Desvendado mistério da morte massiva de animais marinhos pré-históricos em Cerro Ballena

Cerro_Ballena_La_Familia_2011Esqueletos de baleias pré-históricas em Cerro Ballena.
Crédito: Smithsonian Institution.

Em 2010, a expansão da autoestrada pan-americana na região do deserto de Atacama, a norte da pequena cidade portuária de Caldera, no Chile, conduziu um grupo de paleontologistas à descoberta de mais de 40 esqueletos de mamíferos marinhos pré-históricos, num local agora conhecido como Cerro Ballena. Os fósseis representam os vestígios de pelo menos quatro episódios de morte massiva de baleias e de outros mamíferos marinhos em antigas praias do Miocénico Superior, há 6,45 a 9,03 milhões de anos, o que sugere que estes desastres tiveram uma natureza semelhante e repetitiva.

3 anos de investigação culminaram na identificação da causa mais provável para estes enigmáticos eventos – florescências de dinoflagelados produtores de toxinas. O trabalho resultou de uma cooperação entre a Instituição Smithsonian, nos EUA, e cientistas da Universidade do Chile, e foi publicado na semana passada na revista Proceedings of the Royal Society B.

Entre os fósseis descobertos encontram-se dúzias de esqueletos completos de espécies extintas de baleias-de-bossa e de cachalotes, bem como vestígios de outros mamíferos marinhos, incluindo um golfinho pré-histórico extremamente raro pertencente ao género Odobenocetops, e uma antiga preguiça marinha da espécie Thalassocnus natans. Os investigadores identificaram ainda dentes de Carcharodon hastalis, um gigantesco tubarão comum nas épocas do Miocénico e do Pliocénico, e restos fossilizados de espadins e de outros peixes ósseos predadores. “[Foram identificados] pelo menos 10 tipos diferentes de animais marinhos, recorrentes em quatro camadas diferentes”, afirmou Nicholas Pyenson, investigador da Smithsonian e primeiro autor deste trabalho. “Isto exigia uma explicação.”

 

Reconstrução tridimensional de uma baleia-de-bossa fossilizada em Cerro Ballena.
Crédito: Smithsonian Institution.

O que mais intrigou os investigadores foi a forma como os esqueletos estavam posicionados. “As baleias-de-bossa estavam, na sua maioria, de barriga para cima, e as baleias apenas ficam de barriga para cima se chegarem a algum sítio já mortas”, disse Pyenson. “Isto é um cemitério, não é o local do crime – o crime aconteceu noutro local.” Os esqueletos apresentavam ainda uma orientação semelhante, com a cabeça direccionada no sentido contrário ao do mar, o que dá mais consistência à hipótese dos animais terem morrido no oceano, antes de serem arrastados para a praia. A distribuição dos fósseis em quatro camadas distintas sugere que as mortes resultaram não de uma catástrofe isolada, mas sim de quatro ocorridas num período de 10 a 16 mil anos.

A equipa investigou vários fenómenos que pudessem explicar tamanha mortandade, desde tsunâmis até surtos de vírus. No entanto, nenhuma destas hipóteses encaixava nas observações. Os investigadores não encontraram quaisquer evidências geológicas de tsunâmis nos sedimentos analisados, e os fósseis estavam em excelentes condições. Os vírus e outros agentes patogénicos tendem a ser mais específicos, pelo que não serviam para explicar a diversidade de animais encontrada em Cerro Ballena.

Dinophysis_acuta_SPDinophysis acuta, um dinoflagelado produtor de toxinas diarreicas encontrado com frequência junto à costa portuguesa. Imagens obtidas por microscopia óptica (à esquerda, material fixado com lugol; à direita, material marcado com calcoflúor).
Crédito: Sérgio Paulino (INSA).

“Dei-me conta que existia apenas uma única boa explicação: florescências de algas nocivas”, disse Pyenson. Quando as condições são favoráveis, as microalgas proliferam em grandes massas, disponibilizando grandes quantidades de nutrientes para os organismos situados nos degraus superiores da cadeia trófica. Os dinoflagelados encontram-se entre os grupos de microalgas mais comuns nos oceanos e podem produzir florescências muito exuberantes conhecidas por marés vermelhas. Algumas espécies de dinoflagelados produzem toxinas extremamente potentes, que são concentradas ao longo da cadeia trófica, podendo causar a morte de peixes e de outros animais, incluindo o Homem.

