A atracção do nada: o Efeito Casimir

Os nossos sentidos permitem-nos assimilar parte da “realidade” que nos rodeia. A essência existencial da realidade é um tema recorrente da Filosofia que tem sido progressivamente alimentado pelo crescente conhecimento que temos adquirido na caracterização tecnologicamente ampliada da experiência sensorial. No século XX, a Física obrigou-nos a aceitar que o nosso senso comum não é aplicável a certas escalas que transcendem os nossos sentidos naturais: na escala do muito grande surge-nos a Relatividade Restrita e Geral de Albert Einstein que descreve distorções no próprio “tecido” do espaço-tempo; enquanto que na escala do muito pequeno encontramos a Mecânica Quântica que retrata a forma como as partículas deixam de ter posições bem definidas tanto no espaço como no tempo, o que por sua vez permite um conjunto de fenómenos bizarros, como seja a “spooky action at a distance” 1, ou o gato de Schrödinger2.

Neste artigo vou-vos falar de um desses fenómenos bizarros: o efeito Casimir. Foi previsto teoricamente em 1948 pelo físico holandês Hendrik Casimir, e confirmado com experiências em 1997 por Steve Lamoreaux.

O que Casimir previu é que quando duas placas (ou dois espelhos) são colocadas no vazio, paralelas uma à outra, e muito próximas, estas sentem uma força de atracção que as tende a unir! As placas consideram-se descarregadas, isto é, sem carga eléctrica que justifique uma atracção. Por outro lado, não é a força gravítica a responsável pelo efeito. De onde resulta então a força misteriosa de Casimir?

Segundo a Física Clássica, isto é, sem considerar a Mecânica Quântica, as duas placas não sentiriam qualquer força para lá da ínfima força gravítica resultante das suas massas. No mundo quântico, porém, o “vazio” não está vazio!

Como descrevi no artigo sobre a Mecânica Quântica, o Princípio da Incerteza de Heisenberg estabelece um limite na precisão com que podemos medir a posição e o momento linear de uma partícula (o momento linear corresponde ao produto da massa da partícula com a sua velocidade): quanto maior for a precisão de uma dessas grandezas, mais limitada estará a precisão “disponível” para a outra grandeza. Uma consequência imediata deste Princípio é que é impossível ter precisão infinita na medição quer da posição, quer do momento linear. O mesmo tipo de interdependência ocorre também entre energia e tempo, o que também implica que a natureza nos impede de definir a energia com precisão infinita. Assim, enquanto que na Física Clássica podemos afirmar que o espaço vazio tem energia nula, na Física Quântica temos uma incerteza associada a esse zero. Note-se que isto não se trata de um problema de medição, mas sim uma característica do próprio vazio! Por outras palavras, existem flutuações energéticas no espaço vazio! A esta energia dá-se o nome de energia do vazio ou energia do vácuo. (Neste artigo uso o termo “vazio” e não “vácuo”, porque em rigor “vácuo” significa pressão inferior à pressão atmosférica, mas que pode conter partículas.)

Estas energias traduzem-se numa pressão entre as tais placas paralelas. Enquanto que numa descrição clássica, a ausência de matéria no espaço vazio garantiria uma pressão nula; a descrição quântica estabelece antes que existe uma pressão positiva entre as placas devido às tais flutuações energéticas. Esta pressão pode ser entendida como o resultado do carácter ondulatório destas flutuações energéticas: as flutuações podem ser caracterizadas por qualquer comprimento de onda, no entanto, apenas determinados comprimentos de onda “cabem” entre as placas. Por outras palavras, as duas placas limitam as flutuações energéticas possíveis entre elas. Significa então que existe uma carência energética entre as placas e, como tal, as flutuações circundantes forçam as placas a aproximar-se, tal como a imagem abaixo pretende ilustrar.

casimir_effect

O fenómeno é difícil de medir, porque é necessário ter instrumentos experimentais muito sensíveis, quer para posicionar as placas muito próximas entre si, quer para medir a força que as placas sentem, quer ainda para criar condições de vácuo “semelhantes” ao vazio.

