Confirmada a presença de composto químico em Titã com capacidade para a formação de estruturas semelhantes a membranas celulares

Acrilonitrilo na atmosfera de Titã, a maior lua do gigante Saturno.
Crédito: B. Saxton (NRAO/AUI/NSF)/NASA.

Cientistas da NASA confirmaram a presença de acrilonitrilo na atmosfera de Titã, a maior lua de Saturno. Na Terra, este composto ocorre sob a forma de um líquido muito volátil usado no fabrico de fibras acrílicas, resinas e termoplásticos. No ambiente extremo dos mares gelados de Titã, o acrilonitrilo apresenta propriedades químicas que lhe conferem a capacidade de formar estruturas flexíveis semelhantes a membranas celulares.

Os cientistas tinham já sugerido que esta seria uma das várias moléculas orgânicas presentes na atmosfera de Titã. Contudo, só agora, é que uma equipa de investigadores identificou de forma inequívoca a sua assinatura química em espetros da lua de Saturno obtidos entre fevereiro e maio de 2014 pelo telescópio Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), no Chile.

“Descobrimos evidências convincentes de que o acrilonitrilo se encontra presente na atmosfera de Titã, e pensamos que uma quantidade significativa deste material alcança a sua superfície”, disse Maureen Palmer, investigadora do Goddard Center for Astrobiology da NASA, nos Estados Unidos, e primeira autora deste trabalho.

As membranas celulares dos organismos terrestres perdem rapidamente a sua flexibilidade e estabilidade em solventes não polares como o metano, o principal ingrediente dos mares e lagos gelados existentes na superfície de Titã. Inspirados por esta limitação, uma equipa de investigadores aplicou, em 2015, um método de simulação da dinâmica molecular a diversas moléculas orgânicas que se pensa estarem presentes na atmosfera titaniana, para verificar a sua capacidade para a formação de estruturas semelhantes às bicamadas lipídicas dos organismos terrestres nas condições inóspitas da lua de Saturno.

Na altura, os investigadores identificaram o acrilonitrilo como o melhor candidato para a formação de estruturas com um desempenho análogo ao das bicamadas lipídicas, e confirmaram esta sua capacidade ao observarem a formação espontânea em solventes não polares de vesículas microscópicas ocas de acrilonitrilo, a que deram o nome de azotossomas.

“A capacidade de formar uma membrana estável para separar um meio interior do exterior é importante, porque fornece um modo para conter compostos químicos tempo suficiente para permitir que estes interajam entre si”, explicou Michael Mumma, diretor do Goddard Center for Astrobiology. “Se se puderem formar estruturas semelhantes a membranas a partir do acrilonitrilo, teremos então um passo importante na via para [a génese da] vida em Titã.”

Palmer e colegas detetaram concentrações de acrilonitrilo na atmosfera titaniana na ordem dos 2,8 partes por milhar de milhão. O composto é provavelmente mais abundante na estratosfera, a altitudes de pelo menos 200 km. No entanto, é provável que uma parte significativa alcance as camadas atmosféricas inferiores – regiões mais frias onde acaba por condensar e precipitar-se em direção à superfície.

Partindo deste pressuposto, os investigadores estimaram a quantidade de material que, até hoje, se poderia ter depositado em Ligeia Mare, o segundo maior mar de metano de Titã. De acordo com os seus cálculos, Ligeia Mare poderá ter acumulado acrilonitrilo suficiente para formar cerca de 10 milhões de azotossomas por mililitro, o equivalente a 10 vezes o número médio de bactérias existentes nas águas costeiras dos oceanos terrestres!

“A deteção deste composto químico elusivo, mas relevante do ponto de vista astrobiológico, é emocionante para os cientistas que estão ansiosos para determinar se a vida poderá ter-se desenvolvido em mundos gelados como Titã”, afirmou Martin Cordiner, cientista do Goddard Space Flight Center da NASA, e líder da equipa responsável por este trabalho. “Esta descoberta acrescenta uma peça importante ao nosso conhecimento sobre a complexidade química do Sistema Solar.”

Podem ler mais sobre este trabalho aqui.

4 comentários

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  1. Sei não.. comparar a bicamada fosfolipídica com outra bicamada composta com essa molécula é como deixar lado a lado a muralha da China com uma cerquinha de tela para mosquitos. Forçou a barra.. tipo comparar o fosforo com arsênio.

    1. Olá Aureo,

      Não percebo onde quer chegar. Uma estrutura com a espessura da bicamada fosfolipídica seria demasiado rígida nas condições ambientais de Titã (temperaturas médias na ordem dos -180 ºC). Ou seja, não funcionaria como uma barreira semipermeável, tal como acontece com a membrana celular nos organismos terrestres.

      Podemos observar a mesma lógica aqui na Terra. Organismos termófilos (que vivem em ambientes com temperaturas elevadas) têm membranas significativamente mais espessas que as membranas de organismos psicrófilos (que vivem em ambientes com temperaturas tipicamente inferiores a 0 ºC).

        • Aureo on 02/08/2017 at 22:30

        É verdade. Entretanto a minha dúvida persiste. Uma camada com essa molécula traria proteção ao conteúdo polar? Mesmo respeitadas as condições diversas, me parece que não. Entretanto o pessoal da Nasa deve saber o que diz, acha visto trabalhos anteriores de formas de vida exóticas.

      1. “Uma camada com essa molécula traria proteção ao conteúdo polar?”

        De acordo com as simulações realizadas em 2015, sim. Não percebo porque é que o Aureo acha que não.

        Repare que em lado nenhum é afirmado que foram detetados azotossomas em Titã. Já se suspeitava da existência de acrilonitrilo na atmosfera titaniana. Tudo o que os investigadores fizeram em 2015 foi simular o comportamento desta molécula em solventes não polares. Os resultados sugerem que este composto poderá formar estruturas com propriedades semelhantes às da bicamada fosfolipídica dos organismos terrestres.

        Este novo trabalho dá um pequeno passo em frente ao confirmar a presença de acrilonitrilo em Titã. 😉

        Talvez este excerto do artigo de 2015 sirva para esclarecer as suas dúvidas:

        “We considered only short ligands, given the fact that longer ligands offer no advantage at such cold temperatures. Our candidate molecules are all much shorter than typical phospholipids, which involve carbon chains 15 to 20 atoms long. Liquid methane is cold enough to solidify almost any substance: a four-membered carbon chain, butane for example, is far below its freezing point of 133 K in liquid methane.”

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