O Legado de Stephen Hawking

Ontem foi um dia atípico, sobretudo para a comunidade científica.

Com muito pesar, foi comunicado ao mundo que o cientista e físico inglês, Stephen William Hawking, faleceu na madrugada desta quarta-feira, em sua residência, na cidade universitária de Cambridge, Inglaterra, aos 76 anos.

É o falecimento de um dos mais renomados cientistas da atualidade.

Não falarei sobre como ele morreu, mas como ele viveu.

– Breve Biografia

Hawking nasceu em Oxford, condado de Oxforshire, Inglaterra, em 8 de janeiro de 1942. Filho mais velho de Frank Hawking, biólogo e pesquisador do National Institute for Medical Research (Instituto Nacional de Pesquisa Médica) de Londres (um dos mais antigos do mundo) e Isobel Eileen Hawking, escocesa.

Desde sua juventude, o garoto Hawking desperta notável aptidão, particularmente para as ciências exatas, desejando ingressar no curso superior de Matemática. Como tal atitude contrariou os planos do seu pai – que desejava que o filho seguisse a carreira de Medicina -, optou pelo curso de Física, já que não havia oferta para o curso de Matemática (num desses curiosos “descaminhos” da vida) concluindo-o, na referida universidade, em 1962.

Tinha, dentre seus amigos dos tempos colegiais, o apelido de “Einstein”. Mas não devido às suas notas (que, a bem da verdade, na altura não eram das melhores) [1].

Uma vez iniciados seus estudos superiores, aos 17 anos, o então jovem Hawking sentia-se só pelo facto de ser o mais jovem dentre seus colegas de curso. No início do último ano de conclusão, se inscreveu no clube de remo de Oxford para tentar fazer amigos. Depois de um “erro de principiante”, logo na sua estreia – Hawking, na posição de timoneiro, deixando a linha escapar, esta acabou se enroscando no leme, fazendo com que o barco saísse do seu curso e sua equipe, consequentemente, desclassificada da competição – o mesmo conseguiu fazer novas amizades e passou a participar das festas universitárias (seu hobby preferido).

Após sua formatura, foi aceite pela Universidade de Cambridge, no qual concluiu seu mestrado [2] e doutorado.

Contudo, ao contrário do que se pensa, o último ano de sua graduação não foi nada fácil, já que os sintomas da doença (na época ainda não descoberta pela sua família) começaram a ficar cada vez mais evidentes.

Ao retornar para sua casa para passar o natal de 1962, formado, aos 21 anos, em plena juventude, ele descobre, após uma leve queda de patins e que no qual não pôde se levantar sozinho (o que fez com que sua família o levasse ao médico), que é portador de uma doença degenerativa, catalogada (na Inglaterra), como esclerose lateral amiotrófica [3], considerada rara no campo da neurologia (afeta cerca de 2,6 pessoas a cada grupo de 100 mil, rara entre os mais jovens), ainda em estudos, e que afeta os nervos motores.

Uma doença que paralisaria seu corpo ao longo dos anos, mas não o suficiente para limitar suas conquistas, sua mente extraordinária e os valorosos contributos para a sociedade moderna e para melhor compreensão acerca dos mistérios do Universo.

– Títulos e Conquistas

Ao longo de sua trajetória pessoal e acadêmica, recebeu inúmeros títulos e medalhas, [4] dentre estes:

1962 – Final Honour School em Ciências Naturais, Física (first-class honors degree) – College University, Oxford;
1965 – PhD (University of Cambridge) [5];
1974 – Fellow of the Royal Society pela Royal Astronomical Society;
1975 – Pius XI Gold Medal for Science, entregue por Sua Santidade, Paulo VI; 
1975 – Eddington Medal pela Royal Astronomical Society; 

1976 – Hughes Medal pela Royal Astronomical Society;
1978 Honoracy Doctorate of Science pela University of Oxford;

1979 – Albert Einstein Medal pela Albert Einstein Award;
1979 – Lucasian Professor of Mathematics
pela University of Cambridge [6]

1982 –  Commander of the Order of the British pela Order of the British Empire; [7]
1985 – Golden Medal pela Royal Astronomical Society;
1986 – Eleito Membro da Pontifical Academy of Sciences, concedido por Sua Santidade, João Paulo II;

1988 – Prêmio em Física pela Wolf Fundation
1989 – Príncipe de Asturias de La Concordia pela União Européia; 
1989 – Companion of Honour, concedido por Sua Alteza, a Rainha da Inglaterra, Elizabeth II; 
1999 – Prêmio Julius Edgar Lilienfeld pela American Physical Society
2003 – Prêmio Michelson Morley pela Case Western Reserve University; 
2006 – Copley Medal pela Royal Astronomical Society;
2009 – Presidential Medal of Freedom, concedido pelo então presidente norte-americano Barack Hussein Obama II; 
2013 – Fundamental Physics Prize pela Fundamental Physics Prize Foundation;
2017 – Honorary Freedom of the City of London.