É possível que o leitor reconheça alguns problemas com a explicação que acaba de ler. Primeiro, parece que temos aqui uma clara violação da Primeira Lei da Termodinâmica, a Lei da Conservação da Energia, pois parece que temos à nossa disposição uma fonte ilimitada de energia que provém literalmente do nada. Trata-se de um problema em aberto em Mecânica Quântica que concerne a chamada energia do ponto zero. Este aspecto está em claro conflito com a Relatividade Geral de Einstein, pois estas energias seriam responsáveis por curvaturas substanciais do espaço-tempo.

Temos ainda um problema de carácter matemático: podemos notar que os tais comprimentos de onda das flutuações energéticas não têm limites, o que significa que temos infinitos comprimentos de onda maiores e menores que o espaço entre as placas! É como se estivéssemos a afirmar que um infinito é “maior” que outro! De um ponto de vista técnico, pode-se estimar o diferencial de energia assumindo um conjunto finito de comprimentos de onda possíveis. Depois, de forma pouco rigorosa, pode-se assumir que o diferencial permanece constante à medida que permitimos que o conjunto tenda para infinito. O truque funciona e coincide com a experiência, mas os detalhes matemáticos são algo obscuros. Na verdade, o cálculo da energia entre as duas placas corresponde matematicamente à soma dos números naturais que discuti no artigo do mês passado! Ora, de acordo com esse artigo, a energia seria infinita se usássemos a função de Euler. Contudo, se assumirmos que podemos usar a função zeta de Riemann, obtemos -1/12, isto é, energia negativa relativa ao meio circundante, e que coincide com a experiência. Como é que é possível que possamos usar a função zeta de Riemann? Não sabemos… Por enquanto!

1“Acção fantasmagórica à distância” – palavras de Einstein para descrever um dos fenómenos que a Mecânica Quântica prevê, mas que ele acreditava não ser possível. No entanto, a “realidade” não se define de acordo com o que acreditamos, e de facto o fenómeno faz parte da realidade, como experiências subsequentes provaram. Este fenómeno está na base do teletransporte quântico.

2O gato de Schrödinger é uma “experiência mental” que serve para ilustrar o princípio da sobreposição quântica, bem como o problema de definir a “fronteira” entre o mundo quântico e o nosso mundo sensorial. A experiência mental consiste em considerar um gato aprisionado junto de um frasco de veneno. O veneno pode ser libertado se uma partícula radioactiva decair. Ora, de acordo com a Mecânica Quântica, a partícula pode ou não decair com 50% de probabilidade. Antes de se efectuar uma medida para determinar o estado da partícula, esta encontra-se num estado de sobreposição (decaiu e não decaiu). Assim, isto parece implicar que o próprio gato está também num estado de sobreposição: vivo e morto (ainda que o senso comum nos diga que tem que estar vivo OU morto).

cat_schrodinger

Gato de Schrödinger: “É bom que esse homem esteja vivo quando sair daqui; tenho fome!”
Aproveito este cartoon para acrescentar que é comum confundir-se a sobreposição quântica com o indeterminismo de tudo aquilo que não presenciámos. Contudo, enquanto que o primeiro se refere a um fenómeno medido e descrito pela Física, o segundo concerne o problema filosófico da existência e determinação de tudo o que é exterior à nossa consciência.

17 comentários

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  1. Vocês falaram tanto e esqueceram de dizer que a mecânica quântica é a responsável por 90% de toda tecnologia que temos e usamos; tudo é onda, não há nada de mistério nisto.
    Em 1805 foi feito o experimento da dupla fenda e, até hoje, depois de Niels Bohr haver declarado tudo que acontece com a onda e partícula ao mesmo tempo, dependendo do observador, ainda relutam em aceitar que o Todo é uma onda e todos somos onda!

