Fizemos isto porque é divertido! Descoberta a molécula de fotões.

“Fizemos isto porque é divertido e para desbravarmos as fronteiras da ciência”.

Apesar de ter 2 anos, uma “eternidade” na voragem da actualidade nesta idade sociedade da informação e da desinformação, a frase acima suscitou o maior interesse nos bastidores do AstroPT, dado o seu valor para o Ensino e para a Divulgação das Ciências, e como farol de referência para os mais novos que são sujeitos a muitas pressões na escolha duma profissão ou dum curso para o seu futuro, e pelo significado profundo que tem na natureza das Ciências, ou de qualquer profissão honesta e meritória.

Ter gosto e divertir-se no que se faz, é fundamental para se atingir níveis de excelência. Tanto num excelente sapateiro que desenha e constrói sapatos, como num pescador que sai na sua faina, como num cientista que desenvolve a mais sofisticada nave espacial. Ou num estudante que pense no seu futuro.

E o que se passou, em específico?

Os cientistas de Harvard e do MIT desafiaram a sabedoria convencional sobre a luz, e não precisaram de ir a uma galáxia muito, muito longínqua para o fazer.

Num trabalho desenvolvido com os seus colegas do Centro Harvard-MIT para átomos ultra arrefecidos, um grupo liderado pelo Professor de Física de Harvard Mikhail Lukin e pelo Professor de Física do MIT Vladan Vuletic conseguiu manipular fotões, unindo-os para formar moléculas – ou condensar uma fase da matéria que, até recentemente, tinha sido puramente teórica. O trabalho é descrito num artigo 25 de Setembro de 2013 na revista Nature. E encontra-se disponível no sítio web do Departamento de Física de Harvard: aqui.

Descrição geométrica das formas do Fotão. Crédito : IOP - Institute of Physics, Reino Unido.

Descrição geométrica das formas do Fotão.
Crédito : IOP – Institute of Physics, Reino Unido.

A descoberta, explicou Lukin, vai contra décadas de sabedoria consensual sobre a natureza da luz. O fotões têm sido descritos como partículas sem massa (sem massa invariante, ou restiva, mas com massa relativista) que não interagem uns com os outros – brilham dois feixes de laser um para o outro, adiantou – e eles simplesmente passam um pelo outro.

As “moléculas fotónicas”, no entanto, comportam-se menos como laseres tradicionais e mais como algo que se pode encontrar na ficção científica – a espada de luz / lightsaber !

“A maioria das propriedades da luz que conhecemos originam-se no facto dos fotões não terem massa, e em não interagirem uns com os outros”, disse Lukin. “O que temos feito é criar um tipo especial de meio em que os fotões interagem entre si tão fortemente que começam a agir como se tivessem massa, e unem-se para formar moléculas. Este tipo de fase de ligação fotónica tem sido discutido teoricamente há já bastante tempo, mas até agora não tinha sido observado.

“Não é uma analogia inadequada compará-la com as espadas de laser”, acrescentou o Professor Lukin . “Quando esses fotões interagem entre si empurram-se uns contra os outros e desviam-se uns dos outros. A física nestas moléculas é semelhante ao que vemos nos filmes.”

Vejo que construíste uma espada de laser. Onde é que acaba? Não acaba. Rombo no casco ao longo de todo o sector 5!

Vejo que construíste uma espada de laser.
Onde é que acaba?
Não acaba.
Rombo no casco ao longo de todo o sector 5!

Para que os fotões normalmente sem massa se liguem uns aos outros, Lukin e os seus colegas, incluindo o de pós-doutoramento de Harvard Ofer Fisterberg, o ex-aluno de doutoramento de Harvard Alexey Gorshkov e do MIT os estudantes de licenciatura Thibault Peyronel e Qiu Liang, não podiam contar com algo como a Força. Em vez disso recorreram a um aparato com condições mais extremas do que as dos filmes de ficção científica.

Os investigadores começaram por bombear átomos de rubídio para uma câmara de vácuo, utilizando depois laseres para arrefecer a nuvem de átomos para apenas alguns graus acima do zero absoluto. Usando pulsos de laser extremamente fracos, disparam em seguida fotões individuais para a nuvem de átomos.

Quando os fotões entram na nuvem de átomos fria, explicou Lukin, a sua energia excita os átomos ao longo do seu caminho, fazendo com que o fotão desacelere drasticamente.

Como o fotão se move através da nuvem, a energia é passada dum átomo para outro, e, eventualmente, sai da nuvem com o fotão.

“Quando o fotão sai do meio, a sua identidade é preservada”, disse Lukin. [Chama-se meio ao Elemento (por exemplo Rubídio), ou à substância (água) ou conjunto de substâncias (ar) em que a luz se propaga.]

