O estranho destino duma pessoa que caiu num buraco negro.

Pode acontecer a qualquer pessoa…
Talvez quem nos leia se imagine numa fantástica exploração espacial, qual a Laureline, a camponesa da banda desenhada, nascida no século 14, mas que estudou muito e se tornou Astronauta das galáxias.
Ou um destemido Flash Gordon hiper-relativista.

Quaisquer que sejam as circunstâncias, somos confrontados com a velha questão: o que será que me acontece quando caio num buraco negro?

Pode pensar que vai ser esmagado, ou talvez feito em pedaços. Mas a realidade é bem mais estranha do que isso.

No instante em que entrou no buraco negro, a realidade será dividida em duas. Numa, seria imediatamente incinerado, e na outra mergulha para o buraco negro ficando totalmente ileso. São que nem um pêro.

Para a nossa aventura, o leitor será quem mergulha num buraco negro e a Ana será quem fica de fora a ver o que acontece. Pois claro, a Ana tem estudos de Ciências e é prudente e muito esperta. Uma smart cookie.

O leitor é muito corajoso, aventureiro, e, com o devido respeito, um tanto ou quanto louco como todos os aventureiros.

objectos pesados deformam o tecido do próprio espaço-tempo  Crédito: Julian Baum / SPL

Objectos pesados deformam o tecido do próprio espaço-tempo.
Crédito: Julian Baum / SPL

Um buraco negro é um lugar onde as leis da física colapsam e deixam de funcionar.
Einstein ensinou-nos que a gravidade deforma o espaço em si, esculpindo-o em curvaturas.

Assim, dado um objecto com densidade maior do que entre 1,5 e 3 vezes a massa do nosso Sol, o espaço-tempo pode ficar distorcido até ao ponto de se distorcer sobre si mesmo, escavando um buraco no próprio tecido da realidade.

É o chamado limite de Tolman-Oppenheimer-Volkoff para pequenos buracos negros não rotativos, que se formam a partir de estrelas de matéria degenerada-neutrónica, vulgo estrelas de neutrões.
Pensa-se que os buracos negros de Kerr, ou rotativos, surjam a partir do colapso de estrelas com 8 ou mais vezes a massa do nosso Sol.

A estrela maciça que ficou sem combustível pode produzir o tipo de densidade extrema necessária para gerar este tipo de mundo caótico. A Gravidade torna-se tão intensa que consegue partir em cacos os neutrões, tanto os das estrelas como os dos átomos do nosso corpo. Como a estrela implode sob o seu próprio peso e cai para dentro, arrasta consigo o tecido do espaço-tempo. O campo gravitacional torna-se assim tão forte que nem mesmo a luz consegue escapar, tornando a região onde a estrela tinha o bom hábito de existir profundamente escura: temos um buraco negro.

Como o nosso aventureiro pode ir mais fundo no buraco negro, vê que o espaço se transforma e vai ficando cada vez mais cheio de curvas.

A fronteira externa do buraco é o seu horizonte de eventos, determinado pelo raio de Schwarzschild nos buracos negros não rotativos e pela Ergoesferea do espaço de Kerr nos rotativos, e é uma elipse imaginária em que a força gravitacional neutraliza precisamente os esforços da luz para escapar. Vá o leitor para mais perto do que isso, e não há escapatória.

O horizonte de eventos está flamejante de energia; os efeitos quânticos na suas bordas geram fluxos de partículas quentes que irradiam de volta para o universo. Isso é a chamada de radiação hipotética de Hawking, em homenagem ao físico Stephen Hawking, que a previu. Dado tempo suficiente, o buraco negro irá irradiar a sua massa, e desaparecer.

É tudo muito caótico e bizarro, e num mundo quântico estas partículas da radiação Hawking serão de tão alta energia que ocupam uma região tão pequena do espaço que nunca as poderemos detectar.

O escudo do detector que teríamos de utilizar teria de ser tão massivo que geraria o seu próprio buraco-negro. Bastava aliás o filtro para eliminar o ruído produzido pelos neutrinos.

