Os Problemas do Milénio – Parte II

Os Problemas do Milénio, ou os Problemas do Prémio Millennium, são sete problemas de Matemática cuja solução de cada um vale um milhão de dólares!

Na primeira parte falei-vos da Hipótese de Riemann, da Conjectura de Hodge, e da Conjectura de Poincaré (o único problema já resolvido). Passemos agora aos outros quatro problemas.

Dos sete problemas, o mais fácil de compreender é talvez o que concerne as Equações de Navier-Stokes, visto estas descreverem a dinâmica de fluídos viscosos. Um fluído, neste contexto, tanto pode ser um líquido como um gás. Em princípio, estas equações devem ser capazes de descrever a propagação de ondas, bem como fenómenos de turbulência (como sejam redemoinhos). As equações obtêm-se a partir da Segunda Lei de Newton, sendo esta dedução relativamente fácil. Para quem sabe um pouco de cálculo diferencial: as equações de Navier-Stokes são equações diferencias parciais não-lineares. Embora tenham sido derivadas no século XIX, poucos progressos têm sido alcançados na sua resolução. A solução destas equações teria imensas aplicações, nomeadamente em oceanografia (em estudos de correntes marítimas), em meteorologia (para melhorar as previsões do tempo), e um pouco por toda a engenharia que envolva fluídos em movimento (como seja a aerodinâmica de aviões). Para além destas aplicações práticas é importante reconhecer que se trata de um problema fundamental de Matemática pura, sendo por este motivo um dos sete problemas. A sua solução de certo que irá exigir a criação de novas teorias matemáticas, as quais poderão ser igualmente aplicadas a muitos outros problemas que envolvam as tais equações diferenciais parciais. De facto, este tipo de equações aparece em muitas outras áreas da Física.

À esquerda: Claude-Louis Navier (1785-1836) físico francês.
À direita: George Stokes (1819-1903) físico e matemático irlandês.
Ambos contribuíram significativamente para a dedução das Equações de Navier-Stokes.

 

Além das Equações de Navier-Stokes, há um outro problema que também tem uma relação próxima com a Física: Yang-Mills e o intervalo de massa. A teoria de Yang-Mills é uma generalização da teoria de Maxwell do electromagnetismo.

A teoria de Yang-Mills é uma teoria quântica de Física de partículas e que é fundamental no Modelo Padrão. O sucesso do Modelo Padrão é por isso uma garantia experimental de que esta teoria matemática tenha sentido físico, ainda que as suas fundações matemáticas permaneçam pouco claras. Sem querer entrar em demasiados detalhes técnicos, trata-se de uma teoria de Gauge (das quais falarei num artigo futuro), da qual as equações do electromagnetismo são um caso especial. A teoria foi desenvolvida por Chen Yang e Robert Mills para descrever a força nuclear forte. A teoria tem, porém, um problema: uma vez que é descrita de forma semelhante ao electromagnetismo, tal implica que as partículas em causa viajem à velocidade da luz. Porém, as partículas têm massa, logo de acordo com a Relatividade de Einstein não podem viajar à velocidade da luz. São portanto necessários desenvolvimentos na compreensão da Matemática e da Física envolvidas para resolver o problema da massa.

Chen_Ning_Yang_and_Robert_Mills

À esquerda: Chen-Ning Yang (1922- ? ) físico chinês (Prémio Nobel da Física em 1957).
À direita: Robert Mills (1927-1999) físico americano.
Mills e Yang partilharam um gabinete em Brookhaven National Laboratory (EUA), e foi aí que em 1954 propuseram os fundamentos da teoria agora conhecida pelos seus nomes.

 

Da Matemática na Física passamos agora à Matemática na Computação. Em geral, um computador pode ser usado para executar algoritmos, sendo estes sequências de operações. Por exemplo, se eu quisesse calcular a soma dos primeiros 100 números naturais (1+2+3+…+99+100), e se não conhecesse a solução de Gauss (100×101/2=5050), poderia criar um algoritmo para fazer o cálculo por mim:

soma=0
aux=0
Ciclo (repetir as duas instruções seguintes 100 vezes)
i) aux=aux+1
ii) soma = soma + aux

O algoritmo começava por estabelecer duas variáveis (‘soma’ e ‘aux’ como sendo iguais a zero), as quais eram depois usadas num ciclo para encontrar a solução. Quando o computador acabasse de executar o algoritmo, a variável soma seria igual a 5050. (Este algoritmo teria que ser escrito numa linguagem de programação, isto é, usando uma “sintaxe” reconhecida pelo computador, ainda que a sequência lógica das operações fosse a mesma.)

