CERN 4 de Julho de 2012 – Comunicado da Experiência CMS em Português

Imagem que mostra as características esperadas que uma partícula compatível com o bosão de Higgs deixa no CMS

Muito já se escreveu sobre a descoberta do Bosão de Higgs, a partícula mediadora do campo-força da Massa, por isso publicamos o original em Português, traduzido pelos próprios serviços de secretariado do CERN, a fim de se poder consultar o original e não apenas as análises posteriores que saíram um pouco por todo o lado (incluindo no AstroPt) afim de se poder sempre estabelecer um termo de comparação com a fonte original.

O comunicado é da Experiência CMS, que passo a transcrever:

Observação de uma nova partícula com uma massa de 125 GeV

Experiência CMS, CERN

4 de Julho de 2012

 Resumo

Num seminário conjunto do CERN e da conferência “ICHEP 2012” [1], em Melbourne, os colaboradores da experiência Compact Muon Solenoid (CMS) do Large Hadron Collider (LHC) apresentaram hoje os seus resultados mais recentes e preliminares, acerca da pesquisa do bosão de Higgs do modelo padrão utilizando os dados adquiridos até Junho de 2012.

>CMS observa um excesso de eventos produzidos com uma massa de aproximadamente 125 GeV [2] com uma significância estatística de cinco desvios padrão (5 sigma) [3] acima do ruído de fundo. A probabilidade de o ruído de fundo flutuar estatisticamente de modo a reproduzir (ou exceder) o número de eventos observado é de cerca de um em três milhões. A evidência experimental é mais significativa nos dois estados finais com melhor resolução em massa: primeiramente no estado final com dois fotões e em segundo lugar em estados finais com dois pares de leptões carregados (electrões ou muões). O excesso é interpretado como sendo resultante da produção de uma partícula com uma massa próxima de 125 GeV e até agora desconhecida.

Os dados adquiridos por CMS permitem ainda excluir a existência de um bosão de Higgs, de acordo com o que é permitido pelo modelo padrão, nos intervalos de 110 a 121.5 GeV e de 127 a 600 GeV com um intervalo de confiança de 95% [4]. As experiências realizadas no âmbito do colisionador LEP do CERN já tinham permitido excluir massas inferiores com o mesmo nível de confiança estatística.

Dentro das incertezas estatísticas e sistemáticas, os novos resultados obtidos por CMS para os diferentes canais de pesquisa explorados são consistentes com as características do bosão de Higgs do modelo padrão. No entanto, para obter a confirmação de que a nova partícula tem todas as propriedades previstas para o bosão de Higgs ou de modo a se estabelecer se alguma(s) das propriedades difere(m) do esperado, apontando para nova física para lá do modelo padrão, será necessário tomar mais dados.

O LHC continua a produzir dados a um ritmo notável. Até ao final de 2012 CMS espera triplicar o volume actual dos dados adquiridos. Os novos dados permitirão à colaboração CMS perscrutar melhor a natureza desta nova partícula e, em simultâneo, pesquisar nova física noutros canais de interesse.

A estratégia de pesquisa de CMS

CMS analisou dados adquiridos de colisões protão-protão realizadas durante o ano de 2011 e durante 2012 (até 18 de Junho). Os dados constituem no total 5.1 fb-1 de luminosidade integrada [5] a uma energia de centro de massa de 7 TeV em 2011 e até 5.3 fb-1 a uma energia de centro de massa de 8 TeV em 2012.

O modelo padrão prevê que, após ser produzido, o bosão de Higgs existe num curto intervalo de tempo desintegrando-se ou decaindo em partículas secundárias. A colaboração CMS estudou cinco dos canais de decaimento mais relevantes do bosão.

Três dos canais contêm pares de bosões no estado final: dois fotões (γγ) ou duas das partículas responsáveis pela interacção electrofraca (ZZ ou WW). Os dois outros canais contêm fermiões: dois quarks “bottom” (bb) ou dois leptões tau (ττ). No caso de um bosão de Higgs com uma massa próxima de 125 GeV os canais com pares de bosões – γγ, ZZ e WW – são os que oferecem maior potencial de descoberta.