Uma partícula com muita massa ocupa uma região muito pequena do espaço (por exemplo o Bosão de Higgs) e, inversamente, uma com muito pouca massa (por exemplo, um electrão), ocupa logo uma nuvem, uma região muito grande do espaço.

É mesmo incrível, a mecânica quântica.
Respirem e re-leiam o parágrafo anterior, não é anti-intuitivo? É. Prossigamos.

À medida que vamos mais fundo no buraco negro, o espaço torna-se cada vez mais cheio de curvas, até que, no centro, se torna infinitamente curvo. Chegámos à singularidade.
Espaço e tempo deixam de ser conceitos que tenham significado físico, e as leis da física como nós as conhecemos – todas as que requerem espaço e tempo – não se aplicam.

O que acontece aqui? Ninguém sabe.
Outro universo? O avesso do avesso do avesso do avesso? Esquecimento? A parte de trás duma estante de livros? Um tubarão devorador? Encontramos a Jessica Rabbit? É um mistério.

Num buraco negro, o espaço torna-se infinitamente curvo. Crédito: Henning Dalhoff / SPL

Num buraco negro, o espaço torna-se infinitamente curvo.
Crédito: Henning Dalhoff / SPL

Feito num oito ao quadrado ou no mais feliz dos pensadores?

Então o que acontece se acidentalmente cair numa dessas aberrações cósmicas?

A sua companheira de aventuras – a Ana -, assiste horrorizada a ver leitor a mergulhar na direção do buraco negro, enquanto ela permanece em segurança cá fora. Do ponto de vista donde ela está, flutuando, as coisas estão prestes a ficar muito estranhas.

A aceleração do leitor é radical, pois a velocidade terminal da sua queda vai ser superior à da luz.
Só se salvaria, verifica a Ana em desespero, se tivesse um foguetão com velocidade de escape superior à da luz, não disponível no stand de vendas de naves, mesmo na gama superior.

Cai para uma zona onde 1 grão de açúcar pesa cerca de 380 milhões de quilogramas, caso fosse no buraco negro super massivo posicionado no centro da Via Láctea, o incrível Sag A* (Estrela Escura Sagitário A).

Convém, de qualquer modo, salientar que estes debates teóricos são sobre objetos teóricos, não sobre um buraco negro específico.

Tem uma posição muito marcada, ao extremo, e, como nos diz o Princípio da Incerteza de Heisenberg então tem um momento, ou uma velocidade rotacional completamente louca, desenfreada, esmagando partículas, sobreaquecendo tudo e emitindo uma fulgurante emissão em vários comprimentos de onda, numa tempestade cósmica descomunal.

Ora como já vimos pela mecânica quântica, muita densidade de massa significa que essa partícula ocupa uma região pequena do espaço, e este monstro com 3,8 milhões de vezes a massa do Sol apenas tem 17 vezes o raio, ou o tamanho, do nosso bom e bem comportado Sol. Pelo que observamos um objeto macro com propriedades quânticas no seu interior.

As estrelas pequenas como o Sol são ilhas de estabilidade; um buraco-negro super-massivo é um furacão cósmico.
Que loucura de viagem!

Quando o leitor acelerar na direção do horizonte de eventos, a Ana irá vê-lo a esticar-se e a contorcer-se, como se estivesse a observá-lo através duma lupa gigante.
Além disso, quanto mais perto se chegar do horizonte mais parece à Ana que o leitor se está a mover em câmara lenta.

Não lhe consegue gritar ó Ana, ó Ana, como o poeta da senhora minha mãe chamou. E se quiser enviar um S.O.S, com a luz do seu telemóvel, essa luz estica-se num comprimento de onda cada vez mais longo, perde energia e fica cada vez mais ésssssssssse oooooooooooooooooooo ésssssssssssssssssssssssssssssse…

Antes de conseguir passar para a escuridão do buraco negro, o nosso leitor ficaria reduzido a cinzas.

Quando alcança o horizonte, a Ana vê-o a congelar no tempo, como se alguém tivesse premido o botão de pausa. Permanece ali engessado, imóvel, esticado em toda a superfície do horizonte à medida que uma temperatura crescente o começa a devorar.

