As Classes de Luminosidade das Estrelas

Num artigo anterior expliquei porque é que as estrelas têm espectros contínuos com linhas de absorção. Num artigo subsequente desenvolvi este assunto mostrando como as diferenças nas temperaturas das fotosferas das estrelas dão origem a espectros diferentes, facto que está na base da sua classificação espectral. Assim, cada estrela é de um tipo espectral denotado por uma das letras O, B, A, F, G, K ou M (mnemónica: “Oh, Be A Fine Girl, Kiss Me”). Existem outros tipos espectrais definidos mais recentemente, como o W (estrelas de Wolf-Rayet) e os L, T e Y (anãs castanhas), sobre os quais não me vou debruçar. Cada um dos tipos é normalmente sub-dividido em 10 mais específicos. Por exemplo, para o tipo espectral A, temos A0, A1, A2, …, A9. Antes do A0 teríamos o B9, após o A9 teríamos o F0. Por vezes existem diferenças subtis nos espectros que justificam uma classificação ainda mais fina, e.g. o tipo espectral B0.5 entre B0 e B1. Noutros casos, o tipo poderá não estar definido por não terem sido encontradas estrelas com características apropriadas, e.g. o tipo espectral O1. Normalmente, o tipo espectral de uma estrela é acompanhado de um numeral romano, por vezes com mais letras apensas, e.g. G2 V, B1 Ia, O7 III ou K1 IV. O que me proponho discutir neste artigo é o significado destes numerais romanos.

Com a adopção da classificação espectral, no início do século XX, os astrónomos cedo detectaram diferenças subtis nos espectros de estrelas do mesmo tipo. Por um lado, a largura das linhas espectrais varia substancialmente. Por outro lado, algumas linhas, quase imperceptíveis nas estrelas com linhas mais largas, tornam-se mais visíveis nas estrelas com linhas mais finas. Depois de observarem um grande número de estrelas, os astrónomos aperceberam-se de um padrão interessante: as estrelas com linhas mais finas eram mais distantes que as estrelas com linhas mais largas. Como o brilho aparente da amostra de estrelas observadas era semelhante isto queria dizer que as estrelas com linhas mais finas eram mais luminosas. Esta foi a pista que permitiu estabelecer uma ligação entre a largura das linhas no espectro de uma estrela e a sua luminosidade intrínseca. A figura seguinte mostra o efeito para estrelas do tipo espectral A0. Notem que se trata de imagens negativas de espectros, pelo que as linhas de absorção aparecem a branco e o fundo contínuo num tom escuro.


(Crédito: An Atlas of Representative Spectra, Yamashita, Nariai, Norimoto, University of Tokyo Press, Tokyo, 1978)

O último espectro é de uma anã branca, podem ignorá-lo, pelo menos por agora. Reparem nos 5 primeiros espectros. Notem como as linhas são mais finas no primeiro espectro e vão aumentando gradualmente de largura. Observem também como as linhas de Fe II (ferro ionizado), Ti II (titânio ionizado) e Mg II (magnésio ionizado), que são quase imperceptíveis no quinto espectro, aumentam gradualmente de intensidade até atingirem um máximo no espectro com linhas mais finas. Com base na largura das linhas e na intensidade de um conjunto de linhas diagnóstico os astrónomos desenvolveram um sistema de 5 classes de luminosidade: as estrelas menos luminosas, com linhas mais largas, pertencem à classe V; a luminosidade aumenta progressivamente, até à classe I, correspondente às estrelas com linhas mais finas. Esta classificação espectral foi introduzida em 1943 pelos astrónomos americanos William Morgan, Philip Keenan e Edith Kellman, do observatório de Yerkes. Alguns anos depois, em 1953, o sistema sofreu uma revisão, adoptando o nome por que é designado actualmente: a classificação de Morgan-Keenan, ou simplesmente MK.

O estabelecimento desta relação empírica seria de pouco valor se os astrónomos não conseguissem justificá-la em termos de processos físicos conhecidos, e é isso que vou fazer agora. A figura seguinte mostra a equação que permite calcular a luminosidade total (em todos os comprimentos de onda) de uma estrela, dado o seu raio (R) e a sua temperatura fotosférica (T); σ é uma constante (Stefan-Boltzmann).

A equação é interessante pois 4πR2 é precisamente a área da fotosfera de uma estrela com raio R. O que a fórmula nos diz é que a estrela emite uma potência que é de σT4 por cada unidade de área da superfície (e.g. m2) da fotosfera. Assumam agora que temos a lista de 5 estrelas da figura anterior todas com tipo espectral A0. Como são do mesmo tipo espectral, todas têm a mesma temperatura fotosférica, pelo que o aumento da luminosidade, da classe V até à classe I, só pode ser explicado com o aumento do raio das estrelas. Portanto, dentro do mesmo tipo espectral, as estrelas com linhas espectrais mais finas são mais luminosas porque são maiores. Reparem ainda que a luminosidade cresce rapidamente com o raio, e.g. se aumentarmos o raio 3 vezes a luminosidade aumenta 9 vezes. Agora pensem nisto ao contrário. Como é que as estrelas de classe I conseguem ter fotosferas à mesma temperatura que as de classe V, apesar das suas fotosferas serem muito maiores e quando a expansão normalmente implica um arrefecimento ? O que se passa é que as estrelas de classe I produzem um fluxo de radiação tão intenso a partir do seu interior que são capazes de, apesar do seu tamanho, manter uma temperatura fotosférica elevada. Tudo parece então indicar que estrelas com raio maior tendem a ter linhas espectrais mais finas. Mas porquê ? Vamos ver mais uma equação, desta vez a que permite calcular a gravidade superficial (na fotosfera) da estrela, em função da massa da estrela (M) e do seu raio (R); G é uma constante (Newton).

