Fast Radio Bursts e mau jornalismo

Não aprecio notícias especulativas. As notícias deviam ser claras e concisas e, se forem especulativas, devem apresentar os diversos cenários ou pelo menos o mais provável.

Vem este artigo a propósito de uma notícia do Diário de Notícias acerca de um fenómeno descoberto recentemente e acerca do qual ainda pouco se sabe.

O que se sabe… Quando se observa o céu na frequência das ondas rádio (sim, é o mesmo tipo de radiação que traz as emissões de rádio para os nossos rádios caseiros e autorrádios), utilizando radiotelescópios, são registados muitos terabytes de dados. Os dados não são processados imediatamente… Aliás a ideia de que há uma pessoa com uns auscultadores a escutar os sinais recebidos pelos radiotelescópios não podia estar mais longe da realidade pois a quantidade de dados recolhida numa sessão de observação é tão, mas tão grande que é necessário recorrer a potentes computadores que utilizam algoritmos “inteligentes” para procurar padrões e anomalias no meio de todo o ruído registado. Então, quando posteriormente são analisados esses dados, ocasionalmente surgem lá pelo meio sinais muito energéticos e com uma duração muito curta, na ordem dos milissegundos. São conhecidos por FRB (Fast Radio Bursts, numa tradução livre, poderemos chamá-los explosões rápidas de rádio). Não se sabe o que os origina nem quando se registará o próximo FRB; apenas se sabe que surgem repentinamente de uma qualquer região do céu, duram milissegundos e desaparecem. Devido a este carácter transitório (não se sabe onde nem quando surge o próximo), só são descobertos à posteriori, quando se analisa gravações de observações astronómicas anteriormente feitas no espectro do rádio.
Acontece que há uma fonte de rádio, chamada FRB 121102, descoberta em 2012 e que, desde 2015, se sabe ser a origem de vários desses breves flashes de radiação, sendo assim, em certa medida, uma excepção àquele carácter imprevisível. Também se sabe que essa fonte coincide com a localização de uma galáxia distante; distante no espaço e também no tempo pois estima-se que a galáxia esteja a uns inimagináveis 3 mil milhões de anos-luz o que quer dizer que os sinais rádio registados foram emitidos há 3.000.000.000 de anos (o ano-luz é uma medida de comprimento e não de tempo. É a distância que a luz percorre num ano, sabendo-se que a luz se propaga a aproximadamente 300.000 km/s).

E esta notícia refere-se a um programa de observação dessa fonte de FRB, na faixa do rádio.

Sinais de alerta numa má notícia: a redundância (“extraterrestres” está ali a mais… se vem de uma qualquer galáxia tem que ser necessariamente extraterrestre) e a incorrecção (a imagem mostra um complexo de radiotelescópios mas a legenda chama-lhes “satélites”).

Mas, como já referi, ninguém sabe o que são nem o que origina os FRB. Infelizmente, alguns jornalistas gostam de títulos apelativos e de perguntas enviesadas…. e algum jornalismo faz disso uma linha editorial.
Quando um jornalista agenda uma entrevista com um investigador do SETI, é provável que inicie a conversa com expectativas de revelações fantásticas ou, pelo menos que saia dali com ideias para um título bombástico. Suponhamos que um jornalista pergunta a um astrofísico do programa SETI se os FRB podem ter origem numa civilização alienígena; provavelmente a resposta será “sim, mas…” e a seguir ao “mas” vem uma série de outras possibilidades e de afirmações cautelosas. O astrofísico dá um enorme ênfase a tudo o que vem a seguir ao “MAS”; o jornalista recorda vivamente o “SIM”.

As causas dos FRB são desconhecidas e a natureza do objecto que os emite também por isso vamos omitir todas as várias possibilidades e por aqui a mais improvável…

O programa SETI (Search for ExtraTerrestrial Intelligence) é desenvolvido por investigadores sérios e competentes. Melhor que ninguém, eles sabem que uma origem inteligente para essas emissões de radiação é improvável. É mais provável que sejam produzidos por um fenómeno ainda não compreendido, durante um evento cataclísmico que envolva buracos negros ou estrelas de neutrões. A circunstancia de os FRB durarem entre 30 microssegundos e 10 milissegundos podem ser uma indicação de se formarem num objecto relativamente pequeno, compatível com a dimensão de uma estrela de neutrões. A verdade é que não se sabe.
Mas qualquer investigador do programa SETI sabe que antes de se poder afirmar que os FRB são produzidos por uma civilização alienígena, é necessário compreender o que são, como se produzem e, mais importante que tudo, excluir a possibilidade de terem uma causa natural. E os dados recolhidos até agora não nos permitem afirmar ou excluir nada disso.

Credito da imagem: JINGCHUAN YU, BEIJING PLANETARIUM / NRAO

A par com a matéria escura e a energia escura, os FRB estão ainda no campo das hipóteses.
Aguardemos pacientemente…

1 comentário

    • Jonathan Malavolta on 20/10/2022 at 14:46
    • Responder

    “…a ideia de que há uma pessoa com uns auscultadores a escutar os sinais recebidos pelos radiotelescópios não podia estar mais longe da realidade pois a quantidade de dados recolhida numa sessão de observação é tão, mas tão grande que é necessário recorrer a potentes computadores que utilizam algoritmos “inteligentes”…”

    Foi para esse tipo de análise, estudo, observação e pesquisa que os programadores desenvolveram o que denominamos hoje de “inteligência artificial”: um algoritmo que “aprende” conforme novas informações vão chegando, e também “aprende” conforme vamos adicionando a ele novos parâmetros (inteligência artificial não se limita à astronomia, ela pode ser aplicada a diversas áreas do conhecimento: biologia, engenharia, medicina, geologia, história, sociologia, enfim).

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