Astrônomos descobrem uma nova classe de supernovas já prevista por físicos teóricos

Impressão artística de um sistema estelar 'tipo AM-CVn', onde o Hélio flui de uma estrela para outra, empilhando-se como uma concha que pode explodir como uma supernova '.Ia'. Crédito: Tony Piro

Impressão artística de um sistema estelar ‘tipo AM-CVn’, onde o Hélio flui de uma estrela para outra, empilhando-se como uma concha que pode explodir como uma supernova ‘.Ia’. Crédito: Tony Piro

Uma equipe de astrônomos julga ter encontrado uma nova classe de supernovas rápidas ao revisar os dados da supernova 2002bj, descoberta há sete anos. Até agora se pensava que as supernovas procediam de explosões de anãs brancas ou de estrelas massivas que colapsam, mas este terceiro tipo parece desenvolver-se rapidamente a partir de um sistema binário de anãs brancas, no qual o Hélio da anã branca mais leve é puxado para fora pelas forças de maré e acumula-se na anã branca mais massiva.

Um rápido ciclo de vida

O redescobrimento excepcional desta supernova incomum a partir de dados existentes há sete anos passa a ser o primeiro exemplo de uma nova classe de supernovas com rápido ciclo de crescimento e morte. Este raro fenômeno pode ter sido causado pela presença de explosões de Hélio na superfície das anãs brancas (remanescentes estelares de estrelas com massa menor que 9 a 10 vezes a massa do Sol), segundo um estudo publicado na revista Science. Os astrônomos escreveram no abstract do artigo da Science:

As análises das supernovas (SNe) têm revelado dois tipos principais de objetos progenitores: estrelas massivas e anãs brancas. Aqui nós apresentamos a SN 2002bj, que se destaca como uma forma distinta de qualquer supernova já relatada até hoje. Sua cursa de luminosidade cresce e decresce muito rapidamente, embora atinja um pico de brilho intrínseco com magnitude -18. Um espectro da SN 2002bj obtido 7 dias após a sua descoberta mostra a presença do Hélio e elementos de massa intermediária (Vanádio e Titânio), mas não apresenta Hidrogênio e Ferro. O espectro da SN 2002bj se assemelha toscamente com o da supernova tipo Ia, com a adição de carbono e hélio. Suas propriedades sugerem que a SN 2002bj pode ser um representante de uma classe de progenitores que antes apenas teorizada: uma detonação de Hélio em uma anã branca, ejetando uma pequena camada de material. Novas pesquisas deverão achar mais destes objetos, apesar da sua raridade.

No trabalho, liderado pelo astrônomo Dovi Poznanski da Universidade de Califórnia em Berkeley e do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley (EUA), se descreve o fenômeno, batizada com o nome de Supernova 2002bj ou simplesmente SN 2002bj e os autores argumentam as razões pelas quais julgam se tratar de uma classe nova de supernovas.

“É a supernova de evolução mais rápida jamais vimos”, exclama Poznanski, que explica: “Sua velocidade [de desenvolvimento] foi três ou quatro vezes superior a do ciclo de vida de uma supernova típica ao encerrar a explosão e desaparecer em questão de apenas 20 dias”.

magem em cores falsas de SN2002bj, por cima da sua galáxia-mãe, NGC 1812. Crédito: D. Poznanski, W. Li e A.V. Filippenko

Imagem em cor falsa da supernova SN 2002bj, que aparece na frente de sua galáxia-mãe, NGC 1821. Uma equipe de astrônomos julga ter encontrado uma nova classe de explosões estelares ao revisar os dados da supernova 2002bj, descoberta há sete anos. Até agora se pensava que as supernovas procediam de explosões de anãs brancas o de estrelas massivas que colapsam, mas o terceiro tipo parece desenvolver-se rapidamente a partir de um sistema binário de estrelas, no que o Hélio circula de uma anã branca a outra produzindo explosões termonucleares. Crédito: D. Poznanski, W. Li e A.V. Filippenko

A estrela em causa, denominada SN2002bj, foi observada há 7 anos na galáxia NGC 1821 por astrônomos amadores, mas foi erradamente classificada como uma supernova Tipo II. Mas a SN2002bj teve uma assinatura diferente de todas as outras variações conhecidas neste tipo de supernova. Em particular, aumentou e diminuiu de brilho em menos de 27 dias, tendo em conta que a maioria das supernovas aumentam e diminuem de brilho ao longo de três a quatro meses.