Um problema central em Ciências da Computação, e que é um dos problemas do Milénio, é o problema P versus NP. A essência do problema consiste no seguinte enunciado: caso seja fácil verificar se a solução de um problema é correcta, será também fácil resolver o próprio problema? Um problema P é um cuja solução é fácil de encontrar com um computador, enquanto que um problema NP é pelo menos aparentemente muito difícil ou impraticável, ainda que a verificação das suas soluções seja fácil.

Dando o exemplo presente na página do CMI: imagine que pretende organizar o alojamento de 400 estudantes, sendo que tem apenas 100 lugares vagos em dormitórios. Para complicar, dizem-lhe ainda que há certos estudantes que são incompatíveis com outros, pelo que é necessário que estes não fiquem nos mesmos dormitórios. Este é um exemplo de um problema NP, pois se por um lado é fácil verificar se uma dada solução está de acordo com todas as condições do problema, por outro lado é muito difícil criar uma lista de 100 alunos a partir do nada. Na verdade, o número de formas possíveis de combinar os 400 estudantes em combinações de 100 é superior ao número de átomos no universo! Não existe, nem é razoável supor que venha a existir, um super-computador suficientemente poderoso que consiga verificar todas as combinações possíveis. Não obstante, o problema poderá só ser impraticável se tivermos que recorrer a este método “cego” de testar todas as hipóteses. Talvez seja possível criar um algoritmo que trate o problema de outra forma, tornando-o “fácil” (isto é, cuja solução recorra a um número de cálculos semelhante àquele que se tem que fazer para verificar a veracidade de uma dada possibilidade).

A maior parte dos matemáticos supõe que os problemas NP são uma categoria diferente de problemas em relação aos problemas P, mas será que serão mesmo? Um outro exemplo de um problema que se supõe que seja NP é o que concerne a factorização de números primos, a qual é central em criptografia. Se se demonstrasse tratar de um problema P, a criptografia clássica deixaria de ser segura, uma vez que tal significaria que a descodificação passaria a ser possível num tempo relativamente curto.

Finalmente, o sétimo problema trata-se de provar a Conjectura de Birch e Swinnerton-Dyer. Este problema é de certa forma o “descendente” do 10º problema de Hilbert (da lista dos 23, que referi na primeira parte). Nesse problema, Hilbert desafiava os matemáticos a encontrar um algoritmo que conseguisse determinar a existência ou não de soluções inteiras para qualquer equação diofantina (equações polinomiais de coeficientes inteiros, com um número finito de incógnitas). Na segunda metade do século XX demonstrou-se que era impossível encontrar tal algoritmo. No entanto, ainda há esperança para casos mais particulares, pelo menos é o que a conjectura de Birch e Swinnerton-Dyer prevê para equações de curvas elípticas no domínio dos números racionais. A conjectura afirma que há uma forma de verificar se existe um número finito ou infinito de soluções para essas equações. A importância desta conjectura reside no facto de os objectos matemáticos em causa surgirem em muitas áreas da Matemática, como seja na factorização de números primos, ou até na demonstração de Andrew Wiles do Último Teorema de Fermat.

À esquerda: Bryan John Birch (1931-?) matemático britânico.
À direita: Peter Swinnerton-Dyer (1927-?) matemático britânico.
Birch e Swinnerton-Dyer fizeram uso do computador Titan (protótipo do Atlas 2) na década de 60, sendo um exemplo de como a computação pode auxiliar a investigação em Matemática Pura.

 

O leitor tem portanto a oportunidade de ganhar 6 milhões de dólares… Boa sorte!

cartoon

Ela: “Como é que podes multiplicar 4  1/2 por 6  5/8?! Isto é ridículo! Porquê que tenho que aprender isto? Aposto que em toda a minha vida nunca irei multiplicar 4 1/2 por 6 5/8!!”
Ele: “O que te faz pensar isso?”
Ela: “Irei recusar-me a fazê-lo!”

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