Cientistas criam um novo modelo para explicar as diferentes composições dos planetas do Sistema Solar

Os oito planetas do Sistema Solar.
Crédito: NASA/JPL/JHUAPL/CIW/Emily Lakdawalla/Bjorn Jonsson/Mattias Malmer/Ted Stryk/Gordan Ugarkovic.

Um novo trabalho divulgado na semana passada na revista Nature sugere que a abundância relativa dos isótopos de cálcio 44Ca e 48Ca em amostras de diferentes objetos do Sistema Solar interior tem uma correlação positiva com a massa desses objetos. Esta descoberta poderá ter fortes implicações na nossa compreensão acerca dos processos que conduziram à formação do Sistema Solar.

Durante décadas, os cientistas têm procurado compreender como se formaram corpos planetários com dimensões e composições tão distintas no nosso Sistema Solar. Os modelos atuais sugerem que tais objetos se formaram a partir da acumulação de minúsculas partículas sólidas que se encontravam à deriva na densa nuvem de gás e poeira que rodeava o protossol. Contudo, estes modelos têm tido dificuldades em explicar como terão emergido do mesmo fluxo de partículas corpos planetários com composições tão distintas.

Para responder a esta questão, a equipa de investigadores liderada por Martin Schiller da Universidade de Copenhaga, na Dinamarca, mediu a abundância de isótopos 44Ca e 48Ca em amostras de rocha provenientes de Marte, Vesta, Terra, e de tipos raros de meteoritos conhecidos por angritos e ureilitos. Os dados foram depois usados para calcular o valor de μ48Ca, um valor numérico relativo expresso em ppm (partes por milhão), que compara a razão 48Ca/44Ca de uma amostra com a mesma razão medida num padrão de referência (uma amostra padrão de carbonato de cálcio). Os autores identificaram uma correlação positiva entre o μ48Ca e a massa dos objetos planetários incluídos neste estudo (no caso dos asteroides progenitores dos angritos e ureilitos, as massas foram deduzidas a partir de modelos de evolução térmica).

Assumindo que o cenário da acreção planetária a partir de pequenas partículas sólidas está correto, estes resultados indicam que objetos com diferentes massas não cresceram a velocidades distintas durante a fase de acreção no disco protoplanetário, como até agora se pensava. Em vez disso, os autores sugerem que os corpos planetários que hoje conhecemos no Sistema Solar deverão ter crescido todos à mesma velocidade, mas pararam o seu crescimento em momentos distintos, alcançando assim tamanhos e composições distintas.

Esta visão radicalmente inovadora é, na realidade, suportada por simulações numéricas. Objetos que adquiriram órbitas inclinadas ou com elevada excentricidade pararam de acumular material do disco protoplanetário, enquanto que os que permaneceram em trajetórias circulares na região central do disco continuaram a crescer. Isto sugere que a correlação entre o μ48Ca e a massa de um objeto pode ser usada para calcular o seu período de crescimento. Os autores confirmaram a validade deste método, comparando-o com escalas de tempo deduzidas para Marte, Vesta e os corpos progenitores dos angritos e ureilitos, a partir de modelos de evolução térmica e de técnicas de datação radiométrica (uma técnica de datação que usa o decaimento de isótopos radioativos).

De acordo com Schiller e colegas, as partículas que ocupavam a parte mais interior do disco protoplanetário deveriam ter inicialmente valores baixos de μ48Ca (cerca de -150 ppm). Os objetos formados nesta região cresceram a partir deste material até atingirem dimensões comparáveis à do corpo progenitor dos ureilitos (aproximadamente 200 km de diâmetro). Nesta fase, a parte mais interior do disco começou a ser bombardeada com partículas provenientes das regiões mais exteriores.

