O extraordinário logaritmo!

Nós que sempre vivemos em contacto com calculadoras de bolso e/ou computadores temos dificuldade em reconhecer a revolução que estas tecnologias trouxeram consigo. Mais difícil ainda é compreender a importância que as tecnologias anteriores tiveram. O computador está para o século XX como o logaritmo está para o século XVII! Tal como o computador, o logaritmo trouxe facilidade e rapidez de cálculo, o que por sua vez teve consequências enormes em todas as ciências e engenharias. Neste artigo vamos conhecer melhor o logaritmo.

O logaritmo é a operação inversa da potência. Um número ‘b’ com potência ‘c’ é igual a ‘b’ multiplicado consigo próprio ‘c’ vezes. Por exemplo, se c=3, então b com potência de 3 é igual a bxbxb. Na equação de cima, definimos ‘a’ como sendo o resultado de ‘b’ com potência de ‘c’. Finalmente, o logaritmo de base ‘b’ de ‘a’ é igual a ‘c’. Isto é, o logaritmo de base ‘b’ de ‘a’ significa que queremos encontrar o expoente ‘c’ que faz com que b^c seja igual a ‘a’. Por exemplo, o logaritmo de base 10 de 1000 é igual a 3, porque 10^3 = 1000. Por definição, o logaritmo de base ‘b’ de uma potência de base ‘b’ e expoente ‘c’ é igual ao próprio expoente ‘c’. Isto é:

\log_b(b^c)=c

A importância dos logaritmos reside nas suas propriedades. Através delas, uma multiplicação pode ser transformada numa soma, enquanto que uma divisão pode ser transformada numa subtracção! Sim, eu sei: com uma calculadora a dificuldade de fazer uma soma é igual à dificuldade de fazer uma multiplicação, só temos que pressionar um botão diferente. Recordemos, porém, que a calculadora é um privilégio recente da humanidade. Recordemos também o trabalho que uma enorme multiplicação pode dar em comparação com uma adição! Experimente multiplicar 105413504 com 20661046784 sem usar uma calculadora. O método é “fácil”, mas o processo exige bastante trabalho manual! Em comparação, uma soma seria bastante mais rápida, mesmo que os números envolvidos fossem enormes.

Porque é que alguém haveria de ter que lidar com multiplicações de números tão grandes?! No século XVII, a exploração marítima era um dos principais impulsionadores da economia europeia, a qual dependia de instrumentos como o astrolábio naútico. Por sua vez, para interpretar as medições destes instrumentos era preciso recorrer à trigonometria e fazer muitas multiplicações… A velocidade de cálculo era importante porque se o desfasamento entre o momento em que a medição era feita e o momento em que o resultado do cálculo era obtido fosse grande, estar-se-ia a tomar decisões com base em informação desactualizada. Perder o rumo do navio poderia ser uma questão de vida ou de morte. A “solução” surge em 1614, quando o matemático escocês John Napier (1550-1617) publica a sua invenção/descoberta no livro “Uma Descrição da Maravilhosa Regra dos Logaritmos”.

Em que consiste então a “transformação” de multiplicações em somas? Trata-se da aplicação da seguinte propriedade dos logaritmos:

\log_b(x\times y) = \log_b(x)+\log_b(y)

Da mesma forma, a divisão pode ser “transformada” numa subtracção:

\log_b(x/y) = \log_b(x)-\log_b(y)

Estas propriedades são consequência directa das propriedades das potências de igual base. Para o constatarmos, consideremos um exemplo:

\log_2(8\times16)=\log_2(8)+\log_2(16)

Para resolver o lado esquerdo da equação podemos reconhecer que 8 e 16 são duas potências de 2:

\log_2(8\times16)=\log_2(2^3\times 2^4)

Como as duas potências têm a mesma base, sabemos que a sua multiplicação é igual à base com expoente igual à soma dos expoentes:

\log_2(2^3\times 2^4)=\log_2(2^{3+4})=3+4=7

Usámos aqui a propriedade inicial dos logaritmos: o logaritmo de base ‘b’ de uma potência de base ‘b’ é igual ao seu expoente por definição.

