Este post já o tinha equacionado há uns meses. Foi no entanto adiado sine die. O que me fez voltar a ele foi o reavivar da memória e da necessidade, uma vez que no grupo do facebook de astronomia (Portugal), se voltou a falar na teologia, e na maneira em como ela via a astronomia.
Durante muito tempo, a astronomia foi vista com desconfiança. Talvez tenha mudado o paradigma o papa Gregório XIII. Foi ele a estabelecer o calendário gregoriano (depois de o calendário Juliano se ter tornado obsoleto), e com ele tinha um grupo de astrónomos, entre sacerdotes, matemáticos e cientistas, que ajudaram nos cálculos necessários.
A astronomia é de casa, no Vaticano, seja porque o Vaticano possui, às portas de Roma um observatório astronómico (Castelgandolfo) que funciona em cascata com um segundo observatório localizado numa montanha dos EUA (perto de Tucson, Arizona), seja porque o céu representa uma profunda metáfora religiosa: é um chamamento continuo e sempre novo ao desejo e à sede que o homem tem de infinito, é um convite constante à abertura para o insondável mistério do universo criado.
Este post é publico, e como tal, para todos os que o querem ler. É porém de maneira especial dedicado a todos aqueles que pensam a religião como algo absolutamente incompatível com a astronomia e as ciências exactas, como se fosse impossível crer em Deus e ter o Big Bang como a teoria mais razoável para explicar a origem do universo. Fé e Razão não se contradizem.
Uma leitura fundamentalista dos textos sagrados, leva a não poucos problemas. Como sublinha e bem a Constituição dogmática Dei Verbum, a Bíblia é o livro da Palavra de Deus dirigida a nós homens. É uma carta de amor que Deus escreve ao seu povo, numa linguagem que remonta a dois ou três mil anos atrás.
Como se sabe, a teoria do Big Bang é recente, e a história ou se faz (e escreve) por se ter sido testemunha dela, ou então, se faz por dedução. Olhando uma grande pedra com a forma de cogumelo, deduz-se que ela já foi encorpada e por via da erosão, foi ganhando aquela forma “nova”. Se há um século atrás, nenhum cientista podia falar na teoria do Big Bang, não podemos querer que há três mil anos atrás a bíblia desse uma resposta cientifica. A preocupação que presidiu não era, claramente, cientifica.
Em teologia, quando reflectimos sobre a ciência das origens, também denominada Protologia, falamos sobre os mitos da criação das várias culturas, sobretudo semitas e mesopotâmicas, e falamos, OBVIAMENTE, na teoria do Big Bang como a mais atendível e razoável.
Como crente, católico, seminarista e estudante de teologia, não vejo qualquer tipo de contradição entre Fé e Astronomia, entre o mundo e a criação, criados por Deus, e a teoria do Big Bang. E vou explicar os porquês.
A teoria (combinação de evidências/provas) do Big Bang baseia-se, para se sustentar, na constatação de um facto: o universo continua a expandir-se a uma velocidade avassaladora desde que “apareceu”. Essa teoria teve por base a analise das classes espectrais por Edwin Hublble em 1929. Curiosamente, dois anos antes, o padre católico e astrónomo belga Georges Lemaître já tinha equacionado um universo em expansão com origem num… “dia sem passado”.
Ora bem, sabendo da expansão do universo que terá a beleza de uns 13 milhares de milhões de anos, é fácil deduzir que antes de se expandir, o universo era mais “compacto”. Com a ciência contemporânea, foi possível com os ciclotrons ou aceleradores de partículas, decompor a matéria e assim, “viajar no tempo”, até bem perto da origem do universo. Não se chegou ao segundo 0,0s, digamos em palavras pobres, mas “chegou-se” ao chamado tempo de Planck que é igual a 10−43 segundos (dez elevado a menos quarenta e três). O que é uma infinidade dentro do próprio segundo. E sabe-se precisamente o que se “viu” naquele momento, não uma grande explosão como se costuma dizer, mas um desenvolvimento da matéria, a partir de uma singularidade inicial, mais pequena que o ponto final no final desta frase.
Assim, como teólogo e como astrónomo amador, sabendo quanto afirmei, é-me fácil continuar a acreditar em Deus criador, e na teoria do Big Bang.
Neste aspecto, bem como noutros, não há qualquer contradição entre fé e razão.
João Paulo II em 1998 escreveu a carta encíclica Fides et Ratio (fé e razão) e diz que ambas são como que duas asas que nos podem levar a Deus. Continua dizendo que a nada serve apenas a fé que nos levaria a um fideísmo cego, por lhe faltarem as razões, e um racionalismo que prescinde da fé conduz invariavelmente a um beco sem saída onde faltam as respostas às mais básicas questões antropológicas assim como às situações limite e às questões existenciais.
