Uma Estrela de Neutrões Maciça e Canibal

Uma equipa de astrónomos descobriu a estrela de neutrões mais maciça conhecida no sistema binário PSR J2215+5135, situado a cerca de 10 mil anos-luz, na direcção da constelação do Lagarto (Lacerta). O sistema é constituído por um pulsar (uma estrela de neutrões em rotação com um campo magnético poderoso) e uma estrela normal, semelhante ao Sol, de tipo espectral G5V. O pulsar tem um período de rotação de apenas 2.61 milisegundos e as componentes orbitam um centro de gravidade comum em apenas 4.14 horas. Observações detalhadas das velocidades orbitais da estrela normal e do pulsar permitiram determinar com precisão a massa de ambos. Com 2.3 massas solares, o pulsar é o mais maciço conhecido, ficando no entanto ainda dentro das margens de erro do limite teórico estabelecido há alguns meses para a massa deste tipo de objectos.

A aranha “redback” australiana Latrodectus hasseltii que inspirou a designação de sistemas binários como o PSR J2215+5135.
Fonte: Wikipedia.

No PSR J2215+5135 as componentes estão tão próximas que o pulsar irradia e erode a face da estrela que para ele está voltada. Esta face é sempre a mesma pois as forças de maré devidas ao campo gravitacional intenso provocam a rotação sincronizada da estrela, i.e., o seu período de rotação é igual ao seu período orbital. O lado irradiado da estrela atinge temperaturas na ordem dos 8000 Kelvin ao passo que no lado oposto o valor é de uns amenos 5600 Kelvin, normal para uma estrela de tipo espectral G5V.

Ao longo de centenas ou mesmo milhares de milhões de anos o pulsar remove camada após camada da estrela companheira até deixar apenas um cadáver estelar inerte. Este comportamento é reminiscente do das fémeas das aranhas “redback” australianas (Latrodectus hasseltii) que matam e se alimentam dos machos durante o acasalamento — um mau hábito que dá um significado completamente novo à expressão “sexo seguro”. Seja como for, por este motivo, os astrónomos designam sistemas como o PSR J2215+5135 de “redbacks”. Já agora, para os mais curiosos, há alguns sistemas ainda mais extremos designados de “black widows”.


Crédito: G. Pérez-Diaz, R. Hynes e M. Linares, T. Shahbaz, J. Casares (2018, ApJ).

Devido à diferença de temperaturas nas duas faces da estrela companheira, os astrónomos tiveram de usar um método mais elaborado e preciso para determinar a sua velocidade, observando simultaneamente o efeito de Doppler associado ao movimento orbital nas linhas de hidrogénio (mais intensas na face exposta ao pulsar) e nas de magnésio (mais intensas na face mais fria).

A descoberta de uma estrela de neutrões tão maciça é de enorme importância para a compreensão do comportamento da matéria a densidades extremas. O simples facto de existir permite eliminar a priori vários modelos sugeridos para a estrutura interna destas estrelas.

1 comentário

  1. A quantidade de energia cinética deve ser incomensurável.
    Imagina então capturar essa energia cinética e transformar em utilizável.
    “Roubar a rotação” dela fazendo ela deixar de girar tão rápido até para-la.
    Quanta energia seria produzida?

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