Os canais γγ e ZZ oferecem a melhor resolução experimental e permitem efectuar uma medida precisa da massa da nova partícula. No canal γγ a massa é determinada a partir da energia e direcção de dois fotões medidos pelo calorímetro electromagnético de CMS, composto de cristais de PbWO4 (ECAL, Figura 1). No canal ZZ a massa é determinada a partir dos produtos de decaimento de cada bosão Z, isto é, a partir dos dois pares de electrões, muões ou de uma combinação dos anteriores, resultantes do decaimento de cada um dos Z (Figura 2). Estas partículas são medidas tanto pelo ECAL como pelo tracejador de silício ou pelos detectores de muões.

Decaimento do Bosão de Higgs para um par de fotões.

Figura 1 – Evento registado pelo detector CMS em 2012 após uma colisão de feixes de protões a uma energia de centro de massa de 8 TeV. O evento mostra as características esperadas de um decaimento de um bosão de Higgs do modelo padrão num par de fotões (linhas tracejadas a amarelo apontando na direcção de um conjunto de torres verdes). O evento é igualmente compatível com processos de fundo conhecidos no âmbito do modelo padrão.

 

Decaimento do bosão de Higgs para par de bosões Z.

Figura 2 – Evento registado pelo detector CMS em 2012 após uma colisão de feixes de protões a uma energia de centro de massa de 8 TeV. O evento mostra as características esperadas para um decaimento de um bosão de Higgs do modelo padrão num par de bosões Z os quais decaem subsequentemente num par de electrões (linhas verdes apontando na direcção de um conjunto de torres verdes) e num par de muões (linhas vermelhas). O evento é igualmente compatível com processos de fundo conhecidos no âmbito do modelo padrão.

O canal WW é mais difícil de interpretar experimentalmente. Cada W é identificado pelo seu decaimento num electrão e num neutrino ou num muão e num neutrino. Os neutrinos atravessam o detector de CMS sem interagirem com os seus elementos. Desta forma, no canal WW, a presença de um bosão de Higgs manifestar-se-ia como um excesso global da distribuição de massa ao contrário da observação de um pico ressonante. O canal bb é afectado por um nível elevado de ruído de fundo devido à contaminação por processos do modelo padrão. A pesquisa pelo bosão de Higgs neste canal é feita em produção associada com um bosão W (ou um bosão Z), o(s) qual (ais) decai (em) subsequentemente em electrão (ões) ou muão (ões). No caso do canal ττ a medida é feita pela observação destas partículas decaindo em electrões, muões ou hadrões.

Sumário dos resultados obtidos por CMS

Os dados adquiridos pela experiência deveriam ter a sensibilidade suficiente para excluir a hipótese da existência de um bosão de Higgs com um intervalo de confiança de 95% na região de massa de 110 a 600 GeV.

Na prática os dados permitem excluir esta hipótese em dois grandes intervalos: 110 a 122.5 GeV e 127 a 600 GeV com um nível de confiança de 95%.

O intervalo restante, 122.5 a 127 GeV, não pode ser excluído pois é observado um excesso em três dos cinco canais analisados:

Canal γγ : a distribuição de massa dos pares de fotões é mostrada na Figura 3.

Observa-se um excesso de 4.1 sigma acima do ruído de fundo para uma massa de cerca de 125 GeV. A observação do decaimento da nova partícula neste estado final permite inferir que se trata de um bosão e não de um fermião. Pode-se também inferir imediatamente que o spin da partícula é diferente de 1.

Canal ZZ: a Figura 4 mostra a distribuição de massa dos quatro leptões (dois pares de electrões, dois pares de muões ou um par de electrões e um par de muões). Tendo em conta as distribuições angulares das partículas reconstruídas no estado final, obtém-se um excesso de 3.2 sigma acima do ruído de fundo para uma massa de cerca de 125 GeV.

Canal WW: neste canal observa-se um excesso geral da distribuição de massa a um nível de 1.5 sigma acima do ruído de fundo.

Canais bb e ττ: nenhum excesso é observado.

