Sky Automated Survey for SuperNovae (ASASSN, lê-se “assassin”), uma colaboração internacional que utiliza uma rede de pequenos telescópios automatizados em vários pontos do globo para detectar fenómenos transientes no céu nocturno. A natureza superlativa do ASSASN-15lh, como ficou conhecido, começou a revelar-se quando os astrónomos determinaram que a sua galáxia hospedeira estava a cerca de 3.8 mil milhões de anos-luz. Com uma magnitude aparente de 17, uma supernova a esta distância teria a luminosidade incrível de 600 mil milhões de sóis ou, equivalentemente, seria 50 vezes mais luminosa do que todas as estrelas da Via Láctea (magnitude absoluta de -23.5)!

Uma estrela semelhante ao Sol “esparguetificada” cai em direcção ao horizonte de eventos de um buraco negro rotativo.
Crédito: ESO, ESA / Hubble, M. Kornmesser

De facto, uma primeira análise parecia indicar que os astrónomos tinham descoberto mais uma supernova de um tipo raro designado por “Supernovas Super-Luminosas” (Super-Luminous SuperNovae ou SLSNe). Sabe-se muito pouco acerca das SLSNe mas tudo indica que resultam da explosão de estrelas particularmente maciças e luminosas, um tipo de estrela que é muito raro no Universo actual. Mas a ASSASN-15lh era muito luminosa mesmo para uma supernova desta classe. Os cientistas multiplicaram-se em esforços para conseguir conciliar as observações mesmo com os modelos de supernovas mais extremos. Até que, depois de meses de observações e com a ajuda de alguns dos telescópios mais avançados do mundo, os astrónomos começaram a perceber que havia algo de errado com este cenário. A ASSASN-15lh não se estava a comportar como os modelos previam. Haveria afinal uma outra explicação para este fenómeno?

As observações da ASASSN-15lh (losangos negros) mostram que não se comporta como uma SLSNe (azul e verde) mas tem afinidades com o ASASSN-14ae, um evento identificado como um TDE (vermelho).
Crédito: Leloudas et al. 2016.

Um artigo publicado na revista Nature Astronomy apresenta observações que sugerem que o ASSASN-15lh não é uma supernova mas antes algo totalmente diferente e espantoso: a “esparguetificação” (Tidal Disruption Event ou TDE, no jargão científico) e subsequente “deglutição” de uma estrela semelhante ao Sol por um buraco negro super-maciço numa galáxia longínqua, um tipo de evento para o qual só se conhecem cerca de 10 candidatos e nenhum com a luminosidade do ASSASN-15lh. Num TDE, as forças de maré provocadas pelo campo gravitacional intenso de um buraco negro deformam uma estrela imprudente que passa na sua vizinhança até esta ser transformada num longo filamento de plasma.

A primeira pista de que havia algo de errado nesta história tem a ver com a galáxia hospedeira do ASSASN-15lh. As SLSNe resultam de estrelas super-maciças, pobres em metais. Todos os exemplos têm aparecido em galáxias anãs, com massas entre os 100 milhões a mil milhões de sóis e baixa metalicidade. A pouca evolução química nestas galáxias favorece a formação de estrelas muito maciças. De facto, quantidades vestigiais de metais nas nuvens de gás onde se formam as estrelas facilitam o seu colapso. Os metais formam poeiras que contribuem para o arrefecimento das nuvens, absorvendo o calor interno e re-emitindo-o no infravermelho. Se a concentração de metais no gás for muito baixa, as nuvens de gás têm muito calor interno latente e só conseguem formar estrelas se tiverem massas muito elevadas. Nestas galáxias anãs, a formação de novas estrelas é muito vigorosa, como o atestam os seus espectros crivados de linhas de emissão provenientes de nebulosas iluminadas pela fluorescência de plasma exposto à radiação ultravioleta de estrelas jovens e quentes.

Ora, observações realizadas com o Hubble e o VLT mostram que a galáxia onde ocorreu a ASASSN-15lh não tem nenhuma destas características. É muito maciça (cerca de 100 mil milhões de sóis) e tem uma população estelar envelhecida com uma idade média de 4 mil milhões de anos (algo que os astrónomos conseguem deduzir, por exemplo, pela cor da galáxia em diferentes comprimentos de onda e pela ausência de linhas de emissão no espectro). O ritmo inferido de formação estelar para esta galáxia é 3 ordens de magnitude mais baixo do que nas galáxias onde aparecem SLSNe.

(Simulação da “esparguetificação” de uma estrela semelhante ao Sol por um buraco negro, visto de topo, à esquerda, e de perfil, à direita. A estrela é esticada e transformada num enorme filamento de plasma pelas forças de maré poderosas do buraco negro. O plasma super-aquecido emite radiação e orbita o buraco negro até, por fim, atravessar o horizonte de eventos.
Crédito: ESO, ESA/Hubble, N. Stone, K. Hayasaki.)

Por outro lado, observações realizadas com a Advanced Camera for Surveys do telescópio Hubble e com a Dark Energy Camera, no Observatório Inter-Americano de Cerro Tololo, no Chile, mostram que a posição do ASASSN-15lh coincide quase exactamente com o núcleo da galáxia, uma distância estimada de 430 anos-luz, mas com um erro que é consistente com uma posição exactamente central. Observações espectroscópicas da luz do ASASSN-15lh, realizadas com o Hubble, mostram também a presença de emissão de átomos de nitrogénio e oxigénio fortemente ionizados. Estes iões só existem em plasmas submetidos a temperaturas extremas, como as que imperam nas proximidades de um buraco negro que se “alimenta”. A velocidade do plasma, medida através da largura das linhas espectrais, é da ordem dos 2500 km/s, cerca de 1% da velocidade da luz. Estas observações sugerem fortemente o cenário de um TDE para explicar o ASASSN-15lh.

Um problema potencial com este cenário reside no tamanho do horizonte de eventos do buraco negro central da galáxia hospedeira, o suposto glutão que “esparguetificou” e “deglutiu” a estrela dando origem ao ASASSN-15lh. As observações sugerem uma massa de pelo menos 100 milhões de sóis para o buraco negro e, neste caso, o seu horizonte de eventos seria tão grande que a estrela atravessá-lo-ia antes de ser “esparguetificada”. Isto constituiria um problema porque nesse caso não deveríamos ter observado o ASASSN-15lh; nada do que acontece para lá do horizonte de eventos é visível do nosso Universo. No entanto, um tal buraco negro mas dotado de rotação, seria capaz de destruir a estrela da forma descrita antes de esta atravessar o seu horizonte de eventos.

Concluindo, embora não seja certo que o ASASSN-15lh foi o resultado de um festim de um buraco negro super-maciço situado no centro de um galáxia elíptica gigante longínqua, o modelo sugerido por Ledoudas e co-autores é, actualmente, o que melhor explica as observações.

Referências: G. Leloudas et al. 2016. The superluminous transient ASASSN-15lh as a tidal disruption event from a Kerr black hole. Nature Astronomy 1, article number: 0002; doi: 10.1038/s41550–016–0002.

Fontes: ESO, Sky & Telescope.

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