Segundo os astrônomos, este rápido decaimento em seu brilho, a forte assinatura do Hélio no espectro da explosão, ausência de Hidrogênio e a possível presença de Vanádio (Vanádio é um elemento nunca antes detectado no espectro de uma supernova) apontam para a possibilidade de detonações de Hélio na anã branca.

“Acreditamos que poderia se tratar de um novo mecanismo de explosão física mais do que uma mera variação dos mecanismos que já conhecemos”, declarou o professor PHD de astronomia da Universidade de Califórnia em Berkeley, Alex Filippenko. “Esta supernova difere qualitativamente do fenômeno de evolução de uma anã branca, conhecida como supernova de tipo Ia, e da supernova com colapso do núcleo de ferro e emissão dos materiais externos, denominada ‘supernova de colapso de núcleo’ (que ocorre apenas em estrelas muito massivas)”.

Uma “nova besta cósmica”

O professor adjunto de astronomia da Universidade de Califórnia em Berkeley, Joshua Bloom, também considera a SN 2002bj uma “nova besta” muito diferente das duas classes conhecidas de supernovas.

“Temos detectado grandes diferenças em estes dois mecanismos principais de supernova, mas até dentro dessa diversidade, existe uma margem limitada de variação das características espectrais e a medida que as pesquisas se desenvolvem ao longo do tempo, este objeto (SN 2002bj) sairá dessa margem”, declara Bloom.

Imagem de uma aula do professor Alex Filippenko foi eleito professor do ano pelo CASE em 2006

Imagem de uma aula do professor Alex Filippenko que foi eleito professor do ano pelo CASE em 2006. Alex é atualmente conhecido com um famoso ‘caçador de supernovas’. Ele aparece em diversos espisódios da série “Universo” do History Channel.

A supernova SN 2002bj foi detectada em 2002 na galáxia NGC 1821, na constelação de Lepus, pelo telescópio de imagens automáticas Katzman (KAIT) do astrofísico Alex Filippenko no Observatório Lick próximo a São José (Estados Unidos), e também foi observada por vários astrônomos aficionados. Devido a uma série de infortúnios, a comunidade de astrônomos classificou este objeto erroneamente como uma supernova comum do tipo II e a arquivou.

Em junho de 2009, Poznanski encontrou casualmente o espectro da SN 2002bj quando buscava por supernovas de tipo II como indicadores de distância para confirmar a velocidade de expansão do Universo. Ao estudar detidamente um espectro de alta qualidade da SN 2002bj, concluiu de que não se tratava de uma supernova de tipo II, absolutamente, mas sim de uma classe rara mais parecida a das supernovas tipo Ia.

Descoberta entre dados antigos

O espectro da SN 2002bj havia sido captado por Alex Filippenko e Douglas Leonard com o telescópio Keck I sete dias depois do seu descobrimento em 2002. Na ocasião Leonard era estudante de pós-graduação da Universidade de Califórnia em Berkeley e hoje ocupa o cargo de professor adjunto de astronomia da Universidade Estatal de São Diego. Leonard reconhece que sua classificação foi um erro, mas é compreensível dadas as condições dos dados. Nunca uma nova leitura de dados antigos foi tão frutífera.

Ao analisar as imagens de seguimento tomadas pelo KAIT, Poznanski e o estudante de pós-graduação da Universidade de Califórnia em Berkeley Mohan Ganeshalingam, descobriram que o brilho da SN 2002bj esmaecia tão rapidamente que a supernova desapareceu apenas 20 dias depois de seu descobrimento. Uma imagem de essa área do céu tomada sete dias antes não mostrava nenhuma supernova, o que queira dizer que havia brilhado e havia desaparecido na escuridão em menos de 27 dias, enquanto normalmente, a maioria das supernovas o fazem durante três o quatro meses.

Depois de analisar milhares de espectros de supernovas, Poznanski e o estudante de pós-graduado Ryan Chornock, hoje membro pós-doutorado na Universidade de Harvard, não puderam encontrar nenhum com semelhante e tão estranha composição, mas se depararam com uma teoria sobre supernovas rápidas, quase invisíveis, que parecia sevencaixar.

