Vestígios de uma mega-inundação na superfície de Marte

A transição entre Kasei Valles e Chryse Planitia numa imagem obtida pela sonda Mars Express, a 25 de maio de 2016.
Crédito: ESA/DLR/FU Berlin, CC BY-SA 3.0 IGO.

Esta imagem recentemente obtida pela sonda Mars Express mostra uma pequena fração de uma das maiores redes de antigos canais de escoamento de água do planeta vermelho. Denominado Kasei Valles, este sistema estende-se por cerca de 3000 km, desde a região de origem em Echus Chasma, junto ao planalto vulcânico de Tharsis, até às vastas planícies de Chryse Planitia.

Uma combinação de atividade vulcânica, movimentos tectónicos, colapsos e subsidência na região de Tharsis conduziu à libertação de várias descargas maciças de água subterrânea em Echus Chasma, que posteriormente inundaram a região de Kasei Valles, há cerca de 3,6 a 3,4 mil milhões de anos. Foram estas mega-inundações que esculpiram a maioria das estruturas que hoje podemos apreciar na região.

Imagem de contexto mostrando a localização de Kasei Valles.
Crédito: ESA/DLR/FU Berlin (G. Neukum) e NASA/JPL/MSSS.

Visível no lado direito do centro da imagem, a cratera Worcester, com aproximadamente 25 km de diâmetro, foi uma das poucas estruturas que conseguiu enfrentar o poder destrutivo da mega-inundação. Embora grande parte do manto de ejecta que originalmente se depositou em torno da cratera tenha sido erodido, a secção a jusante da inundação sobreviveu mais ou menos intacta. Com o passar do tempo, esta área assumiu a aparência geral de uma simples ilha, com a sua topografia escalonada a jusante, sugerindo talvez a ocorrência de variações nos níveis de água, ou de diferentes episódios de inundação.

Em contraste, o manto de detritos que rodeia a cratera adjacente permaneceu intacto, o que indica que o impacto que a criou ocorreu após a grande inundação. Além disso, a cratera apresenta uma morfologia semelhante à das crateras em pedestal – estruturas de impacto tipicamente formadas em superfícies ricas em gelo. Isto sugere que as camadas subsuperficiais da planície de inundação retiveram uma porção relativamente elevada de água sob a forma de gelo.


Mapa topográfico da transição entre Kasei Valles e Chryse Planitia.
Crédito: ESA/DLR/FU Berlin, CC BY-SA 3.0 IGO.

A grande cratera na parte mais setentrional da imagem (à direita, parte superior) não parece ter penetrado tão profundamente quanto a cratera Worcester e a sua vizinha. Na realidade, esta formação localiza-se num planalto com pelo menos 1 km de altitude relativamente às planícies em redor. No entanto, é possível observar uma pequena depressão no seu centro, o que sugere a presença de uma camada mais profunda provavelmente rica em gelo. Uma análise mais próxima revela ainda um pequeno manto de detritos em redor da cratera, incluindo uma porção que se espalhou sobre as planícies abaixo.

O manto de detritos exibe um interessante padrão estriado que as outras crateras nesta imagem parecem não conter. Isto sugere uma diferença na natureza do próprio impacto, talvez na forma como a energia foi transmitida durante o impacto, na maneira como os detritos foram arremessados a partir do interior da cratera, ou na composição do material do planalto. Podem ser observados também pequenos canais dendríticos por todo o planalto, o que talvez sugira a ocorrência de vários episódios de inundação com diferentes magnitudes.

Nas planícies é possível observar ainda uma série de crateras de menores dimensões com o que parecem ser “caudas” de cor mais clara apontando na direção oposta ao fluxo de água que vem de Kasei Valles. Estas crateras foram formadas por impactos que ocorreram após a inundação catastrófica, enquanto que as suas caudas delicadas foram criadas por ventos soprando do ocidente pelo vale acima. Os seus rebordos elevados influenciaram o fluxo do vento sobre a cratera, de tal modo que a poeira acumulada imediatamente atrás da cratera permaneceu inalterada em comparação com as planícies circundantes, mais expostas.

Este cenário contém assim um imenso registo de atividade geológica, que abrange cerca de mil milhões de anos de história do planeta vermelho.

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