Estas florescências podem surgir como consequência da actividade humana, como por exemplo, descargas de efluentes ricos em nutrientes inorgânicos. No entanto, grande parte é desencadeada pelo enriquecimento sazonal das águas com nutrientes como o ferro, minerais trazidos pelas correntes oceânicas ou pela lixiviação de depósitos naturais presentes nos continentes. Curiosamente, a produtividade das águas junto à costa chilena, nas proximidades de Cerro Ballena, é fortemente moldada não só pelas correntes de afloramento costeiro, ou upwelling (correntes ricas em nutrientes), como também por efluentes ferruginosos provenientes de encostas ricas em depósitos de ferro, localizadas nos Andes.

Análises realizadas aos sedimentos de Cerro Ballena mostram a presença de finos depósitos tingidos com óxidos de ferro, bem como de esférulas de apatite com dimensões semelhantes às dos cistos de dinoflagelados. A equipa planeia ainda regressar ao local na busca de provas mais convincentes que apoiem esta sua hipótese.

Podem ler mais sobre este trabalho aqui e aqui.

15 comentários

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    • Vinícius Sena on 31/12/2014 at 23:17
    • Responder

    Sérgio, quais as técnicas utilizadas para saber se uma determinada montanha continua crescendo? No caso específico do Everest, como sabemos que ele continua crescendo? Como isso é medido? Você poderia me indicar um estudo com os métodos utilizados e com as conclusões do s especialistas?

    1. Vinicius,

      O “crescimento” de uma montanha é um processo demasiado lento para os padrões humanos, pelo que não é fácil fazer essa medição com exatidão. No caso concreto do monte Everest, um estudo realizado em 1999, com tecnologia GPS, sugere que a mais alta montanha do mundo cresce a uma taxa de cerca de 4 mm por ano, e que se desloca na direção nordeste a uma velocidade de 3 a 6 mm por ano – uma consequência do movimento da placa indiana.

      No entanto, Vinicius, se quer explorar estes assuntos de forma mais aprofundada, aconselho-o a adquirir um bom livro de Geologia. Por exemplo, este manual da Springer: http://www.springer.com/earth+sciences+and+geography/geology/book/978-81-322-1538-7). 😉

        • Vinícius Sena on 06/01/2015 at 20:54

        Obrigado pela resposta Sérgio. Era justamente esse estudo que eu queria. Você sabe onde foi a publicação dele? Eu queria mostrar ao rapaz criacionista com quem eu estava conversando (que o Carlos não veja esse meu comentário). Ele parece achar que os geólogos simplesmente olham para o Everest e dizem que ele está crescendo baseados apenas em suposições. Ele me pediu para ver o estudo, disse que já vasculhou a interenet e não acho. VOcê sabe onde posso encontrar o estudo dos americanos feito em 1999?

      1. Pelo que pude averiguar, os resultados da expedição Millenium, responsável por esse estudo, foram apresentados numa cerimónia no American Alpine Club, pelo que devem ter sido posteriormente publicados em papel, no American Alpine Journal.

    • Vinicius Sena on 25/12/2014 at 03:00
    • Responder

    Muito obrigado.

    • Vinícius Sena on 22/12/2014 at 00:22
    • Responder

    Sérgio, e quanto à região de Cerro Ballena, você poderia me dizer alguma coisa? O que provocou a elevação da área acima do nível do mar? O que transformou aquela região em um deserto? O que você acha das críticas que os criacionistas fazem ao uniformitarismo e ao fato de dizerem que os cientistas partem de pressuposições de que as coisas no passado foram sempre as mesmas, quando elas podem ter sido completamente diferentes? Só a título de exemplo: eu já vi alguém dizer que os geólogos, por verem que as montanhas se elevam lentamente hoje presumem que essa elevação foi sempre lenta, quando pode ter havido algum fenômeno no passado que provocou uma elevação muito mais rápida. Como você avalia esse tipo de argumento?

    Obrigado pela resposta anterior. Muito esclarecedora.

    1. Vinícius,

      Os sedimentos onde foram descobertos os fósseis de Cerro Ballena encontravam-se submersos há cerca de 6 a 9 milhões de anos, e foram elevados pelos mesmos mecanismos que elevaram a cordilheira dos Andes. A região situa-se em pleno Atacama, provavelmente o mais antigo deserto da Terra. O Atacama deve a sua aridez à sua localização entre cordilheiras montanhosas muito elevadas, que o isolam das massas de ar carregadas de humidade que partem do Pacífico e do Atlântico.

