A Evolução por Seleção Natural

Evolution__Biologia

Uma das mais bem sucedidas explicações da ciência sobre a realidade está em como os organismos se diversificam. O que é particularmente curioso, uma vez que a vida é altamente complexa e, em muitas áreas relacionadas, sabemos muito pouco a respeito. Mas o desenvolvimento dos indivíduos, de sua geração à transmissão das características para os descendentes é um dos fenômenos mais bem documentados e descritos da ciência.

O grande triunfo da biologia até hoje é, creio, a teoria da evolução por seleção natural. Formulada por Charles Darwin, ela explica de forma ridiculamente simples e lógica por que nosso planeta possui uma variedade tão grande de formas de vida, além de sugerir que toda a vida existente hoje advém de um único ancestral em algum passado bastante remoto. Mas o que diz essa teoria, especificamente?

evolution_charles-darwinAntes de mais nada, é preciso definir os termos de forma correta. Embora o termo evolução seja comumente usado como sinônimo da teoria de Darwin, é importante dizer que evolução é, na verdade, a mudança das características de uma geração à outra em um organismo. Existe uma série de processos evolutivos que são estudados pela biologia, como adaptação, deriva genética, fluxo gênico, mutação, entre outros, cada um para explicar um aspecto da evolução. A seleção natural é um desses processos, que visa explicar a variação e a adaptação entre as espécies.

Dito isso, o que diz a teoria da evolução por seleção natural?

Todos os organismos vivos se reproduzem. Alguns de forma sexuada (como nós), outros de forma assexuada. Não importa o jeito, o que importa é que, na reprodução, uma geração geralmente nasce com uma mutação aleatória (um “defeito”, vamos dizer assim, embora esse não seja um termo muito justo). Esta mutação pode ser irrelevante, mas dependendo da mutação, pode dificultar a vida do organismo e fazer ele morrer mais cedo. Ou pode ser uma mutação benéfica, que faz o organismo se proteger melhor contra predadores, por exemplo.

Resumidamente, a seleção natural diz o seguinte: as mutações que prejudicam a sobrevivência do organismo no ambiente o fazem morrer cedo e este geralmente não deixa descendentes. Ou seja, a possibilidade de passar essa mutação para a próxima geração é muito pequena. Já quando uma mutação é benigna, ela ajuda na sobrevivência do indivíduo tempo suficiente para fazer ele se reproduzir, levando a mutação adiante para as próximas gerações. Quanto mais descendentes o organismo conseguir produzir “por causa” dessa mutação, mais ela vai se “espalhar” e ser disseminada nas gerações posteriores.

evolution_diversidadeA seleção natural é um processo de tentativa e erro da natureza elegantemente simples, que elimina os organismos pouco adaptados e mantém os que se adaptam melhor ao ambiente. É daí que vem a frase de Darwin sobre a “sobrevivência do mais apto”*. Como nosso planeta possui uma variedade ampla de ambientes radicalmente diferentes, não é a toa que a vida na Terra seja tão diversificada. Ou seja, todos os organismo vivos hoje (incluindo nós) são os seres bem-sucedidos no curso da história da seleção natural, no sentido de que melhor se adaptaram aos seus respectivos ambientes.**

Uma coisa muito importante que é preciso comentar sobre a seleção natural é que, como ela funciona na base da tentativa e erro, acaba sendo um processo absurdamente lento. Por essa razão, não é possível para o ser humano verificar a seleção natural “acontecendo” (muito embora ela esteja acontecendo o tempo inteiro), pelo menos não no sentido de ver um animal “se transformando” em outro; é possível apenas verificar os fósseis e as diferenças entre os organismos vivos e compará-los.

Atualmente, a genética também é uma das principais aliadas no estudo da seleção natural e da evolução. Graças a ela, fomos capazes de corroborar diversas especulações sobre a evolução e confirmar coisas como o fato de que todas as formas de vida existentes no planeta são parentes, e todas (dos seres humanos aos vírus) são descendentes de um organismo vivo, surgido há bilhões de anos atrás.