Como podem ver, o raio ao quadrado aparece em denominador. Isso quer dizer que, quando aumentamos o raio de uma estrela, a sua gravidade superficial diminui, e.g. se aumentarmos o raio 3 vezes, a gravidade superficial baixaria para 1/9 do valor original. Continuando com o exemplo, com esse raio, só uma estrela 9 vezes mais maciça teria a mesma gravidade superficial original. Isto quer dizer que o raio da estrela, mais do que a sua massa, é o factor dominante na equação. De volta às nossas estrelas, vimos que estrelas com linhas mais finas são mais luminosas porque têm raios maiores. Esta última equação diz-nos que, por serem maiores, têm também uma gravidade superficial mais baixa. Acontece que, quanto mais baixa for a gravidade superficial de uma estrela, mais baixa é a pressão do gás na sua fotosfera. Em estrelas com fotosferas agitadas, em que o gás da fotosfera está submetido a pressões elevadas, as colisões entre átomos são frequentes, levando à formação de linhas espectrais largas. Este fenómeno designa-se de “pressure broadening”. Por outro lado, em estrelas com fotosferas calmas, com o gás submetido a baixa pressão, as colisões entre átomos são pouco frequentes, resultando em linhas espectrais finas.

A classificação de luminosidade resultante destas observações pode ser visualizada no seguinte diagrama de Hertzsprung–Russell (H-R), i.e. um diagrama que representa a temperatura vs. a luminosidade das estrelas. A temperatura é representada no eixo das abcissas, partindo do tipo espectral O (não está escrito, à esquerda de B), até ao tipo espectral M (à direita). A luminosidade é representada no eixo das ordenadas, em termos da magnitude absoluta das estrelas (a magnitude aparente que teriam se estivessem a 32.6 anos-luz). Atenção as estrelas não estão representadas à escala.


(Crédito: Pearson Prentice-Hall, Inc)

As linhas cinzentas representam as localizações aproximadas no diagrama onde aparecem as estrelas das diferentes classes de luminosidade, e.g. a classe de luminosidade I corresponde às estrelas mais luminosas designadas de “supergigantes”. O nome é algo enganador pois uma supergigante de tipo O pode ser mais pequena do que uma gigante de tipo M. Devem pensar em tamanho mas sempre por comparação com estrelas do mesmo tipo espectral. Resumindo, no diagrama temos as seguintes classes: supergigantes brilhantes (Ia), supergiantes normais (Ib), gigantes brilhantes (II), gigantes normais (II), sub-gigantes (IV) e anãs (V). Esta última classe (V) corresponde a estrelas que estão na sequência principal, i.e. que realizam a fusão do hidrogénio em hélio nos seus núcleos. Para além destas estrelas estão ainda representadas as “sub-anãs” e as “anãs brancas”, às quais foram também atribuídas classes de luminosidade. As “sub-anãs” (classe VI, o numeral não está escrito) são estrelas na sequência principal mas que são pouco ricas em “metais” o que torna as suas fotosferas mais quentes do que as de estrelas com a mesma luminosidade ricas em “metais” (por isso é que, para a mesma luminosidade, estão à esquerda da sequência principal). As “anãs brancas” (classe VII, o numeral não está escrito) constituem o estágio final na vida de uma estrela de massa intermédia, como o Sol. A sua gravidade superficial é extremamente elevada, facto que pode ser verificado pela largura extrema das linhas do hidrogénio no exemplo na primeira figura deste artigo (último espectro). É importante frisar que ao longo da vida de uma estrela o seu raio e temperatura fotosférica variam em função das reacções de fusão nuclear que se passam no seu interior. Assim, se ao longo dos vários milhões ou milhares de milhões de anos da vida de uma estrela desenhássemos a sua posição neste diagrama, obteríamos aquilo que poderia ser chamado o seu caminho evolutivo. A figura seguinte mostra esse caminho para estrelas com 1, 5 e 10 vezes a massa do Sol.


(Crédito: Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO), Australia)

O caminho que a estrela percorre no diagrama H-R, mais especificamente a sua luminosidade, tamanho e temperatura, são maioritariamente determinados por um parâmetro físico fundamental da estrela: a sua massa.

1 comentário

    • Marília Peres on 26/08/2011 at 00:48
    • Responder

    Caro Luís,
    Obrigada o seu texto permitiu-me compreender bem melhor a relação da luminosidade das estrelas com a sua massa.

    Fico à espera que tenha algum tempo para escrever sobre as outras estrelas que não incluiu aqui.
    Cumprimentos
    Marília

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