Ressonância estocástica e estrutura modular para detecção de sinais em redes neuronais

Dando seguimento ao artigo do mês passado, no qual vos falei um pouco sobre a minha investigação durante o meu doutoramento, neste artigo vou abordar um outro artigo científico que publiquei nessa altura, 2014: “Noise-enhanced nonlinear response and the role of modular structure for signal detection in neuronal networks” que em português significa “Resposta não-linear amplificada por ruído e o papel da estrutura modular na detecção de sinal em redes neuronais”. O artigo foi publicado em co-autoria com KyoungEun LeeJosé F. F. Mendes e Alexander Goltsev na revista científica Physical Review E, uma revista com revisão por pares. Comecemos por compreender o título!

 

O que significa o título?

Começando pelo fim: tratou-se de um estudo sobre “redes neuronais”, isto é, sobre o comportamento dinâmico de grupos de neurónios (ver mais sobre redes neuronais no artigo do mês passado). Em particular, focámo-nos na “detecção de sinal”. O cérebro humano é composto por redes neuronais, as quais, entre outras coisas, têm de fazer “processamento” de sinais. O mundo é perceptível através dos nossos sentidos, os quais transmitem ao cérebro sinais representativos dos sinais luminosos, sonoros, tácteis, etc. que são recebidos pelos nossos olhos, ouvidos, sensores tácteis na pele, etc.; por sua vez, o cérebro tem de fazer “algo” para que o sinal recebido resulte numa percepção consciente desse sinal. Um problema importante a considerar no “processamento” está em compreender a forma como o cérebro (isto é, as redes neuronais) consegue distinguir de forma fiável um sinal por entre ruído. O ruído em causa pode ser tanto interno como externo, sendo que o seu efeito é o de deturpar a qualidade do sinal recebido. O ruído “interno” provém do facto dos “sensores” que temos no nosso corpo, assim como os “cabos de transmissão” (nervos) que conduzem os sinais dos “sensores” até ao cérebro, não serem perfeitos. O ruído “externo” refere-se a processos externos ao nosso corpo que possam corromper a qualidade dos sinais que são sentidos. Neste artigo tentámos compreender de que forma é que as redes neuronais conseguem detectar os sinais recebidos, não obstante a presença do ruído interno.

Os outros conceitos presentes no título referem-se à forma como, neste artigo, sugerimos que as redes neuronais possam “resolver” o problema. Por um lado, podem usar o próprio ruído para amplificar o sinal recebido (!) através do processo de ressonância estocástica (a tal “resposta não-linear”). Por outro, podem organizar-se numa estrutura modular para que a redundância de processamento reduza a probabilidade de perdas no sinal. O nosso modelo matemático sugere que ambas as estratégias são necessárias a uma detecção de sinal fiável.

Como já aqui falei de ressonância estocástica refiro apenas que se trata de um fenómeno através do qual é possível usar-se ruído para (de certa forma) melhorar a qualidade do sinal recebido! De um ponto de vista evolutivo faz sentido que o ruído interno não seja necessariamente uma “força destruidora”. Os sistemas biológicos evoluíram ao longo de milhões de anos para conseguirem detectar sinais e tiveram que o fazer na presença de imperfeições inevitáveis. Assim, é de certa forma expectável (ou compreensível) que a detecção de sinal seja feita usando o próprio ruído interno como parte necessária dessa própria detecção. (Em contraste, em sistemas criados pelo Homem é habitual tentar criar-se condições que reduzam o ruído. Recentemente, a Engenharia tem tentado imitar a natureza e por isso já se exploram opções em que ao invés de isolar os sistemas do ruído, se tenta antes usar o ruído para o bom funcionamento dos sistemas.)

Finalmente, a estrutura modular refere-se à forma como as redes neuronais se podem organizar: em módulos. Neste contexto, um “módulo neuronal” é como que uma subrede, isto é, um conjunto de neurónios que tem uma dinâmica quase independente de outros conjuntos de neurónios. Por outras palavras, uma estrutura modular é uma forma de organizar os neurónios de tal forma que se tenham vários conjuntos mais ou menos independentes de neurónios. A imagem inicial deste artigo representa uma rede com três módulos. Note-se que existem ligações entre módulos, mas que estas se apresentam em menor número que as ligações dentro dos módulos. Uma estrutura deste género permite que cada módulo “processe” um mesmo sinal recebido de forma independente. Trata-se de um processo redundante porque cada módulo parece estar a fazer o mesmo “trabalho” que os outros. O que sugerimos é que esta redundância pode ser útil caso o “funcionamento” de cada módulo seja imperfeito (como é expectável que seja). Somando a resposta de vários módulos é possível ultrapassar as imperfeições individuais e obter uma boa representação do sinal recebido.

 

O que é que fizemos?

Neste artigo estudámos o mesmo modelo de dinâmica de redes neuronais descrito no artigo do mês passado. Ao estudá-lo encontrámos uma região de parâmetros que permitiam à rede neuronal “usar” o fenómeno de ressonância estocástica. Como o fenómeno já houvera sido observado experimentalmente (com redes neuronais reais), decidimos implementar a experiência no nosso modelo para recriar os resultados e mostrar que o nosso modelo matemático permitia explicar o que houvera sido observado. Além disso, constatámos que a ressonância estocástica permitia a uma rede neuronal detectar um sinal, mas que o processo era imperfeito: havia perda de parte do sinal. O nosso passo seguinte foi o de tentar identificar uma possível solução através da qual a rede neuronal pudesse recuperar a totalidade do sinal. A ideia que tivemos foi a de implementar uma forma de redundância (que é aliás uma solução comum em engenharia de transmissão de sinais): a estrutura modular. No artigo mostrámos que uma rede com apenas quatro módulos conseguia aumentar a fiabilidade de detecção de sinal de 71% (sem módulos) para 99%.

Assim, este artigo foi como que uma prova de conceito de como a ressonância estocástica aliada à estrutura modular podem ser as formas através das quais os sistemas sensoriais podem conseguir fazer uma transmissão e processamento fiáveis de sinais. Como disse, a ressonância estocástica já houvera sido observada em redes neuronais reais; além disso, também é bem conhecido que as redes neuronais se organizam em módulos. A nossa contribuição foi de mostrar que essas duas observações podem ter um propósito conjunto na detecção de sinais no cérebro.

 

 

Desde que foi publicado, o artigo foi citado 11 vezes até agora (de acordo com o Google Scholar).

Para os mais interessados, aqui fica o artigo original:

Lopes, M. A., Lee, K. E., Goltsev, A. V., & Mendes, J. F. F. (2014). Noise-enhanced nonlinear response and the role of modular structure for signal detection in neuronal networks. Physical Review E90(5), 052709.

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