Da mesma forma, se resolvermos o lado direito da equação de cima, vemos que estamos a usar as mesmas operações, apenas numa ordem diferente:

\log_2(8)+\log_2(16)=\log_2(2^3)+\log_2(2^4)=3+4=7

Na sua essência, esta propriedade do logaritmo “força” que a base das potências seja a mesma, de tal modo que possamos usar a soma de expoentes.

Como a propriedade de interesse dos logaritmos é uma consequência da propriedade das potências, convém verificar porque é que quando multiplicamos duas potências de igual base é-nos “permitido” somar os expoentes:

x^a\times x^b = x^{a+b}

Para compreender esta propriedade basta pensar na definição de potência. Se x^c é igual a x a multiplicar por si próprio ‘c’ vezes, então, se definirmos ‘c’ como sendo a soma de dois números ‘a’ e ‘b’, verificamos que temos que multiplicar x um número ‘a’ de vezes mais um número ‘b’ de vezes para que o resultado da potência seja o mesmo que o de x^c.

x^c = x^{a+b}=(x^a)\times(x^b)

A relação da divisão com a subtracção usando o logaritmo é em tudo equivalente a esta.

Assim, quando um navegador queria multiplicar dois números, primeiro encontrava o logaritmo de cada um deles, somava os valores dos logaritmos e de seguida procurava o número cujo logaritmo dava aquela soma. Este número era o resultado da multiplicação. Este procedimento pode parecer um pouco complicado, pois parece requerer conhecer muitos logaritmos e potências… O que se fazia na altura era consultar tabelas de números com imensos logaritmos conhecidos.

Para acelerar o processo de consulta de logaritmos, o matemático inglês William Oughtred (1574-1660) inventou a régua de cálculo, a qual usava escalas logarítmicas adjacentes entre si, de forma que quando se somava as distâncias em duas escalas, estava-se efectivamente a encontrar o resultado da multiplicação. Estas réguas mantiveram-se populares até meados do século XX!

Régua de cálculo. A régua tem diferentes escalas para fazer diferentes operações entre pares de escalas. Existem réguas capazes de fazer não só somas e subtracções de logaritmos, como também raízes, potências, exponenciais e trigonometria!

Em todos estes cálculos, com ou sem régua, era habitual recorrer a aproximações, pois bastava a estimativa ser mais ou menos correcta para ser útil. Mais metro, menos metro, o barco chegaria são e salvo ao seu destino.

Os logaritmos têm outras duas propriedades também úteis na simplificação de operações, neste caso de potências e raízes:

\log_b(a^c)=c\log_b(a)

\log_b(\sqrt[c]{a})=\frac{1}{c}\log_b(a)

Neste caso, trata-se de “transformar” uma potência numa multiplicação e uma raíz numa divisão.

Dada a sua utilidade prática, os logaritmos propagaram-se de forma bastante rápida por toda a Europa. O eminente astrónomo e matemático Johannes Kepler (1571-1630) foi um dos cientistas que não só beneficiou do uso dos logaritmos, como também contribuiu para alguns avanços na Matemática envolvida.

Hoje encontramos escalas logarítmicas em vários tipos de medidas. Por exemplo, a escala de Richter mede a intensidade de sismos numa escala logarítmica de base 10. Isto significa que um sismo de intensidade 7 é 100 vezes mais poderoso que um sismo de intensidade 5, porque o logaritmo de base 10 da diferença entre intensidades, 7-5=2, é igual a 100. Por cada unidade temos um novo factor de 10. O mesmo acontece na escala decibel que mede a intensidade do som, onde a escala também é logarítmica com base 10.

“Aprendi um método mais fácil para multiplicar números grandes! Procuras o logaritmo de cada um dos números nesta tabela e depois basta somá-los!” – “Como é que isso é MAIS FÁCIL?”
Sim, hoje em dia é mais fácil usar uma calculadora.

Bibliografia:

Pickover, C. A. (2009). The math book: from Pythagoras to the 57th dimension, 250 milestones in the history of mathematics. Sterling Publishing Company, Inc.

Kasner, E., & Newman, J. R. (2001). Mathematics and the Imagination. Courier Corporation.

Logarithms and Exponents: Study Hall Algebra #7: ASU + Crash Course

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