Pouco Lítio, Muitos Planetas

lithium
Uma equipa de astrónomos que inclui o Michel Mayor da Universidade de Genebra e o Nuno Santos do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto, descobriu que estrelas com sistemas planetários têm abundâncias anormalmente baixas do elemento Lítio.

O Lítio, tal como o Boro e o Berílio, foram produzidos em quantidades vestigiais minutos depois do Big Bang. Como não são sintetizados nas reacções nucleares no interior das estrelas, o meio interestelar no qual se formam novas estrelas não é enriquecido com estes elementos. Desta forma, todas as estrelas que observamos deveriam ter uma abundância relativa de Lítio semelhante à existente no início do Universo. No entanto sabia-se, há já vários anos, que o nosso Sol tinha uma abundância anormalmente baixa do dito elemento e pensava-se que era um caso isolado.

O estudo agora publicado baseou-se na observação de 500 estrelas pelo espectrógrafo HARPS, de entre as quais 70 têm sistemas planetários. O padrão observado é interessante e diz-nos que as estrelas com sistemas planetários têm sistematicamente abundâncias de Lítio anormalmente baixas, tal como o nosso Sol. Ou, visto de uma outra forma, aparentemente o nosso Sol tem uma abundância anormalmente baixa de Lítio porque tem um sistema planetário.

O estudo não permite esclarecer o porque é que tal acontece. Sabe-se que o Lítio é rapidamente destruído no interior de uma estrela, sendo usado como ingrediente nas reacções nucleares. Aparentemente, o processo de formação planetária deve promover de alguma forma a migração do Lítio de uma estrela para zonas mais interiores onde é rapidamente destruído. Como é que tal acontece e quais são os processos envolvidos ? Este é o enigma que este trabalho deixa no ar.

Esta descoberta tem outra consequência interessante para os programas de procura de exoplanetas. A introdução de estrelas com baixa abundância de Lítio nesses programas aumenta consideravelmente a probabilidade de descoberta de exoplanetas.

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A recente descoberta de que as estrelas de tipo solar com planetas são simultaneamente deficitárias no elemento lítio, levanta questões muito interessantes. Em particular, a abundância de lítio é utilizada como um marcador indicativo da idade de uma estrela. Em estrelas mais velhas o lítio na superfície teve mais tempo para ser empurrado para regiões mais quentes no interior (por convecção) e ser consequentemente processado em reações nucleares. Assim, pensava-se, estrelas mais jovens são em geral mais ricas em lítio que estrelas mais velhas.

A descoberta da correlação entre o lítio e a existência de planetas altera esta visão. Uma estrela jovem pode rapidamente perder uma parte substancial do seu lítio devido a interacções com o sistema planetário (cuja natureza ainda nos escapa). A abundância de lítio por si só não é assim um indicador fiável para a idade das estrelas. Já se suspeitava disto há algum tempo.

De facto, os astrónomos conhecem vários sistemas binários em que as componentes têm abundâncias muito diferentes de lítio, apesar de se terem formado em simultâneo e portanto terem sensivelmente a mesma idade. Em face da correlação agora descoberta, isto pode estar a dizer-nos que as componentes do sistema binário podem ter tido histórias diferentes quanto à formação de sistemas planetários.

Vejam por exemplo o sistema binário 16 Cygni (estrela 16 no catálogo de Flamsteed na constelação Cisne), constituído por duas componentes de tipo espectral G, ambas muito parecidas com o Sol. A componente A é rica em lítio ao passo que a componente B é deficitária. Após vários anos de observações pela técnica da velocidade radial, não foi detectado qualquer planeta em torno da componente A, ao passo que a componente B tem um planeta pelo menos (um dos primeiros a serem descobertos, ainda na década de 90).

Actualmente existem vários esforços no sentido de tentar detectar planetas em torno das estrelas de um outro sistema binário particularmente importante – Alfa Centauri. Até agora, as buscas pela técnica da velocidade radial eliminaram praticamente a possibilidade de haver planetas gigantes, tipo Júpiter ou Saturno, em torno de ambas as estrelas. A maior parte do esforço está a ser dedicado à componente B do sistema, uma anã de tipo espectral K1, cuja atmosfera menos turbulenta é mais adequada para medições de elevada precisão. Curiosamente, nos anos 80, os astrónomos determinaram as abundâncias de lítio em ambas as estrelas e chegaram à conclusão de que a componente A tem duas vezes a abundância solar, ao passo que a componente B é deficitária no elemento. Se a correlação agora descoberta está certa, os astrónomos estão no caminho certo ao apostar na componente B.

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