      Quanto à sua última questão, para mim os argumentos só são válidos se tiverem suporte nas evidências científicas. Os creacionistas não apresentam dados que corroborem a sua posição. Criticam o uniformitarismo apenas porque as evidências contrariam a sua crença num mundo com 6 mil anos.

    • Vinícius Sena on 17/12/2014 at 03:34
    • Responder

    Carlos, tenha um pouco de paciência comigo. Sei que minhas perguntas às vezes são um pouco bobas e chatas. Só estou tendo contato mais próximo com a teoria da evolução e suas ciências relacionadas a pouco tempo. Tive um passado como criacionista, só me livrei desse pensamento muito recentemente, por isso que às vezes ainda tenho dúvidas em relação a assuntos que para vocês já são batidos. Eu só pergunto porque gosto das explicações de vocês.

    1. Olá Vinícius,

      São esmagadoras as evidências que suportam a teoria da tectónica de placas: o encaixe quase perfeito das massas continentais; a sequência de idades das rochas dos fundos oceânicos (as mais jovens encontram-se nos locais de divergência entre placas); a presença de fósseis da mesma espécie em locais separados por vastos oceanos (exemplo: a descoberta de fósseis de Lystrosaurus na Antártida, Índia e África do Sul); o registo da orientação do campo magnético em rochas com diferentes idades, em particular, o problema da discordância da migração do polo magnético, ao longo dos últimos 500 milhões de anos, quando se compara o registo magnético de rochas da América do Norte com o de rochas da Eurásia – uma forte evidência da deriva continental.

      No caso concreto dos Andes, as forças que elevaram (e continuam a elevar) a imensa cordilheira são criadas pela convergência entre a placa de Nazca e a placa Sul-Americana. Este movimento tem origem nas correntes de convecção criadas no manto pelo fluxo de calor no interior do planeta. A colisão entre as duas placas provoca não só a subducção da placa de Nazca, e a consequente formação de uma fossa oceânica a curta distância da costa ocidental do continente Sul-Americano; como também a acumulação de tensão na fronteira entre as duas placas, que se traduz na elevação da crusta na região dos Andes, e na ocorrência de fortes sismos ao longo de toda a fronteira entre as duas placas. A subducção da placa de Nazca gera, ainda, grandes bolsas de magma na extremidade da placa Sul-Americana, bolsas essas que estão, provavelmente, na origem dos vários vulcões que povoam quatro regiões distintas na cordilheira dos Andes.

      Enfim… Vinícius, não perca o seu tempo a ler disparates em sites criacionistas. Se quiser saber mais sobre este assunto aconselho-o a ler este excelente artigo. 😉

        • Vinícius Sena on 12/02/2015 at 17:26

        Sérgio, dê uma olhada nesse artigo (comentário editado)
        O que você achou dos argumentos usados pelo dono do blog?

      1. Vinícius,

        Como já lhe tinha dito anteriormente, “não perca o seu tempo a ler disparates em sites criacionistas”. E já agora, não me faça perder mais tempo com este assunto. Mais uma vez reitero: “para mim os argumentos só são válidos se tiverem suporte nas evidências científicas.”

    • Vinícius Sena on 16/12/2014 at 18:11
    • Responder

    Eu vi um site criacionista dizendo que essas baleias fossilizadas no deserto são uma evidência do dilúvio bíblico. Eu mostrei vários artigos a ele mostrando que os paleontólogos já tinham explicações bem consistentes para o ocorrido. Mas, ele disse que a área da fossilização era muito alta para essas baleias terem ido parar lá pelos motivos alegados pelos paleontólogos. Eu vi em outro artigo que as mesmas forças tectônicas que eleveram a cordilheira dos Andes também foi responsável pela elevação desse local. Mas, como não tenho muito conhecimento de geologia não sei quais seriam essas forças tectônicas. Alguém aqui poderia me esclarecer?

    1. Outra vez Vinícius?

      Já lhe foi sugerido o que fazer com os ignorantes criacionistas neste comentário:
      http://www.astropt.org/2014/10/15/macacos-e-os-cromossomos-perdidos/comment-page-1/#comment-806667

      abraços

  1. WOW! A imagem do Dinophysis acuta foi feita por ti 😀

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