“É o mesmo efeito que vemos com a refracção da luz num copo de água. A luz que entra na água, entrega parte da sua energia para o meio, e dentro dele existe como luz e matéria acopladas. Mas quando sai, é ainda luz.

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O processo que aqui ocorre é o mesmo, sendo apenas um pouco mais extremo. A luz é travada consideravelmente, e perde muito mais energia do que durante a refracção.

Quando Lukin e seus colegas dispararam dois fotões para a nuvem, ficaram surpreendidos ao vê-los sair juntos, como uma única molécula.

Qual seria a causa da formação destas moléculas nunca antes vistas?

Um efeito chamado bloqueio de Rydberg, explicou Lukin, que diz que quando um átomo é excitado, os átomos próximos não podem ser animados com a mesma intensidade. Na prática, o efeito significa que, como dois fotões entram na nuvem atómica, o primeiro excita um átomo, mas deve mover-se para a frente antes do segundo fotão poder excitar os átomos próximos.

O resultado, segundo ele, é que os dois fotões se empurram e puxam um ao outro através da nuvem à medida que a sua energia é transferida de um átomo para o próximo.

“É uma interacção fotónica que é mediada pela interacção atómica”, disse Lukin. “Isso faz com que esses dois fotões se comportem como uma molécula, e quando saem do meio eles são muito mais propensos a fazê-lo juntos do que como fotões individuais.”

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Não obstante o efeito ser raro, tem também algumas aplicações práticas .

“Fizemos isto porque nos divertimos, e porque estamos a desbravar as fronteiras da ciência”, disse Lukin. “Mas isso alimenta o quadro maior do que estamos fazendo, porque os fotões continuam a ser os melhores meios possíveis para transmitir informação quântica. A desvantagem, porém, tem sido que os fotões não interagem uns com os outros.”

Para construir um computador quântico, explicou, os pesquisadores precisam construir um sistema que possa preservar a informação quântica, e processá-la usando operações lógicas quânticas. O desafio, no entanto, é que a lógica quântica requer interacções entre os quanta individuais, de modo que os sistemas quânticos possam ser mudados para executar o processamento de informações.

“O que nós demonstramos é que este processo nos permite fazer isso”, disse Lukin. “Antes de fazermos um interruptor quântico prático e útil ou uma porta lógica fotónica temos de melhorar o desempenho, por isso estamos ainda ao nível da prova do conceito, mas este é um passo importante. Os princípios físicos que estabelecemos aqui são importantes.”

O sistema pode até ser útil na computação clássica, adiantou Lukin, considerando os desafios do poder de dissipação que os fabricantes de microprocessadores agora enfrentam. Uma série de empresas – incluindo a IBM – têm trabalhado no desenvolvimento de sistemas que dependem de routers ópticos que convertem os sinais de luz em sinais eléctricos, mas esses sistemas enfrentam os seus próprios obstáculos.

Lukin também sugeriu que o sistema poderia um dia ser até usado para criar estruturas tridimensionais complexas – tais como cristais – totalmente gerados pela luz.

O que poderá vir a ser útil para nós pois ainda não o sabemos, mas é uma nova fase da matéria, por isso estamos esperançosos que possam surgir novas aplicações à medida que continuamos a investigar as propriedades destas moléculas “fotónicas”, disse no final das suas declarações.

Aparato em condições extremas. Crédito: Harvard Gazette

Aparato em condições extremas. Crédito: Harvard Gazette

Descritivo do aparato:

Fotões com forte atracção mútua num meio quântico não linear.

|V> = | σ+> + |σ-> Um feixe de laser fraco, linear e polarizado perto da transição |g>|e> a 780 nm é enviado para um gás de Rubídio arrefecido perto da transição |e>|r > a 479 nm. Fortes interacções não lineares entre os fotões σ+- polarizados resultam num vector aleatório.

Notação Bra-ket: os factores contributivos do Ket (os termos no lado direito da equação), no caso a soma dos fotões polarizados resultam na projecção dum vector aleatório no Bra (o termo no lado esquerdo da equação).

Legenda:
QWP Quarter-Wave Plate
HWP Half-Wave Plate
PBS Pulse Based Single (beam).

Mais informações: paper.
Jornal de referência: Nature

Leia mais, aqui.

3 comentários

1 ping

    • Marilia Peres on 05/08/2016 at 23:14
    • Responder

    Muito interessante Manel.

    Por quê neutrinos?

      • Manel Rosa Martins on 06/08/2016 at 01:50
      • Responder

      por várias razões Marília.

      As 9 famosas razões de Tia Micelli, que as escreveu ainda estudante e ficaram célebres no CERN. 🙂

      1. Os neutrinos são super-abundantes.
      O luminoso sol emite [quando 4 átomos de Hidrogénio se transformam num átomo de Hélio] 65 mil milhões de neutrinos por segundo por centímetro quadrado para a Terra, sendo a segunda partícula mais abundante no Universo. Se tirássemos uma foto de ocasião, veríamos que cada centímetro cúbico tem cerca de 1000 fotões e 300 neutrinos.