Um dos problemas (o maior) da relação entre a ciência e a fé é a ignorância. Por um lado, os cientistas deviam aprender a ler correctamente a bíblia e a compreender as verdades da fé. Por outro lado, os teólogos e os homens da “igreja” deveriam actualizar-se sobre os progressos da ciência, para conseguir dar respostas eficazes às questões que ela coloca continuamente.
Como referi atrás, defendo a conciliação da fé e da ciência. Ter fé não significa negar os factos, as evidências científicas. Da mesma forma, ser cientista, ou mesmo astrónomo, não significa que devemos automaticamente pôr a nossa fé de lado. No meu entender, são conciliáveis. Respeito, evidentemente, quem possa ter a opinião contrária.
O que não se pode tolerar é quem extremiza posições e nega os factos. Da mesma forma que não compreenderei quem entre numa Igreja aos berros a afirmar que não tenho direito a estar lá com a minha fé, também não compreendo as atitudes de quem entra neste local de divulgação científica para afirmar mentiras à luz do (des)conhecimento que se tem dos assuntos. Foi também a pensar nesses que têm atitudes intolerantes que decidi escrever este texto. O extremismo, seja em que área for, nunca é bom conselheiro. Como Cristão, entendo que não fazer uso de um cérebro racional é negar uma dádiva do Criador. Tentar compreender o mundo através da ciência, em particular a astronomia, é desvelar um pouco mais o “véu” que nos faz compreeder o Criador e a criação em que Este se revela. Negar as evidências cientificas, negar o conhecimento que se tem dos assuntos, é, no meu entender, ir contra a vontade do Criador que nos deu os meios (a mente) e o Universo para podermos explorar.
Podem ler mais nos seguintes links: Vaticano, FOXnews, Padre Funes… e muitos outros.
Gostava de poder alongar-me ainda mais. Daria uma excelente tese de mestrado 🙂
Prometo responder a todas as questões que colocareis nos vossos comentários.
Espero que vos seja útil o que escrevi.
88 comentários
2 pings
Passar directamente para o formulário dos comentários,
Li o artigo acima, sobre o Big bem e Deus…., tenho pensado muito nessa telação, mas sabendo da teoria do Big Ben, fico cético quanto ao que se refere à Deus.
Tenho cá com meus botões, que havendo um Big Ben, não existe além da morte uma outra vida ou recompensa divina…. , entendo que tudo acaba…., injusto não é? Aí então vem a história de Deus….,
O homem precisa de algo para dizer que sua vida não foi em vão . Daí temos uma infinidade de religiões que prometem vida após a morte ( suposição lógica ), como então explicar esse fenômeno conhecendo também a teoria de Darwin?
O Big Bang (e não Big Ben) é uma teoria que explica a evolução do Universo, não a sua criação…. logo, nada diz quanto a Deus.
Darwin falou sobre a evolução da vida na Terra. Nada tem a ver com Big Bang.
abraços
Como relacionar a cronologia bíblica com a cronologia do big bang ?
A segunda é científica, baseada em evidências.
A primeira é religiosa, baseada na fé pessoal.
Meu caro Diácono Cristóvão Cunha
Gostei muito deste seu texto, porque tudo colocou no seu lugar.
Creio que o grande óbice que perturba o pensamento de muitos que se dedicam a estes temas está na reserva mental que proporciona uma “oposição instintiva” à ideia de Deus que é fruto de uma auto confiança que se foi assumindo à medida da hipotética possibilidade se chegar uma teoria de tudo (GUT – Great Unified Theory)que tudo explicasse que respondesse à pergunta porque razão existe o universo e, por tal, a dispensabilidade de Deus. Muito embora a forma de estar indicie o contrário, muitos dos grandes vultos que trabalham estes temas, por fruto da capacidade de quase chegarem à “Barreira de Planck” [10^(-43)]criram uma espécie de “soberba” de poderem ir para além o que motiva essa reserva mental de não aceitação de uma outra “Realidade” que não seja aquela que possa advir da sua capacidade de explicação que já os levou até ali.
Perdeu-se a “humildade” que deve ter “quem muito sabe” perante a Criação e o indisível Criador. Como referia um grande filósofo francês, Jean Guitton; a propósito deste limite e para “além” do zero absoluto do tempo, “as Leis da Física não se aplicam a Deus, nem à Sua Criação”
Até ao século passado, melhor dizendo até ao final do seu primeiro quartel, acreditava-se que tudo seria explicável por equações matemáticas. Nenhum evento fugiria a ser equacionável e, se ainda o não fosse , não tardaria que isso acontecesse. Não foi preciso esperar muito para ver quanto isso se tornaria uma impossibilidade, fundamentalmente pela Relatividade da Simultaneidade de Einstein, pelo Princípio da Incerteza de Heisenberg, pelo Teorema da Incompletude de Kurt Gödel e pela Teoria da Complexidade em Sistemas Dinâmicos e não determinísticos. Mas, mesmo assim a “reserva mental” continua. Tal como o “politicamente correcto, existe também o “científicamente correcto”
hein?
