Possível vs. Provável

Uma das evidências de que estamos na presença de algo não muito confiável, e quiçá até pseudo de modo a vigarizar a audiência, é quando se especula com base em possibilidades.

Por exemplo, quando dizem a expressão “tudo é possível”. A verdade é que nem “tudo é possível” se estiver contra o conhecimento que se tem dos assuntos. Por exemplo, se alguém disser que a Terra é quadrada, isso não é verdade nem possível.
Por cada Einstein que revolucionou a física com ideias compatíveis com essa física, existiram milhares de pseudos que “ficaram pelo caminho”, que nunca foram conhecidos, porque tudo o que eles diziam está contra o conhecimento que se tem dos assuntos.
A ciência é, por definição, um acumular de conhecimento. O conhecimento anterior não se perde nem passa a ser mentira, só porque passa a haver mais conhecimento sobre esse assunto. Simplesmente acumula-se: sabe-se o que já se sabia e passa-se a saber mais para além disso.

Outro argumento que se vê, é a defesa do sensacionalismo das notícias. Exemplo: “Se há notícias alarmantes, então é porque são possíveis, por isso devemos partilhar por toda a gente”. Isto é uma ideia contrária ao conhecimento. Isto é somente para se criar confusão e medo nas pessoas, com o objectivo de marketing (porque se sabe que as pessoas se deixam levar por essas notícias). A verdade é que não se deve partilhar informação enganadora.

A estratégia dos pseudos é falar em possibilidades; já os cientistas, a racionalidade, o cepticismo, falam em probabilidades.

A pergunta que deve sempre ser feita é: isto é provável?
Não é se é possível…

Como eu expliquei neste post:

Será possível atravessarem uma parede de cimento? É, pela quântica.
Será provável? Não. Podemos estar milhares de anos a bater com a cabeça na parede e nunca a atravessar.

Será possível que foram unicórnios invisíveis voadores que me pararam o carro na auto-estrada? É.
Será provável? Não. Ao saber mais sobre o problema, percebo que me faltou a gasolina.

Será possível que o Sol seja somente um deus com uma lanterna? É.
Será provável? Não. Basta estudar o Sol e perceber como ele funciona naturalmente.

Será possível que um carro que venha direito a nós, passe por cima de nós, porque a gravidade deixa de funcionar para o carro? É.
Será provável? Não. Por isso é que dos milhares de cenários que poderiam acontecer, incluindo a gravidade deixar de existir e o carro começar a voar e passar-nos por cima, vamos à nossa experiência, aos padrões que vemos no dia-a-dia, e confiamos que o carro irá continuar na nossa direcção e bater-nos. Por isso, tomamos a decisão de fugir, com elevada confiança na hipótese de que se não o fizermos, morremos. É uma questão de probabilidades, nunca de possibilidades!

Será possível existir o Pai Natal? É.
Será provável que tenha sido ele a bater-me à porta há 5 minutos atrás? Não.
Faço a experiência, abro a porta, e vejo que é um vizinho meu. Assunto arrumado.

Um dos grande males actuais da educação científica é que as pessoas ficam pela 1ª pergunta, e imaginam que assim têm a resposta. Por isso, erram redondamente.


O nosso leitor Rui Costa, deixou este excelente comentário onde utilizou o exemplo da gravidade:

“Um exemplo muito simples: até agora, sempre que alguém largou um objeto (mais pesado que o ar) no ar, ele caiu em direção ao chão. Sempre. A partir deste conhecimento e de outras observações, cria-se uma expectativa: a de que esse fenómeno continue a repetir-se. E, efetivamente, sempre que alguém volta a largar algo, esse algo comporta-se como esperado.

Agora eu pergunto: será POSSÍVEL eu amanhã largar um martelo e ele ficar suspenso no ar? Será possível que amanhã a gravidade deixe de existir? A única resposta verdadeira é: “Sim, é possível.”. Aquilo que se pode afirmar é que até agora, a gravidade sempre actuou sobre os objectos largados no ar… até agora.

Se eu agora lhe perguntar: E é PROVÁVEL que isso aconteça? Aqui a resposta é “Não, não é provável… nem me ocorre nenhum cenário em que isso possa vir a acontecer”.

Esta é a diferença entre «possível» e «provável».”


Ou seja, em vez deste artigo a clarificar o pensamento científico, eu poderia escrever um artigo intitulado:

A Gravidade vai deixar de funcionar amanhã“.

Este é um evento possível. Não se pode ter a certeza que a gravidade irá funcionar. Porque em ciência, essas certezas não existem.
E como “não se sabe o que vai acontecer” (segundo os pseudos), então é possível que amanhã a gravidade deixe de funcionar. Por isso é melhor “alertar” a população para os riscos da gravidade deixar de funcionar, e até avisar a população para se preparar para esse possível evento (é isto que fazem, por exemplo, os vendedores de bunkers com as histórias de fim-do-mundo). Esta é a lógica pseudo. E é esta lógica que depois é partilhada por milhares de websites e páginas no Facebook.