A Seleção Natural foi apresentada por Charles Darwin pela primeira vez em 1859 no livro “A Origem das Espécies”, e é na verdade um amadurecimento de suas pesquisas e de outras anteriores de Jean-Baptiste Lamarck (com sua ideia da transmutação das espécies) e Alfred Russel Wallace, que trabalhava numa teoria semelhante à de Darwin mais paralelamente, e que acabou contribuindo com o trabalho deste. Hoje, podemos dizer que existem diversos pontos da seleção natural que foram revisitados, e muitas lacunas já foram explicadas. Vale lembrar que a Origem das Espécies surgiu em uma era pré genética, e muitas confirmações só foram possíveis com análises em nível de DNA e de genes.***

Evolution_Richard-Dawkins-007Diversos foram os pesquisadores que continuaram aperfeiçoando a teoria de Darwin explicando detalhes da Origem das Espécies que Darwin não tinha como determinar na época. Um deles foi Richard Dawkins, cujo primeiro livro, O Gene Egoísta, nos anos 70, leva a seleção natural para o nível do gene, procurando explicar o mecanismo pelo qual as mutações passam de uma geração para outra. Além disso, Dawkins também trata, em O Fenótipo Estendido, de mutações que definem “comportamentos” de animais e que se estendem para “fora” do corpo (como o gene responsável por programar o joão de barro para “saber” fazer sua casa de barro, por exemplo).

De todas as teorias científicas, a evolução por seleção natural é talvez a mais sólida de todas, e a que melhor resistiu ao tempo até hoje. Sou suspeito para falar, mas acredito que quem se debruçar em conhecer melhor a teoria e ler suas obras principais dificilmente não vai ficar maravilhado com suas implicações para a vida humana – e por que não dizer, para a reflexão filosófica.

Fontes:
Soares, José Luis. Biologia. Editora Scipione.
Darwin, Charles. A Origem das Espécies. Editora Martin Claret, 2004.
Dawkins, Richard. O Gene Egoísta. Companhia das Letras, 2007.
Dawkins, Richard. A Magia da Realidade – Como sabemos o que é verdade. Companhia das Letras, 2012

 

*Por muito tempo essa frase foi erroneamente divulgada como a “sobrevivência do mais forte”, o que causava confusões sobre os verdadeiros mecanismos da seleção natural. Não é o mais forte que sobrevive (não necessariamente, pelo menos) e sim o que melhor se adapta ao ambiente.

** Interessante comentar que houve no curso da história diversas espécies e criaturas que nem sequer chegamos a conhecer por conta disso.

*** Esse é sempre um ponto interessante de se lembrar: a ciência nunca é estática, está sempre em movimento: A teoria de Darwin estabeleceu as bases da seleção natural, mas hoje ela é muito mais sólida graças às várias contribuições ao longo dos séculos. Embora seja essencialmente a mesma, a teoria foi e está sempre sendo constantemente aperfeiçoada.

12 comentários

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    • NAYRALINE SILVA MOREIRA on 16/12/2016 at 01:21
    • Responder

    Boa noite
    Parabéns Professor Rafael, amei seu texto, muito interessante!

    • Dinis Ribeiro on 17/03/2016 at 11:24
    • Responder

    Não é o mais forte que sobrevive (não necessariamente, pelo menos) e sim o que melhor se adapta ao ambiente.

    Sugestão:

    Super-Cooperators: Altruism, Evolution, and Why We Need Each Other to Succeed

    Martin Nowak, one of the world’s experts on evolution and game theory, working here with bestselling science writer Roger Highfield, turns an important aspect of evolutionary theory on its head to explain why cooperation, not competition, has always been the key to the evolution of complexity.

    In his first book written for a wide audience, this hugely influential scientist explains his cutting-edge research into the mysteries of cooperation, from the rise of multicellular life to Good Samaritans, and from cancer treatment to the success of large companies.

    With wit and clarity, and an eye to its huge implications, Nowak and Highfield make the case that cooperation, not competition, is the defining human trait.

    SuperCooperators will expand our understanding of evolution and provoke debate for years to come.

    http://www.amazon.com/SuperCooperators-Altruism-Evolution-Other-Succeed/dp/1451626630

    http://ped.fas.harvard.edu/

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Martin_Nowak

    https://en.wikipedia.org/wiki/Martin_Nowak

  1. Boa tarde! Sou estudante do curso de Ciências da natureza da Universidade do Vale do São Francisco na BA, você autoriza eu colocar seu texto em um mini jornal que vamos utilizar para um seminário. (Rafael Rodrigues)
    Meu nome: Alexsandro Pereira Borges, meu email: [email protected]

  2. Desculpe o incomodo, mais você poderia por favor curtir essa página, é para uma competição do colégio, muuito obrigado . https://www.facebook.com/pages/ILM-3002-Charles-Darwin/544343948975002?ref=m_notif&fref=ts&refid=52&notif_t=close_friend_activity

  3. Texto simples, claro e objetivo.
    Parabéns pelo artigo e por esse blog.
    Ganhou uma fã!!

  4. Boa tarde

    Não quero fazer off-topic, no entanto, li isto:

    http://news.discovery.com/space/alien-life-exoplanets/could-an-alien-message-be-embedded-in-our-genetic-code-130401.htm

    Alguém me poderá dizer se sabe alguma coisa acerca disto? Ou é mais uma daquelas notícias rebuscadas?