    1. Nós temos vários artigos sobre isso 😉

      abraço

        • Ana on 14/11/2021 at 12:01

        O que encontrei foi preconceito e ataque ao Dr. Amit Goswami (… comentário editado…)
        Não há necessidade de provas científicas como a física de Newton (… comentário editado…)

      1. O comentário foi editado, porque este é um local de ciência e não de aprovação de arrogância e hipocrisia de pseudo-religiosos.

        Se encontrou, percebeu que ele não fala de ciência mas sim da sua religião.

        A internet é um local de ciência.
        O AstroPT é um local de ciência.

        Se a Ana quer discutir religião, pode ir para uma Igreja.

        Se não precisa de provas científicas, se não precisa de GPS, se não precisa de celulares, etc, tal como disse no seu comentário, tem uma boa solução: não use celulares, não use computadores, nem use a internet dada pela ciência.
        Enquanto utilizar todas as dádivas dadas pela ciência enquanto cospe sobre elas, está a claramente mostrar a definição do termo hipocrisia.

        • ana on 15/11/2021 at 12:46

        Quem disse para deixar de usar GPS; computador; celular e tudo que é feito com resultados da mecânica quântica, fui eu; não me venha com esta de religião, que não é este o foco (… comentário editado…)
        Quando entender como funciona o Universo, voltaremos a conversar!

      2. Ana,

        Não é preconceito. É avaliação.
        Se não gosta de avaliações, não pode viver em sociedade.
        Nunca foi à escola? Foi avaliada na escola… não foi preconceito dos seus professores.

        A Ana, o Amit e outros crentes, podem ter as crenças pessoais que quiserem.
        Mas isso são crenças pessoais. É misticismo, religião. Não é conhecimento objetivo aceite por toda a gente (ciência).

        Não interessa se o Amit tem formação em física, direito ou escultura.
        Tudo o que seja crença pessoal, é uma crença religiosa e não conhecimento.

        A Ana pode acreditar (crença) que o planeta Marte é um senhor-deus da guerra. Pode até dizer que o Amit também acredita nisso. Pode até argumentar que mais pessoas acreditam nisso há milhares de anos. Esses argumentos são absolutamente irrelevantes.
        Continua a ser uma crença, baseadas em cenários religiosos, sem qualquer evidência científica.
        A verdade é que Marte é, tal como a Terra, um pequeno calhau que orbita o Sol. Não é um deus disfarçado de humano e com atitudes humanas.

        Isto não é preconceito contra si, contra as suas crenças ou contra deuses.
        É uma avaliação tendo em conta todo o conhecimento objetivo que possuímos sobre o calhau Marte.

        Estamos de acordo: se cospe no conhecimento objetivo (ciência) que nos permite ter computadores, celulares, GPS, etc, então deve deixar de os usar. Não seja hipócrita. Não utilize o conhecimento científico aceite por todos os cientistas (e que funciona!) para vir dizer mal desse conhecimento.

      • Jonathan Malavolta on 14/11/2021 at 19:23
      • Responder

      Ana, o “observador” a quem os artigos científicos escritos por Niels Bohr e outros nomes que estudaram a Mecânica Quântica nada mais é que um INSTRUMENTO DE AFERIÇÃO DE MEDIDAS (que neste caso é a própria fenda dupla: quando o feixe de elétrons passa por ela, fenda dupla, ela mede a posição do elétron, seu diâmetro, seu peso, sua consistência material, etc). Por favor, não caia na distorção feita por charlatães auto-intitulados “coaching quântico” e “professores de física quântica” pois o que eles querem é simplesmente obtenção de vantagens. Embora tais vantagens na maioria dos casos reflitam “tirar dinheiro de trouxas”, elas não se resumem a isso; uma dessas vantagens é fazer com que o “trouxa” da vez “acredite” que o tal “professor” realmente seja professor sem sequer averiguar. Já cansei de pegar charlatães desse tipo se dizendo “me formei na UNICAMP e dou aula na USP”, mas quando visito a página que a própria UNICAMP fornece para que se pesquise seus alunos e ex-alunos de Física e digite o nome do charlatão em questão, me deparo com um “No founds results” (“Nenhum resultado encontrado”), o mesmo ocorrendo na página que a USP fornece para que se verifique quem são/foram seus professores. Ou seja, o tal charlatão apenas comete apropriação indébita do nome de uma dada instituição sem sequer ter posto os pés nela. Como aliás foi feito por uma tal hamburgueira brasileira chamada Bel Pesce: floreou tanto seu currículo se dizendo Doutora por Harvard que mentir tentando melhorar seu próprio currículo ganhou o termo de “belpesceamento”.

