Tremor em Marte aumenta a probabilidade de vida marciana ?

Astrónomos, ao estudarem fotos recentes tiradas pela sonda Mars Reconnaissance Orbiter, perceberam que pedras de 2 a 20 metros de diâmetro movimentaram-se bastante na chamada Fossa Cerberus (uma pequena pedra movimentou-se num raio de 100 kms).
Se isto fosse no nosso planeta, provavelmente seria devido a um terramoto de 7 graus na escala de Richter (similar ao que aconteceu no Haiti), até porque as ondas a partir do suposto epicentro assim o parecem dizer.
Assim, os mesmos astrónomos especulam que o mesmo se deve ter dado em Marte. Deve ter havido um Martemoto – Marsquake, em vez de Terramoto.

Esse Martemoto pode ter tido a causa em movimentos de magma sob a superfície Marciana.
Note-se que isto é já a 2ª especulação científica. Tem lógica, mas não se tem certezas. E quando são especulações subsequentes, a probabilidade de se acertar é menor. Ou seja, só se a 1ª for acertada, então poderá haver a hipótese (ou não) da 2ª ser certa.

Se a 1ª especulação estiver certa, e se a 2ª especulação estiver certa, então a 3ª especulação é que poderão até existir ainda vulcões activos em Marte.

E se a 1ª especulação estiver certa, e se a 2ª especulação estiver certa, e se 3ª especulação estiver certa, então a 4ª especulação é que estes tremores e quiçá vulcões activos (que ninguém viu) darão algum calor momentâneo no subsolo que derreterá algum gelo e torná-lo em água.

E se a 1ª especulação estiver certa, e se a 2ª especulação estiver certa, e se 3ª especulação estiver certa, e se a 4ª especulação da água estiver certa, então a 5ª especulação subsequente é nesses sítios com pouca água poderá haver vida primitiva (até fósseis em sítios onde havia bolsas de água momentânea).

Percebem a quantidade de especulação que existe?
A vida, no final, é uma forma de marketing, para “vender” a notícia. O que interessa mesmo estudar, e que os cientistas estão a fazer, é a geologia do planeta. E como me dizia um geólogo planetário meu amigo, especialista em Marte: “Marte é já tão bonito e tão interessante sem falarem em vida”.

Mas o que pensam que a comunicação social faz?
Não só sites pseudos em português, mas até sites ditos científicos em português, dão logo relevância à vida em título (eu também dei, em forma de pergunta, como resposta a eles, claro).
Isto são patamares extremos, saltos extremos, de puro marketing.
Só porque a ideia da Terra Rara discute terramotos como uma das características que tem que haver num planeta para a vida se originar, então há quem fantasiosamente faça logo o salto de pensar que esta notícia é sobre vida! Enfim…
Esse tipo de marketing claro que dá mais visitantes, mas é pena é que as pessoas caiam logo neste “marketing extraterrestre”, que cada vez se vê mais nos mais diversos aspectos.

Os websites internacionais que li, são muito mais sóbrios nos seus títulos: aqui, aqui, aqui, aqui.

Já agora, lembram-se dos Gullies, que se pensava serem devido a água no subsolo e pensou-se logo em vida? Pelos vistos, cada vez leio mais sobre não ter nada a ver com água.

Por fim, convido-vos a lerem o artigo científico sobre esta notícia.
Só na última frase do artigo (antes da conclusão que só fala de geologia), que tem 17 páginas, eles falam em vida: “Active volcanism would provide energy in the form of heat that might meltwater ice, satisfying criterion for habitats for life; it is this link between life, volcanism and active faulting that makes the boulder data we have collected so intriguing.” Esta frase ocupa 4 linhas em 122 linhas dessa página, e essa página é 1 em 17. Como se percebe, o artigo científico não é sobre isso.
E que digo eu sobre essa frase? Claro que essa relação pode existir, após todas as especulações científicas anteriores, e percebe-se que eles puseram essa frase no final, para financiamento. Claro que para haver dinheiro para estas investigações, é mais fácil dizer que existem relações à vida, do que dizer somente que vamos estudar pedras. Isto é normal. A geologia, infelizmente, não é bem compreendida ainda, e as pessoas têm mais dificuldade em dar dinheiro para se estudar pedras do que estudar vida.
É pena que as pessoas não percebam isso e imaginem logo vida Marciana… 🙁

