Buraco Negro e Anã Branca Formam Par Exótico em Enxame Globular

Uma equipa de astrónomos liderada por Arash Bahramian, da Universidade de Alberta, utilizou os telescópios espaciais Chandra e nuSTAR, da NASA, e o radiotelescópio Australia Telescope Compact Array (ATCA) para descobrir um sistema binário excepcional, composto por uma anã branca e um buraco negro que orbitam a uma distância inferior a 2.5 vezes a distância entre a Terra e a Lua! Designado por “47 Tuc X9” (doravante X9), o sistema situa-se no enxame globular 47 Tucanae (também conhecido por NGC 104), situado a 15 mil anos-luz na direcção da constelação do Tucano, no céu austral.

Representação artística do sistema 47 Tuc X9. O material rico em oxigénio da anã branca flui através de um dos pontos de Lagrange do sistema (ponto brilhante) para a vizinhança do buraco negro, formando um disco de acreção. O gás no disco é acelerado e aquecido por fricção até emitir raios-X.
Crédito: NASA/CXC/M.Weiss.

O sistema X9 foi descoberto no decurso de observações de enxames globulares com telescópios de raios X. Estes enxames de aspecto esférico ou elipsoidal (globulus — “pequena esfera”, do latim) podem conter centenas de milhares de estrelas e atingir os 100 anos-luz de diâmetro, sendo, por isso, extraordinariamente densos. As estrelas que os compõem contam-se entre as mais antigas da Via Láctea, com idades até os 12 mil milhões de anos. Um ambiente tão denso é propício à interacção gravitacional entre as estrelas com a consequente formação de sistemas binários e, por vezes, colisões.

O núcleo do enxame globular 47 Tucanae visto em raios X pelo telescópio espacial Chandra, com a posição do sistema binário X9 assinalada. Os pontos luminosos na imagem correspondem a sistema binários emissores de raios X, contendo objectos compactos — anãs brancas, estrelas de neutrões e buracos negros — emparelhados, normalmente, com uma estrela normal. O X9 é o único conhecido com duas componentes compactas.
Crédito: X-ray: NASA/CXC/University of Alberta/A.Bahramian et al.

Aquando da sua descoberta, tudo parecia indicar que X9 era um sistema com uma anã branca que capturava material de uma estrela normal. No entanto, em 2015, usando observações com um radiotelescópio uma equipa liderada por J. Miller-Jones, do International Centre for Radio Astronomy Research — Curtin University, sugeria um cenário diferente: um sistema formado por uma anã branca e um buraco negro que dela se “alimentava”. Os dados apontavam mesmo para um período orbital extremamente curto, cerca de 25 minutos!

Para validar (ou não) este cenário, a equipa de Bahramian fez observações com telescópios de raios X, o Chandra e o nuSTAR, da NASA, e com os radiotelescópios do ACTA. Os dados recolhidos confirmaram o cenário apontado pela equipa de Miller-Jones, permitiram refinar o período orbital para 28 minutos e mostraram ainda a presença de grandes quantidades de oxigénio no sistema — as anãs brancas são constituídas maioritariamente por oxigénio e carbono — , um sinal claro da existência de transferência de material entre as componentes.

O enxame globular 47 Tucanae fotografado pelo telescópio espacial Hubble.
Crédito: NASA, ESA, Hubble Heritage (STScI/AURA)-ESA/Hubble Collaboration, J. Mack (STScI) e G. Piotto (University of Padova, Italy)

Enxames globulares como o 47 Tucanae têm condições ideais para formar sistemas como o X9. A densidade estelar é tão elevada que a colisão entre estrelas ou a captura gravitacional mútua num sistema binário é muito mais provável do que na nossa região da galáxia, onde o povoamento é esparso. O buraco negro pode ter capturado uma das estrelas do enxame ficando em sua órbita. Quando a estrela se tornou uma gigante vermelha o buraco negro começou a capturar material das suas camadas exteriores, podendo mesmo ter ficado dentro da atmosfera da estrela, perdendo energia orbital devido à fricção com o gás e à emissão de ondas gravitacionais. A perda de energia orbital provoca uma aproximação gradual entre o buraco negro e a estrela. Finalmente, ao fim de centenas de milhares de anos, tudo o que resta da gigante vermelha é uma anã branca que, por essa altura, tem o buraco negro a orbitá-la muito próximo. No futuro, o buraco negro continuará a capturar material da anã branca e a aproximar-se cada vez mais devido à perda de energia orbital por emissão de ondas gravitacionais. A anã branca acabará por ser totalmente obliterada.