A teoria, formulada por Lars Bildsten e seu equipe (Bildsten é professor de física no Instituto Kavli de Física Teórica da Universidade de Califórnia em Santa Barbara), propõe a existência de sistemas binários tais como ‘AM Canum Venaticorum’ (AM CVn). Um sistema tipo AM CVn é composto por duas anãs brancas ou por uma anã branca e uma estrela doadora gigante, uma das quais está formada principalmente por Hélio, o qual é atraído lentamente por ação da gravidade até sua companheira anã branca.

Em um estudo publicado em 2007 na revista Astrophysical Journal Letters, Bildsten e colaboradores sugeriram que nos sistemas tipo AM CVn, quando se acumula suficiente Hélio na superfície da primeira anã branca, se produz uma explosão capaz de “criar uma supernova termonuclear quase invisível [pouco brilho] e de crescimento rápido (poucos dias)”.

A supernova “.1a” (ponto-1-a)

Christopher Stubbs, chefe do Departamento de Física da Universidade de Harvard, batizou a explosão com o sugestivo nome de supernova “.1a” (ponto-um-A), aludindo ao fato que seu brilho equivale a um décimo do brilho total de uma supernova tipo Ia.

Filippenko observou que esta explosão não se parece em nada a de uma supernova normal de tipo Ia porque a anã branca sobrevive a detonação da capa de Hélio. De feito, esta explosão tem elementos em comum tanto com as ‘novas‘ como com as supernovas. As novas nascem quando sobre uma estrela cai matéria, principalmente Hidrogênio, que se acumula formando uma capa exterior que pode explodir em breves explosões termonucleares. A SN 2002bj é assim uma supernova que gera quase mil vezes mais energia que uma ‘nova‘ normal, declara Filipenko.

Assim, se explodisse como uma supernova produziria elementos pesados como o cromo, que se descompõe em Vanádio e logo em Titânio. Por isto é previsível a presença de linhas de absorção de Vanádio, assegura Poznanski.

Filippenko adicionou que os últimos anos tem “produzido uma enorme quantidade de supernovas insólitas”. “Muitos de nós que levamos décadas estudando supernovas estamos surpreendidos com a enorme afluência e a grande qualidade dos dados que estão chegando ultimamente e que nos mostram a existência de outras interessantes subclasses e até inéditas e raras classes físicas de supernovas”, declara o pesquisador.

“Isso me dá água na boca só em pensar o que mais podemos encontrar ali fora, graças a estas grandes pesquisas capazes de rastrear todo o céu, tais como Palomar Transient Factory, Dark Energy Survey (Rastreamento da matéria escura) e Large Synoptic Survey Telescope (Grande telescópio de rastreamento sinóptico). KAIT já descobriu cerca de 800 supernovas, mas estes novos projetos já observaram a luz de centenas de milhares de supernovas”.

Poznanski também espera que a pesquisa corrente Palomar Transient Factory, que utiliza uma câmara de campo amplo para rastrear novos objetos no céu a cada dia, sirva para encontrar mais supernovas como a SN 2002bj. O pesquisa é um projeto dirigido por Shri Kulkarni, professor de astronomia do Instituto Tecnológico de Califórnia (Caltech), no qual participam muitos dos co-autores deste estudo publicado na revista Science, incluindo também Peter Nugent, co-diretor do Centro de Cosmologia Computacional do LBNL, que lidera a caça de estrelas fugazes.

“O pesquisa Palomar Transient Factory revelará muitos objetos raros, como a SN 2002bj, rastreando enormes áreas do céu e não se limitará a as grandes, brilhantes e galáxias mais próximas”, adianta Poznanski.

Fontes e referências

  1. SINC: Descobriram una nova e rápida classe de supernova
  2. Universidade da Califórnia em Santa Barbara: New Type of Supernova Explosion Reported; Predicted by Theoretical Physicists at UCSB
  3. Science: An Unusually Fast-Evolving Supernova
  4. Universe Today: Found: Theoretical Supernova Actually Exists por Nancy Atkinson
  5. Space.com: New Type of Supernova Discovered por Andrea Thompson
  6. Cosmos Magazine: New type of supernova lacks “oomph” por Heather Catchpole
  7. Eternos Aprendizes: O amanhecer no planeta alienígena antes da Nova cataclísmica

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