Espectro de massa invariante dos pares de fotões (γγ)

Figura 3. Espectro de massa invariante dos pares de fotões (γγ) seleccionados nos dados de CMS de 2011 e 2012 (pontos negros com barras de erro). No espectro, a cada evento é atribuído um peso correspondente ao quociente de sinal/ruído esperado para a sub-categoria a que pertence. A linha vermelha sólida representa o resultado de um ajuste ao total de sinal e ruído de fundo, a linha vermelha a tracejado representa a contribuição do ruído de fundo.

Soma dos canais com quatro leptões: 4e, 4μ e 2e2μ

 

Figura 4. Espectro de massa invariante reconstruída nos diferentes canais com quatro leptões: 4e, 4μ e 2e2μ. Os pontos representam os dados, os histogramas opacos as diferentes contribuições de processos conhecidos e o histograma transparente as expectativas de sinal. As medidas são apresentadas para o total dos dados adquiridos às energias de centro de massa de 7 TeV e 8 TeV.

 

A significância estatística do sinal, obtida a partir de um ajuste combinando todos os cinco canais, é de 4.9 sigma acima do ruído de fundo e é mostrado na Figura 5. Um ajuste combinando apenas os dados dos dois canais com maior sensibilidade e com melhor resolução (γγ e ZZ) revela uma significância estatística de 5.0 sigma. A probabilidade de o ruído de fundo fluctuar estatisticamente e gerar um número de eventos compatíveis com o observado experimentalmente é de um em três milhões.

Valor, para todos os canais, da probabilidade = p

Figura 5. Probabilidade (valor-p) de na hipótese de existência exclusiva de processos conhecidos se observar o mesmo número de eventos, ou superior, ao registado pela experiência CMS. A curva de probabilidade é representada em função da massa do bosão de Higgs do modelo padrão para os cinco canais analisados.

A linha preta corresponde ao valor-p combinado dos cinco canais.

Independentemente de qualquer hipótese específica assumida relativamente ao número de eventos registados em cada um dos canais foi possível determinar a massa da nova partícula como sendo 125.3 +/- 0.6 GeV. A secção eficaz de produção (ou taxa de produção, σ) desta nova partícula, é compatível com a esperada pelo modelo padrão (σSM), registando-se que σ/σSM = 0.80 +/- 0.22.

Muitas verificações foram levadas a cabo de modo a tentar compreender os inúmeros detalhes de desempenho do detector, a selecção de eventos, os métodos de determinação do ruído de fundo e todas as fontes de incerteza sistemática e estatística.

Dado que a análise efectuada aos dados de 2011 [7] já tinha evidenciado um excesso de eventos com cerca de 125 GeV a colaboração adoptou um procedimento de “dissimulação” ou “blindagem” [8] das regiões de interesse, as quais foram apenas reveladas após escrutínio cuidadoso e aprovação dos critérios de cada análise.

Cada análise foi ainda levada a cabo por pelo menos duas equipas independentes de investigadores de CMS, um método que permitiu validar independentemente todos os procedimentos em detalhe.

As observações correntes asseguram a confiança nos resultados obtidos:

• o excesso é observado na região dos 125 GeV tanto nos dados de 2011 (7 TeV) como nos dados de 2012 (8 TeV)

• o excesso é observado na mesma região de massa pelos dois canais de melhor resolução (canal γγ; e canal ZZ);

• o excesso observado nos canais WW e bb é compatível com o que seria esperado da produção de uma partícula com uma massa de 125 GeV;

• o excesso é observado num conjunto de estados finais envolvendo fotões, electrões, muões e hadrões.

Os resultados preliminares hoje apresentados serão finalizados e refinados com o objectivo de serem submetidos para publicação no fim do Verão.

Planos para o futuro

A nova partícula observada por CMS com uma massa de 125 GeV é compatível com o bosão de Higgs do modelo padrão, tendo em conta a estatística ainda limitada. Um conjunto maior de dados é necessário para aferir das suas propriedades, taxas de decaimento nos diferentes canais (γγ, ZZ, WW, bb e ττ) e por fim o seu spin e a sua paridade. Após conhecimento detalhado e preciso das propriedades desta nova partícula poderemos concluir se realmente se trata do bosão de Higgs do modelo padrão ou se é o resultado de nova física para lá da prevista por este modelo.