 Contribuições à Física e Cosmologia

Em 1968, Hawking, deu continuidade aos estudos acerca do teorema da singularidade (proposto em sua tese de doutorado), em parceria com o matemático e físico inglês, Roger Penrose, o que ficou conhecido como Teoremas de Hawking-Penrose. [8] 

Basicamente, o teorema denota um conjunto de resultados com base na relatividade geral, os quais tentam compreender se a gravidade é necessariamente singular.

Em 1783, o astrônomo inglês John Michell teorizou a existência de estrelas tão densas que seriam incapazes de emitir luz (o termo “buraco negro” surgiu centenas de anos mais tarde, com Wheeler). O que viria a ser confirmado somente após a Teoria da Relatividade Geral, de Einstein, em 1915.

No final de 1915, o astrônomo alemão Karl Schwarzschild estava na frente russa com o exército alemão durante a I Grande Guerra (não, ele não era cabo), quando ouviu falar sobre os recentes estudos de Einstein. Aproveitando-se dos momentos de descanso nas trincheiras, começou a manipular as equações de Einstein, encontrando soluções diferenciais para descrever os campos gravitacionais em torno de um corpo com massa pontual. Uma vez encontradas as soluções diferenciais, encontrou soluções para o caso geral (campos com massa esférica qualquer). Tais soluções terminariam descrevendo os buracos negros.

Em 1967, ano da descoberta da primeira estrela de nêutrons, por uma jovem aluna de doutorado, Jocelyn Bell, o físico inglês John Wheeler (opositor à ideia da existência de estrelas extremamente densas), criou o termo “buraco negro”. Porém, para uma explicação completa do fenômeno, Wheeler afirmou que seria necessário unir as teorias de Einstein à física quântica…

… o que só se tornou possível em 1970, com a publicação das soluções para o Teorema da Singularidade, propostos por Hawking e Penrose (e continuidade de Hawking nos estudos sobre o tema), comprovando as hipóteses de Wheeler. A solução teórica mostrava a singularidade como um local bizarro,  com densidade infinita, volume tendendo a zero e o tempo, teoricamente “estático”. Nada poderia sair desse “ralo cósmico” que dragava tudo à sua volta. 

Em 1974, após novos cálculos e observações astronômicas que colocaram em xeque a Segunda Lei da Mecânica dos Buracos Negros (proposta em conjunto com James Bardeen e Brandon Carter), Hawking concluiu que um tipo ainda desconhecido de radiação era emitido por buracos negros – o que explicava as aparentes contradições em seus modelos propostos.

Como a Ciência é a mais democrática de todos os governos, a comunidade científica batizou a radiação emitida por buracos negros como “Radiação Hawking”.

Anos mais tarde, foi demonstrado que o conceito de singularidade na física não apenas inclui a existência de singularidades como também abrange a teoria de que o universo pode ter iniciado a partir de uma singularidade (um evento único, como por exemplo, o “Big Bang”).

Stephen Hawking revolucionou a teoria quântica sobre a origem do universo.

– Uma Aposta Perdida

Em 2004, admitiu perante uma plateia, que uma de suas ideias (de 1974) sobre buracos negros estava errada, de que “buracos negros destroem permanentemente tudo o que sugam”, ideia não aceite em 1997 pelo cientista americano John Preskill. Porém, com excelente senso de humor, Hawking pagou a aposta perante todos os presentes. O preço da derrota era dar ao colega uma enciclopédia sobre beisebol, mas Hawking aproveitou: “Estava difícil achar uma por aqui, então ofereci a ele uma enciclopédia de críquete, mas John não se convenceria da superioridade do críquete (sobre o beisebol).