Mas a verdade não é democrática (não depende de quantas pessoas a seguem), nem depende de sensacionalismos baseados em possibilidades.
É provável que a Gravidade deixe de funcionar amanhã? Não! Esta resposta diz-nos tudo sobre qual é a informação credível que deve ser disseminada.
É tão provável que a Gravidade funcione amanhã da mesma forma que hoje, que a ciência pode dizer que tem a certeza (devido à probabilidade ser 99.9999999999%) que a Gravidade vai funcionar amanhã.
É uma certeza baseada em probabilidades. A ciência sabe o que vai acontecer. Esta é a resposta do conhecimento.

Da mesma forma, poderia dar o exemplo recorrente dos unicórnios invisíveis voadores.
Será possível que existam unicórnios invisíveis voadores? É.
Será possível que sejam eles os responsáveis pelas tempestades solares? É.
Será possível que eles sejam responsáveis pelos terramotos na Terra? É.
Será então que deveremos “avisar” as pessoas sobre os possíveis problemas causados por esses unicórnios invisíveis voadores? Não!
Porquê?
É provável que existam unicórnios invisíveis voadores? Não.
Do que se sabe, não existem unicórnios voadores. Por isso, mediante todo o conhecimento que temos, temos a certeza que as possibilidades em cima são enganadoras e temos a certeza que esses problemas não são devidos a unicórnios invisíveis voadores.

Alarmar as pessoas com base em possibilidades opostas ao conhecimento probabilístico que se tem dos assuntos, é uma estratégia pseudo, uma estratégia de marketing, de quem não quer dar o conhecimento correcto à população.

Notem que nestas razões, existe uma excepção: quando é promovido o marketing de modo a chamar as pessoas, mas depois dizer-lhes claramente o que a ciência sabe, e dar o conhecimento probabilístico dos eventos.
Chamar as pessoas com sensacionalismos, para depois dizer-lhes a verdade do conhecimento dos assuntos, é uma excelente estratégia utilizada, por exemplo, por Carl Sagan (com extraterrestres), por Stephen Hawking (com Deus), por Phil Plait (com morte vinda dos céus), etc.
Esta é uma das grandes diferenças entre, por exemplo, um psíquico e um mágico. Um psíquico engana as pessoas sem admitir. Um mágico engana as pessoas mas elas sabem-no porque ele admite-o logo de entrada (“é tudo uma ilusão para divertir”).

A ciência pode chamar as pessoas com títulos ou notícias sensacionalistas, mas depois é-lhes dado o devido contexto. Ou seja, as pessoas apesar de serem chamadas pela forma pseudo, o propósito aberto da ciência é fazer com que essas pessoas que mais precisam de literacia funcional, fiquem com o conhecimento credível e verdadeiro sobre esses assuntos.

Já os pseudos sensacionalizam as notícias com base em possibilidades, por ignorância dos assuntos e/ou com propósito de enganarem a audiência.
Enquanto não houver provas ou evidências, que torne mais provável aquilo que nunca existiu ou que é muito improvável que exista, então não se pode dar credibilidade à notícia. É puro sensacionalismo.

Isto funciona para OVNIs, datas de “transformação de consciências”, falar com mortos, Nibiru, cometa Elenin bater na Terra, crenças em extraterrestres avançados, datas de fim-do-mundo, tempestades solares perigosas, dietas milagrosas, etc, etc, etc.

10 comentários

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  1. Alienígenas do passado.
    Idiotas do presente!

  2. Falo de via baseada nos mesmos elementos, mas totalmente nova em aspecto e até função. Imagine um animal completamente novo em formas, cores, inteligência, adaptado a um determinado ambiente. Não um mero híbrido de animais já existentes, se bem que pode haver inspiração neles.

    Imagine um exoplaneta sem vida, mas com condições muito favoráveis a tal. E então os nossos cientistas daqui a 500 anos decidem criar uma ou várias plantas adaptadas às condições desse mundo.

    Um cenário deste género.

    1. Certamente que a vida se baseia nas condições que tem. Por isso noutros mundos, a vida estará adaptada a esse mundo.

      Em laboratório, fazemos isso já actualmente, onde adaptamos aquilo que já temos ao que queremos.
      Para fazer “algo de raiz” totalmente novo, temos que primeiro definir o que é esse “totalmente novo”. Se eu criar um cavalo cor-de-rosa que voa, é algo totalmente novo ou é simplesmente um mero cavalo com uma cor diferente e que tem o poder do vôo?

      abraços

  3. Carlos,

    acha PROVÁVEL que se consiga criar vida totalmente nova em laboratório (animais ou plantas) dentro de algumas décadas ou centenas de anos? Como deve saber é um sonho antigo compreender o que é realmente a vida, e muitos cientistas estão dispostos a tentá-lo.