Há um outro factor aqui, chamado “further research”.
Nos artigos científicos normalmente os cientistas estão cientes das limitações dos seus estudos, e por isso até extrapolam para âmbitos que não têm a ver com o seu estudo mas podem ser interessantes para outros cientistas. Assim, no final depreendem que as pessoas vão perceber que passaram dezenas de páginas noutro assunto, mas escrevem algo deste género: “Apesar do nosso estudo não ser sobre isso, a verdade é que outros cientistas podem fazer outros estudos e ligar o nosso estudo à matéria Y, fazendo uma investigação àparte.”
Deixem-me dar um exemplo concreto do dia-a-dia: o cientista A decide fazer um estudo sobre sandes de fiambre. Para isso, estuda sabor, textura, elementos, etc, tanto de diferentes tipos de pão, como diferentes formas de fiambre (uns com mel, outros sem mel, etc), e junta os dois componentes numa investigação séria sobre essas sandes. O artigo tem dezenas de páginas a explicar o procedimento da investigação sobre sandes de fiambre. No final, numa linha, diz que apesar do estudo não ser sobre queijo, a verdade é que pode haver vantagens em outros cientistas que gostem de queijo fazerem uma investigação sobre sandes de queijo, e nessa investigação até usarem dados desta investigação de sandes de fiambre – pelo menos têm o pão em comum.
Ou seja, esta investigação é sobre sandes de fiambre, nunca de queijo.
Agora imaginem que alguns jornais andassem a divulgar esta investigação sobre sandes de fiambre com o título: “Sandes de queijo podem ser muito saborosas”. Acham que os leitores estariam a ser enganados? Eu acho que sim, porque a investigação nada tem a ver com queijo.
O mesmo se passa neste caso: a investigação foi sobre geologia marciana. Nada teve a ver com vida. Colocar em título, relevando ao máximo, que esta investigação é sobre vida, é um disparate e é mentir aos leitores.

Crédito: Roberts et al. / AGU / HiRISE / NASA

5 comentários

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    • Renato Romão on 28/02/2012 at 20:37
    • Responder

    “O mesmo se passa neste caso: a investigação foi sobre geologia marciana. Nada teve a ver com vida. Colocar em título, relevando ao máximo, que esta investigação é sobre vida, é um disparate e é mentir aos leitores.” NEM MAIS!!!

    É como uma noticia do género (ALERTA! TEMPESTADE DE AREIA EM MARTE), mas… mora lá alguem (humano) para existir um alerta?!? 😉

    Carlos, porque não propor à comunicação social um “filtro” de informação, ou seja, o jornal Expresso tem um “consultor” cientifico que revê o artigo antes de ser publicado. 😉

    É verdade que o tal jornal deixa de ter noticias sensionalistas, mas ganha na qualidade de informação e de certeza será uma referência cientifica e ganha um bom nicho de mercado!!!
    Obviamente já devem ter pensado nisso, mas uma intervenção da comunidade cientifica será cada vez mais urgente! (na minha opinião) 😉

    RAIOS, SEMPRE O DINHEIRO A SOBREPOR-SE Á RAZÃO!!!

  1. Penso que essas palavras como martemoto, amartagem, areologia ou mesmo alunagem, selenologia… não deveriam existir. É terramoto porque é no terreno (sólido) e é maremoto, porque é no mar. Se fosse em Kepler 22-b seria o quê? Um keplervintedoisbêmoto? As pessoas e até os cientistas andam a inventar palavras desnecessárias que, com o tempo, e contando que a exploração espacial avance muito, só vão complicar.

    Geologia – ciência que estuda as rochas, os terrenos, a litosfera… Não apenas da Terra mas de todos os mundos…
    Terramoto (eu gosto mais de sismo, para evitar estas confusões) – tremor de terra (não de Terra)

    Mas estas minhas observações não impedem que o artigo seja um excelente artigo. Parabéns mais uma vez!

  2. Típico caso em que a admiração maldosamente[?] se sobrepõe ao ceticismo, pois é :/

  3. Uma Tempestade Marciana não seria capaz de mover as pedras?!!!

    Abraços

  4. Carlos, fiz algumas correções no artigo “A Irracionalidade dos Pseudos”:

    http://www.astropt.org/2012/02/25/a-irracionalidade-dos-pseudos/comment-page-1/#comment-52856

    Abraços.

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