– Livros, artigos e Best Sellers

Stephen Hawking escreveu mais de 230 artigos científicos e publicou 15 livros, entre edições e re-edições, sendo, dentre estes, autor do best seller A Brief History of Time: From the Big Bang to Black Holes (Uma Breve História do Tempo: do Big Bang aos Buracos Negros, em português), em 1988. 

Primeira edição, Bantam Books. New York, 1988.

Considerado como o “livro que levou a Física às massas”, vendeu mais de 10 milhões de exemplares, traduzido para 40 idiomas. Também é autor do best seller The Universe in a Nutshell (O Universo numa Casca de Noz, em português).

Primeira edição, Bantam Books. New York, 2001.

– Cinebiografia

Em 2013, foi lançado um documentário [9] intitulado “Hawking”, narrado pelo próprio (com depoimentos de terceiros), contando um pouco sobre sua história – desde o diagnóstico de sua doença e sua convivência, vida profissional, seu discurso na abertura dos Jogos Paralímpicos de Londres (2012) e questões filosóficas sobre vida e a morte.

– Gravidade Zero

Créditos: New Scientist.

No ano passado, participou de uma simulação em atmosfera próximo a zero, a bordo de um Boeing 727, da Virgin Galactic (de propriedade do Virgin Group). 

A convite do sr. Richard Branson, sócio-proprietário, o objetivo era prepará-lo para um futuro vôo espacial.

– Polêmicas

É impossível falar de Stephen Hawking sem citar as inúmeras (e divertidas) polêmicas acerca de suas posições, sobretudo religiosas.

Ateu, por diversas vezes deu declarações públicas acerca de questões que envolvem crenças religiosas – o que sempre garantiu boas manchetes aos jornais – e bons lucros.

Certa vez, durante uma conferência no Vaticano, em 1981, afirmou que pode não haver nenhum limite para o começo ou o fim do universo.

Bastante seguro em seus posicionamentos,  durante a narração do primeiro episódio da série televisiva Curiosity, em 2011, afirmou:

Estamos cada dia mais livres para acreditar no que queremos e minha opinião é de que a explicação mais simples é que Deus não existe. Ninguém criou o universo e ninguém dirige o nosso destino. Isso me leva a uma percepção profunda. Provavelmente, não há céu, e não há vida após a morte também. Temos uma vida para apreciar o grande projeto do universo, e por isso, estou muito grato.

Exímio defensor do cumprimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos (sobretudo ao seu artigo 27, ONU – promulgada em Paris, 1948), Hawking defendeu:

Qualquer um, em qualquer lugar do mundo deve ter acesso livre não só à minha pesquisa, mas à pesquisa de cada grande mente questionadora de todo o espectro do conhecimento humano.

Tal qual seu predecessor, Sir Isaac Newton (numa de suas cartas enviadas ao seu “desafeto”, Robert Hooke, em 1676, baseado numa metáfora atribuída a Bernardo de Chartres), reconhece os feitos dos cientistas:

“Cada geração se apoia nos ombros daqueles que vieram antes dela. Eu, quando era um jovem doutorando em Cambridge, me inspirei nos trabalhos de Isaac Newton, James Maxwell e Albert Einstein. É maravilhoso saber quantas pessoas já demonstraram interesse em baixar a minha tese – espero que elas não se desapontem.”

Igualmente polêmicas eram declarações relacionadas à busca por sinais de civilizações alienígenas. Por vezes alertou sobre os possíveis riscos sobre a tentativa dos observatórios astronômicos na varredura dos céus por busca de vida inteligente e, consequentemente, contato com nossa civilização.

Todavia, era um entusiasta da probabilidade de existir vida em outros mundos. Ao lado do russo Yuri Milner e de Mark Zuckerberg, co-fundador do Facebook, Stephen Hawking planejava enviar sondas ao espaço com o projeto Breakthrough Starshot num futuro próximo – mais especificamente para o sistema de Alfa Centauri, onde descobriram Proxima b, um exoplaneta. [10]

Mais recentes foram suas críticas sobre a política climática do atual presidente americano, e a retirada dos EUA do Acordo Climático de Paris, em 2017:

“Ao negar a existência do aquecimento global e abandonar o Acordo Climático de Paris, Donald Trump vai causar um dano inevitável ao nosso planeta, ameaçando a natureza, para nós e para nossas crianças.”