Do ponto de vista da Ana, o leitor está a ser lentamente espaguetizado pelo alongamento do espaço, pela paragem do tempo e pelas chamas da radiação de Hawking.
Antes que possa passar para a escuridão do buraco negro, estará reduzido a cinzas.

Mas, antes de combinarmos alegremente o seu serviço funerário, vamos esquecer a Ana e ver esta cena horrível do ponto de vista do leitor.

Agora, algo ainda mais estranho acontece: nada.

A fronteira dum buraco negro poderia ser uma flamejante firewall. Crédito: Equinox Gráficos / SPL

A fronteira dum buraco negro poderia ser uma flamejante firewall.
Crédito: Equinox Gráficos / SPL

O mais feliz pensamento.

Consegue velejar suavemente para o destino mais sinistro da natureza sem sofrer qualquer colisão ou enjoo do balanço do seu veleiro – e certamente não sofrerá qualquer radiação, alongamento, atraso nas horas ou queimaduras.

Isso deve-se ao leitor estar em queda livre e, portanto, não sentir a gravitação: algo a que Einstein chamou de “o mais feliz pensamento”.

Num buraco negro massivo o bastante, como numa receita culinária q.b., poderia viver o resto da sua vida numa tranquilidade considerável, com excelente e relaxante significado físico.

Afinal, o horizonte de eventos não é como uma parede de tijolos flutuando no espaço. É uma linha imaginária de concepção humana e que depende da perspectiva.

Um observador que permaneça fora do buraco negro não pode ver através dele, mas isso não é problema seu. Tanto quanto sabe, na sua perspectiva, não há horizonte.

Bem, se o buraco negro for dos menores, tem um problema.

A força gravítica (a gravidade é apenas a sua resultante lá longe na Terra) seria muito mais forte nos seus pés do que na sua cabeça, que se estende para fora como um pedaço de esparguete. Mas para sua sorte este buraco negro é um dos grandes, com milhões de vezes a massa do nosso Sol, de modo que as forças que o poderiam transformar em esparguete à bolonhesa não têm intensidade suficiente para o esticar dessa forma.

De facto, num buraco negro dos grandes poderia viver o resto da sua vida normalmente até morrer na singularidade.

O horizonte de eventos não é uma barreira sólida. Crédito: Richard Kail / SPL

Radiação de Hawking flui a partir do horizonte de eventos.
Crédito: Richard Kail / SPL

Como poderia realmente a sua vida ser normal, poderá questionar-se, dado que está sendo sugado na direcção duma ruptura no continuum do espaço-tempo, puxado contra a sua vontade, incapaz de voltar para o outro lado?

Não se pode virar e escapar do buraco negro…

Mas quando pensamos sobre isso, todos nós sentimos de facto isso, não na nossa experiência com o espaço, mas com o tempo. O Tempo só vai para a frente, não para trás, e isso arrasta-nos contra a nossa vontade, e impede-nos de avançarmos para o passado.

Isto não é apenas uma analogia. Os buracos negros entortam o espaço-tempo para um extremo tal que, dentro do horizonte, fazem o espaço e o tempo trocar de papéis.

Em certo sentido, é realmente o tempo que o puxa na direção da singularidade.
Não se pode virar nem escapar do buraco negro, tanto quanto não se pode virar para trás e viajar de volta ao passado.

Neste ponto, pode querer parar e perguntar-se: o que estará errado com a Ana?

Se o leitor está congelado no interior do buraco negro, cercado por nada mais estranho do que o espaço vazio, porque está ela insistindo que o meu amigo foi queimado como uma batata frita por radiação de fora do horizonte? Estará ela a ter alucinações?

Na verdade, a Ana está a ser perfeitamente razoável. Do seu ponto de vista, o leitor foi realmente queimado como uma batata frita no horizonte. Não é uma ilusão. Ela poderia até mesmo recolher as cinzas e enviá-las de volta para os seus parentes mais próximos.

Na verdade, as leis da natureza exigem que o leitor permaneça fora do buraco negro tal como é visto da perspetiva de Ana. Isso porque a física quântica exige que a informação nunca se perca. Cada bit de informação que é responsável pela sua existência tem que ficar do lado de fora do horizonte, para que as leis da física sejam mantidas do lado da Ana.

