Estrelas dentro de Estrelas

Em 1977, o físico teórico Kip Thorne e a astrofísica Anna Żytkow postularam a existência de estrelas contendo, no seu núcleo, uma estrela de neutrões. Estes objectos exóticos, entretanto designados de Thorne-Żytkow, podem resultar da evolução de estrelas maciças em sistemas binários. Neste cenário, a estrela mais maciça do par, a primária, evolui mais rapidamente, transforma-se numa supergigante vermelha e explode numa supernova, deixando para trás uma estrela de neutrões em órbita da secundária. A estrela secundária, por seu lado, evolui mais lentamente mas atinge, eventualmente, a fase de supergigante vermelha. Nesta altura, as suas camadas exteriores expandem-se até à órbita da estrela de neutrões, engolindo-a. Ao longo de milhares de anos, a fricção provocada pelo plasma da secundária na estrela de neutrões fá-la perder energia orbital e afundar-se gradualmente até ao núcleo da estrela supergigante. Assim, um objecto de Thorne-Żytkow parecer-se-ia superficialmente com uma supergigante vermelha, como Antares ou Betelgeuse, mas carregando uma estrela de neutrões no seu âmago.

Um objecto de Thorne-Żytkow é composto por uma estrela supergigante vermelha com uma estrela de neutrões “estacionada” no seu núcleo.
Nesta representação, a dimensão da estrela de neutrões está enormemente exagerada (um exemplar típico tem apenas 20 km de diâmetro ao passo que a super-gigante vermelha tem centenas de milhões de km). A estrela de neutrões também não seria visível do exterior, a sua presença sendo notada apenas pela abundância peculiar de certos elementos químicos nas camadas exteriores da supergigante.

A presença de uma estrela de neutrões no núcleo da supergigante vermelha altera as condições físicas no interior da estrela, permitindo a ocorrência de um conjunto de reações nucleares invulgares. Estas reações envolvem, por exemplo, a captura rápida de protões — núcleos de hidrogénio transportados continuamente por convecção até ao interior da estrela — por núcleos atómicos mais maciços produzindo rápida e eficientemente elementos pesados. Estes elementos pesados são depois arrastados até à fotosfera da estrela pelas mesmas correntes de convecção e tornam-se visíveis no espectro, agora peculiar, da estrela. É assim possível distinguir um objecto de Thorne-Żytkow de uma super-gigante vermelha bona fide medindo cuidadosamente as abundâncias de lítio e de certos elementos pesados, e.g., rubídio, estrôncio, ítrio, zircónio e molibdénio, no seu espectro.

HV 2112 (círculo vermelho), uma super-gigante vermelha na Pequena Nuvem de Magalhães, poderá ser um objecto de Thorne-Żytkow.
Fonte: Wikipedia

Em 2014, uma equipa de astrónomos liderada por Emily Levesque (University of Colorado, Boulder) anunciou a descoberta de um possível objecto de Thorne-Żytkow na Pequena Nuvem de Magalhães. Os cientistas usaram o Magellan Clay Telescope, de 6.5 metros, em Las Campanas, no Chile, para estudar os espectros de algumas dezenas de super-gigantes vermelhas nas Nuvens de Magalhães. Uma das supergigantes observadas, designada de HV 2112, apresentava um espectro peculiar com um evidente excesso de lítio, rubídio e molibdénio. Estes elementos podem ser produzidos por outros processos no interior das estrelas; no entanto, as elevadas abundâncias observadas em simultâneo para os três elementos tornavam a HV 2112 num excelente candidato a objecto de Thorne-Żytkow.

Uma explicação alternativa para as características peculiares da HV 2112 passaria por a estrela fazer parte de um sistema binário (1). A componente da esquerda evolui mais depressa e transforma-se numa gigante vermelha AGB emitindo um vento estelar rico em elementos pesados como os observados em HV 2112 (2). Esta estrela gigante desaparece deixando para trás uma anã branca. Entretanto, a segunda estrela fica contaminada com os metais pesados libertados pela gigante vermelha (3). Mais tarde, a segunda estrela transforma-se numa gigante vermelha com abundâncias peculiares de elementos pesados, induzindo os astrónomos a pensar que se trataria de um objecto de Thorne-Żytkow (4).
Crédito: Maccarone & de Mink, 2016

Outros astrónomos não se mostraram convencidos com esta identificação e argumentaram que a HV 2112 poderia mesmo não estar à distância da Pequena Nuvem de Magalhães mas antes seria uma estrela gigante vermelha no halo da Via Láctea cujas camadas exteriores estariam contaminadas com níveis anormais dos elementos referidos aí depositados pelo vento estelar de uma hipotética estrela companheira, também uma gigante vermelha mas mais evoluída e entretanto desaparecida. De notar que tais estrelas mais evoluídas, designadas por estrelas AGB (Assymptiotic Giant Branch), conseguem produzir os elementos referidos através de reacções nucleares designadas genericamente por “processo-s” (s-process) em que elementos pesados são sintetizados por captura gradual de neutrões livres por núcleos mais leves.

Esta última interpretação das características peculiares da HV2112 sofreu um duro golpe no dia seguinte à publicação da segunda versão do catálogo da missão Gaia (Gaia DR2). Num artigo publicado a 26 de Abril no arquivo Arxiv.org, um grupo de astrónomos analisou o movimento próprio (ao longo da perpendicular à nossa linha de visão) da HV 2112 registado pelo observatório e concluiu que é semelhante ao observado para estrelas na Pequena Nuvem de Magalhães. Por outras palavras, HV 2112 é, de facto, membro da pequena galáxia satélite da Via Láctea e é, por isso, um objecto extremamente luminoso reforçando a sua candidatura ao título de primeiro objecto de Thorne-Żytkow identificado.

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