Estas partículas tinham um μ48Ca mais elevado (cerca de 200 ppm), uma característica típica dos meteoritos mais primitivos, os condritos carbonáceos, rochas que se pensa terem sido formadas nas proximidades da órbita de Júpiter. Como consequência, o valor médio de μ48Ca na parte mais interior do disco foi aumentando progressivamente, fazendo com que os objetos que continuaram a crescer até ao tamanho de Vesta (530 km de diâmetro) adquirissem valores de μ48Ca próximos de -100 p.p.m., e aqueles que cresceram até ao tamanho de Marte (6800 km de diâmetro) alcançassem valores de μ48Ca de cerca de -20 ppm.

A Terra e a Lua têm valores de μ48Ca próximos de 0 ppm. Os cientistas pensam que o nosso planeta se formou após o desaparecimento do disco protoplanetário, como resultado de violentas colisões entre embriões planetários do tamanho de Marte. A Lua, por seu lado, deverá ter sido criada como resultado do impacto de um desses embriões com a Terra primitiva. Este cenário não é, no entanto, possível se se confirmar a hipótese proposta por Schiller e colegas. Embriões planetários com a massa de Marte teriam valores de μ48Ca próximos de -20 ppm, pelo que se a Terra se formasse a partir destes objetos iria adquirir uma composição semelhante.

Para que a Terra e a Lua adquirissem os valores de μ48Ca observados por Schiller e colegas, os embriões planetários responsáveis pela sua formação necessitariam de ter alcançado massas equivalentes a cerca de metade da massa do nosso planeta. Contudo, dados obtidos por datação radiométrica indicam que a Terra atingiu uma massa equivalente a 63% da massa atual em apenas 11 a 24 milhões de anos, pelo que é difícil imaginar que tais embriões planetários possam ter crescido até tamanhos equivalentes a metade da massa do nosso planeta nos 5 milhões de anos de tempo de vida putativo do disco protoplanetário.

De acordo com Schiller e colegas, é possível que os embriões planetários tenham alcançado 1/3 da massa da Terra (cerca de 3 vezes a massa de Marte). No entanto, para que tal acontecesse, a fração da massa do nosso planeta proveniente das regiões mais exteriores do disco protoplanetário teria de ser significativamente superior ao calculado em trabalhos anteriores. Nesses estudos, os autores concluem que o fluxo de partículas proveniente das regiões mais exteriores do disco protoplanetário foi subitamente interrompido pela formação de Júpiter durante o primeiro milhão de anos do tempo de vida do disco, impedindo assim os objectos do Sistema Solar interior de acumularem grandes quantidades de compostos voláteis, o que explica a dicotomia isotópica observada entre os meteoritos condritos carbonáceos e os condritos comuns.

De facto, o modelo criado por Schiller e colegas não explica de forma satisfatória a composição dos condritos comuns. Ao contrário dos objetos de grandes dimensões, os corpos progenitores dos condritos deverão ter sido formados de forma súbita, através da acreção de pequenos agregados de partículas. No caso dos condritos comuns, este fenómeno deverá ter-se desenrolado no Sistema Solar interior, numa fase mais avançada da sua formação, numa altura em que Marte já teria reunido a maior parte da sua massa atual. Tendo em conta este cenário, os condritos comuns seriam então peças representantes de uma fase mais avançada da vida do disco protoplanetário, pelo que deveriam possuir um valor de μ48Ca positivo. Contudo, na realidade, estes objetos têm valores de μ48Ca próximos de -35 ppm.

Schiller e colegas explicam esta discrepância, sugerindo que as partículas provenientes das regiões mais exteriores do disco protoplanetário seriam mais pequenas, e embora participassem ativamente na acreção de objetos de grandes dimensões, seriam mais ineficientes na formação de agregados de partículas. Como consequência, os condritos comuns ter-se-iam formado preferencialmente a partir de agregados pré-existentes denominados côndrulos, que por sua vez, teriam valores de μ48Ca tipicamente negativos. A validade desta proposta precisa ainda de ser confirmada usando simulações numéricas de alta resolução.

Podem encontrar todos os detalhes acerca deste trabalho aqui.

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