O leitor tem que estar em dois lugares, mas só pode haver uma cópia de si mesmo.

Por outro lado, as leis da física também exigem que possa navegar através do horizonte sem encontrar partículas quentes ou qualquer coisa fora do comum. Caso contrário, o leitor estaria em violação do pensamento mais feliz de Einstein e da sua teoria da relatividade geral.

Assim, as leis da física exigem que esteja tanto fora do buraco negro num monte de cinzas como no interior do buraco negro esteja vivo e recomendável.
Por último, mas não menos importante, há uma terceira lei da física que diz que a informação não pode ser clonada. Tem que estar em dois lugares, mas só pode haver uma cópia de si.

De alguma forma, as leis da física apontam para uma conclusão que parece um pouco absurda. Os físicos chamam a esse enigma irritante o Paradoxo da Informação nos buracos negros.
Felizmente, na década de 1990 encontraram uma maneira de resolvê-lo…

Uma vez caído lá dentro, não há forma de sair. Crédito: Science Photo Library

Uma vez caído lá dentro, não há forma de sair.
Crédito: Science Photo Library

Leonard Susskind percebeu que não há paradoxo, porque nenhuma pessoa vê o seu clone. Ana vê somente uma cópia.
E o leitor só vê uma cópia de si mesmo.
O leitor e a Ana nunca poderão comparar notas. E não há nenhum terceiro observador que possa ver tanto de dentro como de fora de um buraco negro em simultâneo. Assim, não há quebra das leis da física.

A realidade depende da pessoa a quem se pergunta: ao leitor ou à Ana.

Excepto, claro, se se procurar saber qual história é realmente verdade. O leitor está realmente vivo ou morto?

|Ѱ > = 1/SQRT 2 ( | 1 átomo excitado, GATO VIVO

+| 1 átomo não-excitado, GATO MORTO > )

O grande segredo que os buracos negros têm revelado para nós é que não existe o realmente. A realidade depende de quem responde às perguntas. Há o realmente Ana e há o seu não realmente. Fim da história.

Bem, quase…
No verão de 2012, os físicos Ahmed Almheiri, Donald Marolf, Joe Polchinski e James Sully, conhecidos coletivamente como AMPS, conceberam uma experiência mental que ameaça derrubar tudo o que pensávamos que sabíamos sobre os buracos negros.

Ninguém sabe ao certo o que se encontra dentro de um buraco negro. Crédito: Henning Dalhoff / SPL

Ninguém sabe ao certo o que se encontra dentro de um buraco negro.
Crédito: Henning Dalhoff / SPL

Eles perceberam que a solução da Susskind dependia do facto de que qualquer discordância entre si e a Ana é mediada pelo horizonte de eventos. Não importa se a Ana viu a versão azarada a ser dispersada pela radiação de Hawking, porque o horizonte a impedia de ver a outra versão do leitor flutuando dentro do buraco negro.

 

A Ana pode dar uma espreitadela para lá do horizonte.

Mas, e se houvesse uma maneira dela descobrir o que estava do outro lado do horizonte, sem realmente atravessá-lo?

A relatividade comum diria que a resposta é não, mas a mecânica quântica faz as regras um pouco mais complexas.

A Ana pode dar uma espreitadela para lá do horizonte, usando um pequeno truque que Einstein chamou de acção assustadora à distância.

Isto acontece quando dois conjuntos de partículas que são separados no espaço estão misteriosamente “emaranhados”.

Eles são parte de um todo único, indivisível, de modo que as informações necessárias para descrevê-las não podem ser encontradas num qualquer conjunto sozinho, mas nas assustadoras ligações entre esses ensembles.

Partículas amplamente separadas podem estar assustadoramente emaranhadas. Crédito: Victor de Schwanberg / SPL

Partículas amplamente separadas podem estar assustadoramente emaranhadas.
Crédito: Victor de Schwanberg / SPL

A ideia AMPS foi algo como isto. Vamos dizer que a Ana agarra um pouco de informação perto do horizonte – e vamos chamá-lo A.

 

Entrelaçamento / Emaranhamento Quântico.

Lei – Cada bit de informação só pode ser entrelaçado uma vez.