    1. Depende da definição de vida…

      O que é “vida totalmente nova”? Baseada noutros elementos?

    2. Já fizeram inteligência artificial além de alguns organismos simples, e há quem acredite que foi assim que criaram a AIDs, eu duvido muito disso, mas alguns acreditam.

      Mas se você se referir a outras coisas, então não faço a mínima ideia.

  4. Muitas coisa que hoje são prováveis eram apenas possíveis antigamente…outras até inimagináveis. Abraço.

  5. O que eles não entendem é que situações prováveis só se tornam factíveis com muito conhecimento,

    Não todas, claro, não tem sentido tornar factível a existência de um unicórnio, por exemplo.

    Conhecimento que detestam procurar ou saber, eles só vão até a informação surreal do “tudo é possivel”, equivocada, claro.

    Poderemos levitar um martelo algum dia, como? Amarrando-o a um cinto antigravidade. Existe? Não, para ter um operacional será preciso desvelar muito conhecimento, que não se tem hoje.

    Hoje não é possível atravessar paredes, mesmo que o espaço real ocupado pelos átomos que a compõem tenha mais espaço vazio que preenchido, então como faremos? Com conhecimento de como “afrouxarmos” as forças de coesão dos elementos da parede, então se buscarmos esse conhecimento e colocá-lo em prática sem que se “desmonte” a parede, poderemos atravessá-la, ou quem sabe só o suficiente para deixar passar a luz para vermos o que tem do outro lado.

    É possível levitar partículas de líquidos? Até há pouco tempo, não, mas agora podemos. Depois de muita pesquisa que desvelou conhecimento, esta instituição usa ultrassom para levitar gotas de drogas para desenvolver medicamentos:

    “Government Wizards Levitate Drugs With Ultrasonic Sound”

    http://www.popsci.com/science/article/2012-09/video-government-wizards-levitate-drugs-ultrasonic-sound

    Mas aí não tem graça para eles, não é? As mentes dos pseudos querem que aconteça a mágica do impossível, é mais fácil, não precisaria estudar, questionar, teorizar e colocar a mão na massa..

  6. Infelizmente o “senso comum” trata as duas palavras como sinônimos.

    1. Verdade!

      E a imagem do cara na matéria é boa, ele só fala merda (o cabeludo), quem inventou os hambúrgueres, OS ALIENÍGENAS, e ainda por cima ele fala empurrando o cabelo para cima, odeio completamente ele e o próprio programa dele, “Alienígenas do Passado”.

  1. […] entanto, como qualquer confirmação em ciência, não existe absoluta certeza (é esta certeza incerta que nos permite viver os dias de forma racional), até porque não se pode voltar a 1977 para refazer a experiência. Assim, como também é normal […]

  2. […] por que me diz que é improvável?” Mas essa é que é a maneira de se ser científico. Só é científico afirmar o que é mais e o que é menos provável e não estar sempre a provar o que é possível e impossível. Para concretizar melhor o meu […]

  3. […] E porquê? Em parte porque o conhecimento científico se baseia em probabilidades e não em possibilidades, como já foi explicado neste artigo. […]

  4. […] sabe, portanto podem ser […]

  5. […] – Será que realmente isto pode acontecer? Claro que sim! Mas a diferença entre o que é possível e o que é provável é uma “coisita de nada” que utilizamos todos os dias com 100% de sucesso e a que […]

  6. […] algumas ferramentas como a Navalha de Ockham. O resultado do pensamento científico entende-se como probabilístico. Poucas pessoas entendem isto, apesar de o utilizarem, inconscientemente, todos os dias e sempre […]

  7. […] Não gostei de algumas ideias pseudo que o filme promove, como por exemplo a ideia de que “anything is possible” ou a ideia de que podem existir realidades […]

  8. […] teoria. Lei vs. Teoria. Energias Desconhecidas. Química venenosa. Leitura a Frio. Quero Saber. Possível vs. Provável. Crença. Ciência Não Erra. Argumento da Ignorância. Profecias da Ciência. 7 Equações. […]

  9. […] 2ª opção é obviamente a mais provável, e daí que será a verdadeira. Como já expliquei neste post, a diferença entre aquilo que é possível e aquilo que é provável, é que quem fala em […]

  10. […] que é o caso mais misterioso a nível mundial, onde não se tem uma explicação cabal, apesar de provavelmente ter sido um pequeno objecto […]

  11. […] entanto, a ciência e o pensamento racional chegam às respostas através daquilo que é mais provável. E a configuração deste OVNI é familiar. É uma configuração já vista em centenas de outros […]

  12. […] pode ter uma certeza a 100%, porque essa não existe em previsões científicas, como foi explicado neste artigo, mas já se pode dizer que se tem uma elevada certeza de que realmente estamos na presença do […]

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