    • Roberto Santos on 09/01/2018 at 00:35
    • Responder

    Pelo modelo padrâo, forças tem partículas mediadoras, no caso das duas placas, surge uma força atrativa entre as placas. Não seria devido a flutuação do vácuo surgimento de fotons virtuais responsaveis por uma força eletromagnética atrativa entre as placas ? É importante notar as temperaturas das placas , vibracões das moléculoas constituindes do material das placas , seriam responsáveis por criação de campos atrativos , forças de Van der Walls. Como podemos desprezar estas hipóteses? Como especificar a força de casimir dentro do modelo padrão?

    • Ilton Bittencourt on 22/12/2017 at 07:01
    • Responder

    Olá,

    um exemplo bem simplório do Efeito Casimir, é a adesão da lagartixa com a superfície de uma parede ou teto. O fato ocorre porque não existe nenhuma partícula entre os pelos das patas com a superfície.

    • Rodrigo Klering on 11/10/2017 at 12:32
    • Responder

    Bom dia Marinho!

    nesta parte do texto:

    “Temos ainda um problema de carácter matemático: podemos notar que os tais comprimentos de onda das flutuações energéticas não têm limites, o que significa que temos infinitos comprimentos de onda maiores e menores que o espaço entre as placas!”

    poderia talvez, a própria limitação de espaço entre as placas ser o diferencial que faz com que as ondas ajam entre as duas fazendo-as se aproximar?

    pensei dessa forma, pois como a essência do vazio é exatamente a ausência de limites, no momento em que um limite é posto neste meio, as “forças” presentes no vazio agem de forma a eliminar o limite… se diferentes comprimentos de onda coexistem em um ponto, o limite de espaço iria impedir a existência dessa pluralidade.

    isto faz sentido?

    1. Olá Rodrigo,

      Se bem percebi a tua ideia, o que estás a dizer é o mesmo que eu pretendi explicar que de facto se faz:

      “De um ponto de vista técnico, pode-se estimar o diferencial de energia assumindo um conjunto finito de comprimentos de onda possíveis. Depois, de forma pouco rigorosa, pode-se assumir que o diferencial permanece constante à medida que permitimos que o conjunto tenda para infinito.”

      O problema é que estamos a tentar “cortar” um infinito com outro, de forma a sobrar a tal diferença de comprimentos que não coexistem entre as placas.

      Cumprimentos,
      Marinho

  2. No espaço qualquer material metálico fico como que soldado a outro ao se tocarem..

    1. Olá Xevious,

      Queres explicitar o porquê de achares que isso acontece? Não estou a ver que fenómeno poderia justificar o que dizes.

      Cumprimentos,
      Marinho

      1. É exatamente o mesmo efeito Casimir.

        Uma propriedade natural dos metais.
        O fenômeno não ocorre na Terra, porque aqui, ao redor do metal fica uma camada de oxigênio e outros gases isolando.

        Ou seja, o fenômeno ainda ocorre, mas com os gazes e funciona como um isolante para os metais.

      2. Parece-me que na verdade estás a falar de “cold welding” (soldagem a frio):
        https://en.wikipedia.org/wiki/Cold_welding

        Convém que as superfícies em contacto sejam “lisas”, para que a “soldagem” seja efectiva.

        Isto nada tem a ver com o efeito Casimir.

        Cumprimentos,
        Marinho

  3. Nossa muito bacana o texto

    1. Olá Livio,

      Obrigado pelo seu comentário. 🙂

      Cumprimentos,
      Marinho

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