Se a sua história está certa, e é um caso perdido, tipo ovos mexidos entre a radiação Hawking de fora do buraco negro, então:
A deve ser emaranhado com outro pedaço de informação, B, que também faz parte da nuvem quente de radiação.

Por outro lado, se a sua história é a verdadeira, e se está vivo e bem no outro lado do horizonte de eventos, então A deve ser emaranhado com um bit diferente de informação, C, que está posicionado dentro do buraco negro.

Aqui está o segredo: cada bit de informação só pode ser emaranhado uma vez. Isso significa que A só pode ser emaranhado com B ou com C, não com ambos.

Os buracos negros podem sugar o material das estrelas mais próximas. Crédito: NASA / CXC / M Weiss

Os buracos negros podem sugar o material das estrelas mais próximas.
Crédito: NASA / CXC / M Weiss

Então a Ana leva o seu bit, A, e coloca-o através da sua máquina de emaranhamento-descodificação portátil smart-cookie, que cospe uma resposta: ou B ou C.

Terá o leitor percorrido um voo maravilhoso típico dum planador-motorizado através do buraco negro e depois ainda viveu uma vida normal?

Se a resposta acabar por ser C, então a sua história ganha, mas as leis da mecânica quântica são quebradas.
Se A fôr emaranhado com C, isso coloca-o nas profundidades interiores do buraco negro. Essa parcela de informação fica perdida para a Ana, e para sempre.

É que esse colapso quebra a lei quântica que diz que a informação nunca pode ser perdida.

Isso deixa-nos com B.
Se o aparelho de descodificação da Ana acha que A está emaranhada com B, então quem ganha é a Ana e quem perde é a relatividade geral.

Se A está emaranhada com B, então a história da Ana é a história verdadeira, o que significa que o leitor foi de facto esturricado, não sobrando sequer um grão de cinza.

Em vez de velejar calmamente através do horizonte, de acordo com a Relatividade, embateu numa firewall em chamas.

Então, estamos de volta onde começámos: o que acontece quando cai num buraco negro?
Flutua suavemente através dele e vai viver uma vida normal, graças a uma realidade que é estranhamente dependente do observador?
Ou abeira-se do horizonte do buraco negro apenas para colidir com uma firewall mortal?

Os buracos negros distorcem os raios de luz que lhes passam nas proximidades, causando um efeito de lente. Crédito: Ute Kraus, CC 2,5

Os buracos negros distorcem os raios de luz que lhes passam nas proximidades, causando um efeito de lente.
Crédito: Ute Kraus, CC 2,5

Ninguém sabe a resposta, que se tornou numa das questões mais controversas da física fundamental.

A Ana levaria um tempo extraordinariamente longo para descodificar o emaranhamento.

Os físicos têm passado mais de um século tentando reconciliar a relatividade geral com a mecânica quântica, sabendo que, eventualmente, uma ou outra terá de ceder.

A solução para o paradoxo firewall deve-nos deixar saber quem procederá a cedências, e apontar o caminho para uma teoria ainda mais profunda do universo.

Pode haver uma pista na máquina de descodificação da Ana.

Descobrir qual é o outro bit de informação com que A está emaranhado é que é um problema extremamente complicado.

Os físicos Daniel Harlow, da Universidade de Princeton (Nova Jersey), e Patrick Hayden, agora na Universidade de Stanford (Califórnia), perguntaram-se quanto tempo levaria.

Em 2012, eles calcularam que, mesmo recorrendo ao computador mais rápido que as leis da física permitam, a Ana levaria um tempo extraordinariamente longo para descodificar o emaranhamento. Quando ela obtivesse a sua resposta, o buraco negro teria tempo mais do que suficiente para se evaporar, desaparecendo do universo e levando consigo a ameaça de um firewall mortal.

Centaurus A tem um buraco negro. Crédito: ESO / WFI / MPIfR / APEX / A Weiss / NASA / CXC / CfA / R. Kraft

Centaurus A tem um buraco negro.
Crédito: ESO / WFI / MPIfR / APEX / A Weiss / NASA / CXC / CfA / R. Kraft

Era o hipotético AMPS firewall.

