Uma Janela Para o Âmago das Estrelas

As estrelas muito maciças são extremamente luminosas e evoluem muito rapidamente na escala de tempo cósmica. Ao fim de poucos milhões de anos, explodem como supernovas e os elementos que sintetizaram durante a sua breve vida dispersam-se pelo espaço.

NGC 3603 na constelação austral de Carina, a Quilha. A uma distância de 20 mil anos-luz esta maternidade estelar é uma das maiores conhecidas na Via Láctea. O enxame de estrelas central é extremamente denso e contém algumas das estrelas mais luminosas e maciças conhecidas. Estas vivem apenas alguns milhões de anos antes de explodirem como supernovas. Qual será a próxima? Crédito: Robert Gendler, ESO e NASA.

NGC 3603 na constelação austral de Carina, a Quilha. A uma distância de 20 mil anos-luz esta maternidade estelar é uma das maiores conhecidas na Via Láctea. O enxame de estrelas central é extremamente denso e contém algumas das estrelas mais luminosas e maciças conhecidas. Estas vivem apenas alguns milhões de anos antes de explodirem como supernovas. Qual será a próxima? Crédito: Robert Gendler, ESO e NASA.

Durante a vida de uma estrela maciça, as sucessivas reacções de fusão que ocorrem no seu interior progridem cada vez mais rapidamente, acompanhando o aumento dramático da temperatura do núcleo. Uma estrela com 20 massas solares, por exemplo, passa cerca de 10 milhões de anos a transformar hidrogénio em hélio, 1 milhão de anos a transformar hélio em carbono e oxigénio, mil anos a transformar carbono em néon e magnésio, 3 anos a transformar néon em oxigénio e magnésio, 4 meses a transformar oxigénio em silício e enxofre e apenas alguns dias a transformar silício em níquel e ferro. Quando a estrela forma um núcleo suficientemente maciço de ferro, este colapsa sob o seu próprio peso e a estrela explode numa supernova.

Mas será possível observar uma estrela e determinar com exactidão o que ela está a “cozinhar” no seu interior? A resposta, pelo menos teoricamente, é “sim”. As reacções nucleares referidas libertam, para além de fotões de raios gama, electrões, positrões (a anti-partícula do electrão), partículas alfa (núcleos de Hélio-4, com dois protões e dois neutrões) e, em particular, uma quantidade inimaginável de partículas furtivas — os neutrinos. Os neutrinos interagem muito pouco com o plasma da estrela e atravessam-no como se ele não existisse, transportando energia do interior da estrela para o espaço. Como todas as estrelas, o Sol emite neutrinos — em cada segundo passam pela Terra 65 mil milhões de neutrinos por cada centímetro quadrado, e a maioria não deixa rasto. Os que são detectados, no entanto, são uma fonte importantíssima de informação sobre as condições existentes no núcleo do Sol e as reacções nucleares que aí se desenrolam.

Os fotões emitidos nas reacções de fusão no núcleo do Sol demoram em média muitos milhares de anos a atingir a fotosfera, pois interagem fortemente com as partículas carregadas e com os iões presentes no plasma solar. A viagem é tortuosa e os fotões emergem irreconhecíveis. Por outro lado, uma vez que raramente interagem com o plasma solar, os neutrinos atravessam os 695 mil km até à fotosfera em pouco mais de 2 segundos, viajando quase à velocidade da luz. Os neutrinos emergem do Sol inalterados, permitindo conhecer com precisão o que se passa no seu núcleo. Crédito: Anthony Watts, Leif Svalgaard, NASA.

Os fotões emitidos nas reacções de fusão no núcleo do Sol demoram em média muitos milhares de anos a atingir a fotosfera, pois interagem fortemente com as partículas carregadas e com os iões presentes no plasma solar. A viagem é tortuosa e os fotões emergem irreconhecíveis. Por outro lado, uma vez que raramente interagem com o plasma solar, os neutrinos atravessam os 695 mil km até à fotosfera em pouco mais de 2 segundos, viajando quase à velocidade da luz. Os neutrinos emergem do Sol inalterados, permitindo conhecer com precisão o que se passa no seu núcleo. Crédito: Anthony Watts, Leif Svalgaard, NASA.

Mas o que torna os neutrinos tão interessantes no caso das estrelas mais maciças, é o facto de elas emitirem cada vez mais destas partículas à medida que se tornam mais complexas as reacções nucleares no seu interior. Por outras palavras, se conseguíssemos observar o fluxo e o espectro energético dos neutrinos emitidos por uma estrela, poderíamos deduzir que reacções estariam a decorrer no seu núcleo. Essa informação seria particularmente interessante se se verificasse que as estrelas estavam a realizar a fusão do néon, do oxigénio ou do silício — neste caso saberíamos que, dentro de poucos anos, meses, ou mesmo dias, a estrela iria explodir numa supernova.

Infelizmente, os “telescópios de neutrinos” estão ainda na sua infância e serão necessários grandes avanços em termos tecnológicos para um dia ser possível realizar um tal diagnóstico nuclear. Neste momento é difícil imaginar como poderemos superar as limitações impostas pela física à detecção de neutrinos provenientes de outras estrelas. Mas não devemos menosprezar o engenho humano. Este já demonstrou, vezes sem conta, ser capaz de aproveitar ao limite as oportunidades proporcionadas pela Natureza.

E não seria espantoso, ter um telescópio assim, que nos permitisse perscrutar directamente o âmago das estrelas!?

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