“Um dia, podemos receber um sinal de um planeta como este, mas devemos nos preocupar com a resposta.” (Hawking, no documentário “Stephen Hawking’s Favourite Places”).

Por fim, além dos filhos e netos, boa parte do seu patrimônio conquistado será dividido com as instituições de caridade que o físico apoiava, especialmente nas áreas da educação e pesquisa pela cura da esclerose lateral amiotrófica, somando-se a outros filantropos.

Seguramente, qualquer interlocutor de Hawking, numa tarde agradável, teria o prazer em sentar-se ao seu lado e, sabendo do seu excelente senso de humor, certamente teria a certeza de que teria momentos agradáveis – que renderiam a ambos muitas gargalhadas. 

E não menos, talvez, debates filosóficos e questões existenciais, do qual, atentamente, nutriria todo e qualquer espírito com seu conhecimento e seu ponto de vista peculiar e interessante acerca da vida.

Um homem subjugado fisicamente, ao que sua vida impôs.

Porém, que realizou feitos extraordinários (característica intrínseca somente aos grandes homens).

Deixou seu legado e seu lugar na História.

Com a licença poética (e não menos verdade), Stephen Hawking não deixou de existir; apenas retornou para sua “morada”: as estrelas.

Como homem católico, e admirador da Ciência, é uma grande honra para mim ter sido contemporâneo deste grande homem, cujos contributos ímpares ressoarão por milênios.

Um verdadeiro gênio do nosso século.

E, como qualquer ser humano, dançou, brincou, sorriu e chorou, passando, decerto, por momentos de sofrimento, solidão, dúvidas e inquietações.

Descanse em paz, bom Professor. E o nosso sincero, muito, muito obrigado.

Stephen William Hawking (08/01/1942 – 14/03/2018)

 

———
Notas

[1] Curioso facto também ocorreu com Albert Einstein. Durante sua vida escolar, é sabido que o jovem Einstein não mostrava interesse pelas aulas, tampouco tinha notas exemplares (nota do autor).

[2] Antes de iniciar seu mestrado, Hawking e alguns amigos conseguiram uma bolsa para uma viagem ao Irão. Durante a excursão, ocorreu o gigantesco terremoto Bou’in-Zahra (magnitude 7.1), de 1 de setembro de 1962, no qual deixou um saldo de 12 mil mortos. Hawking estava dentro de um ônibus, perto do epicentro, do qual saiu (quase) ileso. 

[3] Disponível em: http://pedroschestatsky.com.br/_files/livroeditado/4/58cc558924285.pdf

[4] Wikipedia.

[5] Tese de Doutoramento. Properties of Expanding Universes. Stephen William Hawking. Oxford, 1965.  Disponível em: https://www.repository.cam.ac.uk/handle/1810/251038

[6] Professor Lucasiano de Matemática, é um título estabelecido em 1663, concedido somente a  professores notáveis. Apenas 19 pessoas tiveram a honra de ocupá-lo, dentre estes, Sir Isaac Newton, Stokes e Dirac.  Hawking se aposentou em 2009 de Cambridge, sendo substituído pelo físico inglês Michael Boris Green, no qual permaneceu por 6 anos. Atualmente, a cadeira é ocupada pelo também físico inglês Michael Elmhirst Cates, especialista em Mecânica Estatística e Física da Matéria Condensada.

[7] Título nobre rejeitado por Hawking, devido a divergências com alguns posicionamentos político-administrativos do governo britânico. Hawking não está só: fazem parte da lista os(as) notáveis Michael Faraday, Paul Dirac, Aldous Huxley, Vanessa Redgrave, George Bernard Shaw, dentre outros(as).

[8] Naturalmente, é necessário certa “bagagem” diferencial da geometria semi-riemanniana, variedades lorentzianas, e relações de equivalência, associados a bons conhecimentos dos fenômenos físicos observados, matéria na qual deixo para meus colegas aqui deste sítio, com mais autoridade no assunto.

[9] Em 2015, foi lançado um filme intitulado “Theory of Everything”, dirigido por James Marsh, que retrata a vida de Hawking sob o ponto de vista de sua ex-esposa, Jane Wild. 

[10] Para saber mais. Estudo sobre Habitabilidade de Proxima b. Artigo do Sérgio Sancevero. Disponível em: http://www.astropt.org/2017/11/23/estudo-sobre-habitabilidade-de-proxima-b/

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