Se for esse o caso, a enorme complexidade do problema poderá impedir a Ana de algum dia descobrir qual é a história verdadeira.
Isso deixaria as duas histórias simultaneamente verídicas: a intrigante realidade dependente do observador, todas as leis da física intactas, e ninguém em perigo de correr contra uma parede inexplicável de fogo.

Se a verdadeira natureza da realidade está em algum lugar escondido, o melhor lugar para a procurar será num buraco negro.

Os buracos negros também dão aos físicos algo novo para pensar: as tentadoras conexões entre os cálculos complexos (como o que a Ana, aparentemente, não pode fazer) e o espaço-tempo.
Isto pode abrir uma oportunidade para algo ainda mais profundo.

Este é que o grande atrativo dos buracos negros.
Eles não são apenas obstáculos irritantes para os viajantes espaciais. São também laboratórios teóricos que integram os caprichos mais subtis das leis da física, ampliando-os para proporções tais que não os podemos ignorar.

Se a verdadeira natureza da realidade se encontra escondida em algum lugar, o melhor lugar para procurar é num buraco negro.
É, no entanto, provavelmente mais recomendável observá-lo de fora: pelo menos até se perceber ao detalhe esta coisa da firewall.
Ou enviar a Ana, sejamos cavalheirescos, que é chegada a vez dela…

O horizonte de eventos não é uma barreira sólida.Crédito: Richard Kail / SPL

O horizonte de eventos não é uma barreira sólida.
Crédito: Richard Kail / SPL

 

Traduzido e adaptado do original de Amanda Gefter, na BBC-Earth, aqui.

 

Notas:

Este artigo de Amanda Gefter contém algumas imprecisões em benefício da simplicidade da narrativa.
Assim, o leitor estaria irremediavelmente perdido no buraco negro a partir duma zona conhecida como Ergoesfera, que é mais oblata (mais gorda) nos lados e igual ao horizonte de eventos nos pólos do campo magnético gerado pelo momentum angular do buraco negro.

Os buracos negros têm um teorema associado, conhecido como no hair theorem. Este diz que podemos, do exterior, e pelas interacções que os buracos negros de sistemas híbridos binários têm com as suas estrelas companheiras, calcular três variáveis:

1) Momentum Angular.
2) Massa.
3) Raio de Schwarzchild, ou tamanho.

Equações das propriedades das partículas e das constantes físicas associadas. Só é possível calcular 2 ou 3 propriedades dum objeto, dado os extremos das ordens de grandeza envolvidos e o Princípio da Incerteza em acção (quanto maior precisão do local, menor do momentum, tendo que a multiplicação das suas probabilidades ser igual ou maior do que a acção, ou constante de Planck reduzida a dividir por 2). São estes os mecanismos limitadores do dupleto ou tripleto do “no hair theorem”.

Equações das propriedades das partículas e das constantes físicas associadas.

Nas equações das propriedades das partículas e das constantes físicas associadas, só é possível calcular 2 ou 3 propriedades dum objeto, dado os extremos das ordens de grandeza envolvidos e o Princípio da Incerteza em acção: quanto maior a precisão do local, menor a do momentum, sendo que a multiplicação das suas probabilidades tem de ser igual ou maior do que a acção, ou constante de Planck reduzida, e a dividir por 2.

São estes os mecanismos limitadores do dupleto ou tripleto do no hair theorem.

Existem vários tipos de buracos negros, desde os estelares até aos monstros gigantescos nos núcleos das galáxias, os não rotativos (métrica de Schwarzchild) e os rotativos (métrica e espaço de Kerr), mas em todos apenas lográmos calcular 2 ou 3 variáveis, pelo que o “teorema no hair” se mantém.

O Momento Angular dum buraco negro arrasta o tecido do espaço-tempo nas suas orlas, e é essa fricção e pressão que gera os gigantescos campos magnéticos observados.

Os buracos negros serão objectos com carga neutra, e são as colisões de partículas com carga diferente que geram campos magnéticos de altas energias, como os dos raios-x, sendo os de raios gama, os de mais alta energia, gerados pela aniquilação mútua das partículas e das anti-partículas que por sua vez poderão gerar a hipotética radiação de Hawking, até hoje nunca observada.