Definitivamente esse foi o texto que eu precisava ler 😀 Compartilho a MESMA opinião que você, sou cristã provavelmente desde que me conheço por gente e por várias e várias vezes me peguei não querendo pensar em fé e razão ao mesmo tempo, por medo de não conseguir conciliar os dois. Meu interesse por astronomia surgiu mais ou menos no final de 2012 (logo depois de ver star wars :P) e desde então eu sou apaixonada pelo céu e sonho em trabalhar nessa área futuramente, por diversas situações me encontrei em dúvida sobre Deus e etc, até porque praticamente todos que trabalham no campo de astronomia e astrofísica são ateus ou agnósticos – a gente acaba sendo influenciado pela opinião deles querendo ou não- Não gosto de pensar sobre criacionismo e evolucionismo, no bem da verdade não consegui formar uma opinião concreta sobre oque eu acho a respeito disso ainda, minha única certeza é que há um Deus que definitivamente deu um inicio a tudo isso. Não consigo imaginar uma vida em que nós só nascemos, vivemos e morremos. É uma perspectiva triste ao meu ver D: de qualquer forma não posso provar Deus, da mesma forma que ateus não podem desmentir Deus, pra mim ter fé em Deus e em Jesus é uma experiência pessoal que ninguém tem nada a perder. Seu texto foi incrível, e mais incrível foi saber que tem mais alguém representando essa ideia 😀 queria mesmo poder escrever algo que exteriorizasse de verdade o que eu penso sobre isso mas isso é o melhor que eu posso fazer.
Bem-haja para quem iniciou este Blog, que assim , fomenta uma brilhante troca de ideias e convições, encontro-me aqui neste Blog pelo resultado de uma pesquisa que,de alguma forma é comum a todos….”como e porquê?”
Leio todas as opiniões com apreço e respeito ,porém ,também quero deixar aqui registado o meu ponto de vista sobre o assunto (….a minha Convicção) e assim contribuir para o “debate” e reforçar algumas ideias acima escritas,
Assumo-me como Cristão de fé (com fé) mas,como Ser imperfeito que sou (….que somos!), tambem tenho as minhas “curiosidades” ( sou humano com sede de conhecimento 🙂 ) , primeiro, respeito todos aqueles que aqui tentam procurar o que…….. não é procurável, acho que devemos entender e sem fugir da trajetória a que nos propusemos, que existem “coisas” que vão para alem da nossa capacidade de compreensão imediata , do “cientificamente” explicável , da nossa capacidade sensorial. Sabemos que a evolução passou e continua a passar por estágios ( e isso sim é “cientificamente” comprovado) assim sendo e, pegando na matriz dessa ideia, acho que ainda estamos num estágio de compreensão ( ou de aceitação) muito limitado, e como os mais velhos costumam dizer aos mais novos, ainda falta-nos “maturidade” para evoluir, acredito que no decorrer dos dias,anos, séculos……. iremos também chegar ao ponto de perceber e desenvolver sentidos que nos irão ajudar a entender o porque desta toda “confusão” (….eu digo aproximarmo-nos de Deus). Enquanto Cristãos, temos uma responsabilidade numa Fé que nos leva à resposta, mas tenho que admitir que essa mesmo é muito “sucinta” para as necessidades Humanas. Queres entender como é que “Algo” ou “Alguém” começou a desenhar o ” Modus operandi ” da criação e posteriormente da evolução, já é evolução propriamente dita, aliás, digo “Alguém” porque acredito que nada acontece por acaso, No Cristianismo, Jesus Cristo é apresentado como o logos e segundo a Bíblia, Jesus Cristo, como imagem do Deus invisível ou o Verbo divino encarnado, é causa tanto do mundo material como do mundo espiritual. , porem quem procura uma casualidade cientificamente comprovável dos factos, esta a entrar num ciclo repetitivo ( while….until) que vai dar sempre ao mesmo sitio (…leia-se pergunta) se o Universo espaço-tempo fosse eterno o momento presente jamais chegaria pois uma quantidade ilimitada de momentos teria de antecedê-lo, então ele teve uma causa. (……pumba!).
Meus caros, acredito na ciência para uma melhoria de qualidade de vida, afinal Deus(para os Cristãos) ou a Natureza(para os cépticos) dotou o Ser Humano de ferramentas , de uma capacidade racional evolutiva Eu também pergunto se isto faz sentido, mas depois do “flash” desaparecer, concluo que tudo o que faço por ser católico, tudo o que são os ensinamentos, fazem sentido e assim, reforçam a minha coragem para defender o que até aqui escrevi, Espero não ter ofendido ninguém nem fazer acreditar que alguém aqui está errado, até porque ser Católico é saber dizer sim e saber aceitar continuamente. Enquanto Cristão concluo com a simples afirmação : Deus não pode ser comprovado em laboratório, nós sabemos que está lá.
[…] – Religião (tag): Big Bang e Deus. Deus e ETs. Jesus ET (aqui). Papa. Sagan e Espiritualidade. Einstein (mito, verdade). Michio Kaku. […]