    Obrigado.

    1. Escrevi sobre isso no meu blog: http://www.metaconhecimento.com/2013/04/um-codigo-alienigena-pode-estar.html

      existe mesmo um paper sobre isso mas, num geral, é mais uma hipótese especulativa e um bom exercício de imaginação. Não há nenhuma evidência direta.

    2. Isso é treta vinda do filme Prometheus.
      O problema dos cientistas é que também vêm filmes de Hollywood e, por vezes, pensam que são realidade.
      Neste caso, mais uma vez, a hipótese sofre de geocentrismo psicológico.

      abraços

    • Ícaro Monteiro on 27/07/2013 at 00:28
    • Responder

    Ótimo texto! Leitura ágil e perspicaz, vou recomendar nas minhas aulas ! Ah se todos os divulgadores escrevessem assim, parabéns!

    Só tenho uma crítica à imagem q abre o post. Para um leigo ela pode dar a impressão de que a evolução ocorre linearmente, como naquela clássica imagem da “evolução” humana, q começa com hominídeos sucessivamente menos curvados até um humano totalmente ereto. Como biólogo e professor, não vejo com bons olhos essas ilustrações.

    1. Poxa vida, Ícaro, usei a imagem justamente por que ela tem mais a ideia de uma “arvore” do que a visão linear da evolução. Mas vou levar seu comentário em consideração, vou ver se encontro uma imagem que ilustre melhor.

      Valeu pelos elogios! =)

      Abraço!

  5. Caro Rafael Rodrigues,

    Antes de qualquer coisa, parabéns pelo texto. É um escrito breve e interessante sobre uma das teorias científicas mais mal interpretadas da história e que precisa urgentemente de divulgações acertadas como a sua. Eu gostei particularmente de como você pontuou a solidez do darwinismo. Quero dizer, não são apenas 150 anos em vigor, mas também uma das poucas propostas científicas que une uma ciência inteira ( biologia) e é aceita por todos os especialistas da mesma.

    Não obstante, há dois pontos nos quais eu acredito que seu texto possa melhorar. Primeiro, você começou seu texto escrevendo o seguinte: “Uma das mais bem sucedidas explicações da ciência sobre a realidade está em como os organismos se desenvolvem”. Acontece que o desenvolvimento de um organismo (sua ontogenia), não equivale a sua história evolutiva (filogenia), assim o começo do seu texto é um pouco confuso porquanto parece que você está falando de desenvolvimento, quando na realidade sua intenção é claramente a de falar sobre evolução. Assim, talvez, seu texto ficaria mais claro se você escrevesse o seguinte: “Uma das mais bem sucedidas… como os organismos evoluem”.

    Segundo, você também escreveu: “Não importa o jeito, o que importa é que a reprodução tem um único objetivo: a sobrevivência da espécie”. Afirmar que o objetivo da reprodução é a “sobrevivência da espécie” é algo extremamente controverso dentro da visão majoritária da biologia contemporânea ( para não dizer errado). Uma vez que, a visão padrão endossa o “modelo do replicador”, regido pela lógica de replicadores competindo uns com os outros por recursos escassos. Na biologia prática isso traduz-se pelo modelo do “gene-eye view” , algo como uma seleção no nível do gene.

    Enfim, não que a biologia não seja ampla o suficiente para aceitar outros níveis de seleção como grupo e até mesmo espécie, porém, caso você segure essa ideia pouco comum de que a reprodução tenha como objetivo a manutenção da espécie, seria bom não apenas uma nota de roda-pé explicando que essa não é a visão ortodoxa da biologia atual, mas também ver citado nas fontes teóricos que apoiam essa ideia ( e não o Dawkins que teria arrepio na espinha ao pensar em seleção no nível da espécie”. De qualquer sorte, um texto muito interessante.

    P.S: Aqui vai uma referência de um excelente filósofo da biologia que apoia a seleção natural em múltiplos níveis: Peter Godfrey-Smith. Darwinian Populations and Natural Selection (2009).

    Atenciosamente,

    Tiago.

    1. Olá, Tiago!

      Valeu pelos elogios e pelas considerações. De fato, no primeiro ponto, a palavra está digitada incorretamente, eu deveria ter escrito “se diversificam”. E eu realmente acabei sendo reducionista ao tentar pontuar a explicação através da descendência e da sobrevivência da espécie. Foi na verdade um termo inapropriado mesmo, até dentro da proposta do texto. Então suprimi, pois concordo com você.

      Muito obrigado pela dica de livro, com certeza já está na minha lista de prioridades.

      Grande abraço!

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