Deteção de Exoplanetas: Descrição do Trânsito

Fotocomposição mostrando um planeta em trânsito (ESO/L. Calçada) e a curva de luz do trânsito do Qatar 1b (Ruben Barbosa).

Na semana passada, a NASA anunciou a descoberta de um sistema planetário com sete planetas do tamanho da Terra, em órbita duma anã vermelha (TRAPPIST-1), a somente 40 anos-luz de distância. Esta descoberta foi alcançada com o método do Trânsito. Vejamos mais em pormenor como a análise dos dados pode ser feita.

A descrição do evento de trânsito pode ser inicialmente descrita de forma qualitativa, evoluindo naturalmente para a sua expressão quantitativa.

 

Em termos qualitativos, este método apresenta dois parâmetros fundamentais a considerar: o tamanho da estrela e o do planeta, visto que permitirão fazer a interpretação do sistema planetário onde o trânsito irá ocorrer.

Tomemos por exemplo a observação distante de Júpiter a orbitar à frente do disco solar. Este trânsito irá bloquear uma pequena parte da radiação emitida pelo Sol e durará um tempo específico.

Se variarmos o tamanho da estrela e considerarmos uma estrela mais massiva que o Sol, iremos registar duas mudanças. Não só a percentagem de radiação bloqueada pelo planeta (sobre o total de radiação emitida pela estrela) será menor como também o tempo de duração do trânsito será maior. Por outro lado, se considerarmos uma estrela mais pequena (com cerca de um décimo da massa do Sol), o trânsito será semelhante a um eclipse e o efeito será inverso: teremos uma elevada percentagem de radiação bloqueada e um trânsito mais curto.

Outra análise que podemos fazer é relativa ao tamanho do planeta. Se em vez de Júpiter considerarmos um planeta mais pequeno (semelhante à Terra), a sombra será menor e a deteção será muito mais difícil.

Relacionando estes parâmetros, torna-se possível determinar o tipo de estrela e de planeta em observação, o que faz com que o método do trânsito se apresente como o único a dar-nos informações sobre o sistema planetário.

 

Em termos quantitativos, a análise pode ser feita ao longo do tempo e quanto à forma.

Quanto ao tempo, podemos distinguir as seguintes varáveis:

  • delta é a profundidade;
  • T é a duração do trânsito, isto é: tempo em que o planeta se encontra totalmente à frente da estrela; e
  • tau é o tempo que o planeta demora a entrar totalmente no disco.

Representação do trânsito ao longo do tempo. Fonte: http://inspirehep.net/record/842679/plots, Joshua N. Winn.

A variável deve ser divida em dois momentos distintos: o tempo de entrada no disco (Tii – Ti) e o tempo de saída (Tiv – Tiii), dado que em órbitas mais excêntricas assumem valores diferentes. Como, no caso geral, a diferença é insignificante, vamos considerá-los iguais. O tempo total do trânsito é definido como o tempo de duração do trânsito (T) adicionado ao tempo de entrada no disco:

Antes de passarmos à assinatura do método, vamos assumir algumas simplificações no modelo:

  1. Mp << M*, a massa do planeta é muito menor que a da estrela (ou seja: não se aplica a sistemas binários);
  2. Rp << R* << a, o raio do planeta é muito menor que o da estrela e o planeta não pode orbitar muitíssimo próximo da dela;
  3. b << 1 – k, o trânsito não pode ocorrer nos limites da estrela, precisa de ter uma duração mínima no tempo, onde  k = Rp/R*, o raio do planeta a dividir pelo raio da estrela;
  4. e = 0, a excentricidade é nula.

Para podermos calcular a duração do trânsito da Terra, vamos considerar que a sua órbita é circular, sendo o perímetro dado por  2PIa e T0 o tempo que o planeta demora a percorrer um semicírculo, que corresponde à distância percorrida em 2R. Aplicando a regra de 3 simples, resolvendo em ordem a T0, vamos obter uma duração aproximada de 13 horas (ao longo da linha do equador).

À esquerda temos a expressão que determina a duração do trânsito em função da distância ao equador. À direita, o tempo de entrada no disco.

Depois da descrição do trânsito no tempo, vejamos agora a interpretação da curva de luz quanto à forma, nomeadamente a dependência dos seguintes fatores: fases do planeta, profundidade, cor da observação e parâmetro de impacto (distância ao equador).

  • As diferenças de fase do planeta vão afetar o fluxo total emitido pelo sistema planetário. A equação do fluxo total pode ser escrita somando o fluxo da estrela (que é assumido constante e igual a 1) ao fluxo do planeta (que é variável durante o seu movimento de translação). No entanto, existem dois momentos particulares: durante o trânsito, será necessário subtrair ao resultado o valor da luz da estrela ocultada pelo planeta; durante a ocultação, teremos de subtrair ao resultado o valor do fluxo do planeta.

Em cima temos a ocultação seguida do trânsito (que se caracteriza por ser bastante mais profundo). Na parte inferior é mostrada uma ampliação do gráfico para se perceber melhor a evolução em função das fases do planeta.
Fonte: http://arxiv.org/pdf/1206.6887v1.pdf, Heather Knutson, 2012

  • A profundidade do trânsito, delta, é definida pelo quadrado da razão entre o raio do planeta e o raio da estrela.
  • Outro aspeto a considerar é a cor da observação. O escurecimento do limbo é um efeito ótico visto em estrelas (incluindo o Sol), onde a parte central do disco aparece mais brilhante do que o bordo ou membro da imagem, e ocorre como resultado de dois efeitos: a densidade e a temperatura da estrela diminuírem do centro para a periferia. O escurecimento do limbo ocorre mais acentuadamente, embora de forma mais lenta, em comprimentos de onda menores, ou seja, no azul, e menos nos maiores, isto é, no vermelho. Por isso, tende-se a utilizar filtros que atuam na banda do vermelho.

O efeito cor na observação, HD 189733 b. Fonte: Haswell, C. A., 2010, Transiting Exoplanets

  • A forma da curva de luz depende da distância da travessia ao equador. Quando o trânsito ocorre no equador (b = 0), a forma da curva tende para U; em trânsitos mais distantes do equador, a curva vai assumindo forma de V (além da natural menor duração). A expressão que determina o parâmetro de impacto é a seguinte:

O escurecimento do limbo em função da distância do trânsito ao equador. Fonte: http://blog.planethunters.org/2013/01/21/what-factors-impact-transit-shape/

Depois da descrição do trânsito em termos qualitativos e quantitativos, no próximo artigo iremos abordar os parâmetros físicos do trânsito.

2 comentários

  1. Obrigado pelo artigo, muito esclarecedor, simples e direto!

    1. Ricardo, agradeço o comentário. Obrigado 🙂

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