 

Agradecimentos:

Queremos aqui no AstroPT agradecer à leitora Teresa Larsson por nos ter indicado o original deste artigo de 2015, que foi o mais lido na BBC Earth nesse ano.

Ao Professor Jonathan Vos Post, físico, matemático e engenheiro do programa espacial Apollo pela análise e autoria de papers de mecânica quântica e pelas orientações sobre o espaço Kerr e ergoesfera, com desejo de melhoras do seu estado de saúde.

Ao Físico Ed Unrrevitch, pela narrativa da singularidade à luz da energia dos fotões.

 

Equações:

Para quem gosta de equações, junto um resumo cronológico de algumas equações relevantes:

Newton, velocidade de escape (onde podem ver que a ida à Lua recorreu à mecânica de Newton):
Vesc = SQRT 2 GM / R

Em 1783, John Mitchell, clérigo inglês, previu que uma estrela com 500 vezes a massa do Sol absorveria toda a luz, dado pensar, e bem, que a velocidade de escape destes objectos seria superior à da luz no vácuo.

Em 1915, Albert Einstein publicou a sua Teoria da Relatividade Geral, estendendo, num trabalho de extrema complexidade, a sua Teoria da Relatividade Especial de 1905 à Gravitação.

Especial = Luz
Geral = Gravitação

Uma das consequências da relatividade especial foi o principio da equivalência do momento, que está resumida na famosa:
E = mc^2

e sobretudo na:
E^2 = (p c^2) + (m0 c^2)^2

A relatividade geral, ou lei da Gravitação, tem 10 equações associadas aos tensores do espaço e ao pseudotensor da gravitação nas soluções de campos, pelo que resumo por uma análise simplificada e geométrica, sem os termos dos tensores e focando apenas num dos termos de uma das equações:
π = Circunferência dum círculo / Diâmetro

Ângulo quadrático no centro duma circunferência, projectado nos 4 raios, define um quadrado:
π / 2

Nota: um quadrado é um número a multiplicar por si mesmo. Por exemplo c^2.

Área duma esfera:
4 π r^2

Volume duma esfera:
4/3 π r^3

Termo duma Equação de Campo de Einstein:
8 π G / c^4

Em 1916 Karl Schwarzchild coligiu esta solução para a Relatividade Geral de Einstein:
Rds ou Rs= 2 m G / c^2
onde Rds, é R = Raio de Schwarzchild e ds é Dark Star. Por vezes vê-se também anotado Rs = raio de Schwarzchild,

Na altura ninguém entendia que significado físico poderia ter o Raio de Schwarzchild. Hoje sabemos que delimita o horizonte de eventos do buraco negro e, após análise complexa com o advento da mecânica quântica (Relação Planck-Einstein, Princípio da Incerteza de Heisenberg e entropia quântica de Bell), podemos concluir que, quando
R = zero, coalesce a singularidade.

Susskind, deriva de Rds para a energia cinética (que em mecânica quântica soma e inclui a potencial) assim:
K ds = 2 m G / c^2

e deriva para a entropia do buraco negro:
Vesc = 2 m G / Rds

sendo que a Vesc > c
integrando todos os pensadores antes dele.

Para finalizar, na transição entre uma estrela de neutrões e um buraco-negro, um valor indefinido acima do limite de Chandra entre 1,5 e 3 massas do Sol, os neutrões são esmagados pela temperatura gerada pela Gravitação e o Principio de Pauli é literalmente esmagado para uma singularidade igual a zero.

Esse cancelamento de termos verifica-se porque a energia dum fotão é inversamente proporcional ao seu comprimento de onda: quanto menor for o comprimento de crista a crista das oscilações dum fotão, maior é a sua frequência, logo maior é a energia associada.

Como vimos, quanto mais pequena é essa oscilação, maior a energia, até que o comprimento de onda fica igual ao comprimento de Planck (1.6 x 10^-35 metros) e a energia é tão grande que o raio de Schwarzchild da energia contida num fotão fica igual ao comprimento de onda do fotão.

Pelo que sugiro anotar-se que, na singularidade:
Eγ sing= Pl

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