O desempenho do LHC tem sido excelente e, até ao fim de 2012, CMS espera mais que triplicar a quantidade de dados adquiridos até à data, podendo levar a cabo a determinação das propriedades da nova partícula. Na hipótese de esta partícula ser de facto o bosão de Higgs do modelo padrão, as suas propriedades serão estabelecidas experimentalmente assim como as implicações da sua existência. Na hipótese de não ser o bosão de Higgs do modelo padrão, CMS estudará as consequências físicas inerentes, o que poderá incluir a produção de novas partículas observáveis no LHC.

Em qualquer um dos casos a pesquisa de novas partículas e interacções continuará nas colisões a realizar futuramente no LHC, a energias e intensidades de feixe mais elevadas.

Acerca de CMS

Mais informações sobre a experiência CMS podem ser obtidas a partir da página oficial ou contactando aqui.

A experiência CMS é uma das duas experiências âmbito geral construídas no LHC com o objectivo de procurar sinais de nova física. Foi concebida para detectar um grande espectro de partículas e fenómenos produzidos pelas colisões a alta energia de protão-protão e de iões pesados do LHC e para procurar a resposta a questões fundamentais como “O que constitui o Universo e que forças / interacções actuam nele?” e “O que origina a massa dos constituintes fundamentais da matéria?”. CMS medirá igualmente as propriedades fundamentais de partículas já conhecidas a uma precisão inigualável ao mesmo tempo que pesquisará fenómenos novos e imprevistos. Este tipo de pesquisa fundamental contribui, tal como sucedeu inúmeras vezes no passado, para um melhor conhecimento sobre o funcionamento do Universo e também para o desenvolvimento de tecnologias inovadoras capazes de transformar o nosso mundo.

A ideia original da experiência CMS data de 1992. A construção do detector gigantesco (com 15 m de diâmetro, 29 m de comprimento e um peso de 14000 toneladas) levou 16 anos e para ela contribuíram o esforço de uma das maiores colaborações científicas internacionais jamais formadas: mais de 3100 cientistas e engenheiros de 169 instituições e laboratórios distribuídos por 39 países em todo o mundo.

Notas de rodapé

[1] ICHEP é a sigla da 36a Conferência Internacional de Física de Altas Energias que decorre em Melbourne, na Austrália, de 4 a 11 de Julho de 2012. Os resultados serão apresentados conjuntamente ao vivo no CERN e por transmissão directa de vídeo para a ICHEP.

[2] O electrão-volt é uma unidade de energia. Um GeV corresponde a 1,000,000,000 eV. Em física de partículas massa e energia são muitas vezes considerados equivalentes e é comum usar eV/c2 como unidade de massa (a unidade decorre da relação E=mc2 em que c é a velocidade de luz no vácuo). Em termos correntes é mais comum usar o chamado sistema de unidades naturais em que c=1 (donde E=m), e nesse caso usa-se eV como unidade de massa.

[3] O desvio padrão mede a dispersão de um conjunto de medidas em torno do valor medio. É normalmente usado como medida do nível de concordância de uma amostra de dados com determinada hipótese. Os físicos medem a quantidade de desvios padrão em unidades que designam de “sigma”. Quanto mais elevado é o número de sigma menor é a compatibilidade dos dados com a hipótese assumida como verdadeira. Em geral, quanto mais inesperada é uma descoberta, maior é o número de sigma requerido pelos físicos para ficarem convencidos da sua veracidade.

[4] Nível de confiança é uma medida estatística da percentagem dos resultados de um teste que se podem esperar encontrar num determinado intervalo. Por exemplo, um nível de confiança de 95% é atribuído a uma acção que resultará nas expectativas em 95% dos casos.

[5] http://news.stanford.edu/news/2004/july21/femtobarn-721.html

[6] http://cms.web.cern.ch/news/should-you-get-excited-your-data-let-look-elsewhere-effect-decide

[7] http://cms.web.cern.ch/news/cms-search-standard-model-higgs-boson-lhc-data-2010-and-2011

[8] http://cms.web.cern.ch/news/blinding-and-unblinding-analyses

Nota: Para Posts menos técnicos e mais acessíveis sobre o bosão de Higgs, podem escolher aqui.

Experiência CMS – Compact Muon (μ) Solenoid

 

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