      2. Os neutrinos quase não têm massa.
      Ninguém sabe ainda a massa dos neutrinos, mas será, dentre as partículas com massa, pelo menos 1 milhão de vezes mais pequena do que a massa da partícula mais leve conhecida, que é o electrão.

      3. Os neutrinos são sondas perfeitas para a força fraca.
      Todas as outras partículas elementares interagem pela força forte, pela força electromagnética, pela força fraca ou por uma combinação das três. Apenas os neutrinos interagem só e unicamente pela força fraca. Isto torna-os importantes para conhecermos os detalhes deste campo-força.

      4. Os neutrinos são mesmo muito difíceis de detectar.
      Em média, apenas 1 neutrino emitido pelo sol interagirá com uma pessoa durante o seu tempo de vida [Sean Carroll até diz para não nos preocuparmos com eventuais dores de barriga causadas pelos neutrinos]. Dado que as interações dos neutrinos são tão raras, os detectores têm que ser enormes, o detector Super Kamiokande, no Japão, tem um tanque de água super-purificada com 39 metros de diâmetro e 42 metros de altura, contém 50 mil litros desta substância química e está situado a 1000 metros de profundidade.

      5. Os neutrinos são como os camaleões.
      Existem 3 sabores de neutrinos: o electrão, o muão e o tau. Quando um neutrino viaja, pode tornar-se num neutrino doutro sabor, e reverter para o sabor inicial. Isto confundiu os físicos durante décadas.

      6. Os neutrinos de sabor electrão-neutrino deambulam perto dos electrões.
      Quando os neutrinos atravessam a matéria, encontram densas nuvens de electrões, e os electrões-neutrinos (geração I) terão muitas dificuldades para as transpor, de facto desaceleram, ao passo que os muões-neutrinos e os tau-neutrinos viajam através destas densas nuvens sem qualquer impedimento.

      7. Os neutrinos deixam-nos ver o interior do Sol.
      A luz que chega à Terra leva entre 10 mil a 100 mil anos a escapar do denso plasma do núcleo do Sol. Quando a luz (os fotões) finalmente atingem a superfície do Sol, demora cerca de 8 minutos a alcançar a Terra. Os neutrinos dão-nos uma vista penetrante do interior do Sol, onde se processa a fusão nuclear que gera a energia da nossa estrela, já que demoram apenas 3,2 segundos a chegarem à superfície do sol, e depois 8 minutos até à Terra.

      8. Os neutrinos podem ter alterado o rumo do Universo.
      Porque é tudo no Universo predominantemente matéria e não anti-matéria? Os cosmólogos pensam que no princípio do Universo haveria uma quantidade igual de matéria e de anti-matéria, mas que os neutrinos terão dalguma forma desequilibrado a balança a favor da matéria, possibilitando a formação de galáxias, de estrelas e de planetas como a nossa Terra.

      9. Os neutrinos dissipam mais de 99% da energia das supernovas.
      Certo tipo de implosões/explosões de estrelas perdem quase toda a sua energia através dos neutrinos. Estas supernovas de “colapso nuclear” acabam numa estrela de neutrões ou num buraco negro. Utilizamos então os neutrinos para entendermos os processos como explodem as supernovas e ainda nos revelam mais sobre outros objectos astronómicos, como os núcleos de galáxias activos.

      Chegariam estas, mas há uma 10ª que me atrevo a acrescentar:

      10) o que vier a ser descoberto num hipotético entrelaçamento dum par de neutrinos e que agora nem sequer imaginamos…

    • Manel Rosa Martins on 06/07/2016 at 01:58
    • Responder

    Tenho-me divertido muito com esta descoberta. É um par de fotões entrelaçados desde o início da experiência, na fase de passarem pelos átomos e quando saem do aparato.

    Ao longo de todo o processo o par entrelaçado é observado e não há “desentreleçamento” nem colapso da função-onda.

    Saem em molécula quando assim se observa.

    Ou seja, o acto de observação das polaridades não teve qualquer influência na experiência.

    Mas enfim, o Heisenberg, a de-coerência e as técnicas de re-normalização apenas tinham confirmado isso algumas milhões de vezes. Como também o faz a entropia quântica de Bell em pares ou sistemas emaranhados.

    Neste caso é divertido porque como no título não fiz menção do entrelaçamento (ou emaranhamento, mesma coisa) mas o fiz nas tags não houve os habituais comentários da falácia da projecção mental que somos nós e a observação que influencia e molda a natureza.

    Quando atiramos fotões para um sistema podemos influenciar esse sistema, sem dúvida, mas também podemos ou descontar a energia que lhe inserimos ou usar outros processo que não fotões.

    Como seria deveras interessante emaranhar neutrinos. 🙂

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