Quando em Outubro de 1995 um grupo de investigadores Suíços anunciou a descoberta de um planeta a orbitar a estrela 51 da constelação de Pegasus, estávamos muito longe de imaginar que 11 anos depois viríamos a ter, no espaço, uma sonda europeia dedicada à deteção de planetas em torno de outras estrelas. E que decorridos mais 2 anos outra sonda, desta vez norte-americana, se seguiria.
Mas comecemos pelo princípio.
O planeta descoberto pela equipa do Observatório de Genebra, a que foi dado o nome de 51 Pegasi b (ou 51 Peg b), não é visível diretamente da Terra e foi detetado de forma indireta pelo método das velocidades radiais. Este método baseia-se num princípio físico já descrito por Isaac Newton que estabelece que da mesma forma que uma estrela atrai um planeta, também o planeta atrai a estrela. Esta atração mútua, leva os dois corpos a rodar em torno de um ponto imaginário chamado baricentro ou centro de massa. Conclui-se assim que a presença de um planeta ou outro corpo em órbita de uma estrela provoca uma variação periódica da sua posição.
Daqui da Terra, não temos instrumentos suficientemente precisos para medir esse pequeno deslocamento. Mas também sabemos que, a esse pequeno deslocamento, corresponde uma variação de velocidade da estrela que, de acordo com a orientação espacial da órbita, leva a estrela a aproximar-se e de seguida a afastar-se de nós (ou a diminuir e depois aumentar a velocidade relativamente a nós, se a estrela tem um movimento próprio). E esta variação da velocidade já é mais fácil de medir com precisão. Se com um espectrógrafo estudarmos a luz que nos chega dessa estrela, noite após noite, poderemos medir a velocidade com que a estrela se aproxima ou afasta de nós (medindo a deslocação das linhas espectrais para o lado vermelho ou para o lado azul do espectro electromagnético, devido ao chamado Efeito de Doppler). E se depois de descontarmos os movimentos da própria Terra, concluirmos que a velocidade da estrela varia de forma periódica, podemos suspeitar que haverá um corpo invisível que provoca essa alteração. Determinando a massa da estrela e a amplitude da variação da velocidade, podemos estimar que massa será necessária para provocar aquela variação na velocidade da estrela.
Como este método se baseia na medição da velocidade relativamente à nossa linha de visão, foi-lhe dado o nome de “método das velocidades radiais”.
Um outro método para indiretamente se detetarem planetas extra-solares é o “método dos trânsitos”. Se em torno de uma qualquer estrela orbitar um planeta e o plano da órbita estiver alinhado com a nossa linha de visão, então esse planeta irá atravessar o disco da estrela, bloqueando um pouco da luz dessa estrela. A esse fenómeno dá-se o nome de trânsito. Aqui no Sistema solar também podemos assistir a trânsitos de Mercúrio e de Vénus que passam em frente ao Sol; ou dos satélites galileanos que cruzam o disco de Júpiter. Também neste caso, medindo a quantidade de luz –com um fotómetro muito sensível- que chega até nós vinda de determinada estrela, podemos eventualmente detetar e medir a redução da quantidade de luz provocada por um eventual planeta que a orbite. Medindo a quantidade de luz bloqueada, o diâmetro aproximado da estrela e a periodicidade desses trânsitos, é possível calcular o diâmetro do corpo que bloqueia a luz e a distância a que esse planeta se encontra da estrela.
Enquanto a deteção pelo método das velocidades radiais pode ser feita com sucesso a partir da superfície da Terra pois a medição da velocidade da estrela não tem que ser constante, basta proceder a uma medição noite após noite, já o método dos trânsitos exige uma monitorização constante da estrela de modo a detetar os eventuais trânsitos, bem como para estabelecer um padrão de luminosidade da estrela.
E é aqui que entram as sondas CoRot e Kepler.
Em Dezembro de 2006, foi lançada a sonda CoRot (da Agência Espacial Francesa em conjunto com a ESA), destinada a detetar trânsitos de possíveis exoplanetas. Com um telescópio de 30cm, o seu objetivo era monitorizar 120.000 estrelas. Dezenas de planetas foram identificados e centenas de candidatos aguardam confirmação. Após a missão inicial de 3 anos, foi decidido, em Outubro de 2009, prolongar a missão por mais um período de 3 anos, até 13 de Março de 2013. Contudo, esta extensão da missão não chegou ao seu termo, tendo a sonda sido dada como perdida em 12-11-2012, devido a falha do computador de bordo. Isto é um revés? Sim e não. A missão principal da sonda já tinha sido atingida e foi um sucesso.
Em Março de 2009, a NASA lançou a sonda Kepler. Com um telescópio de 95cm equipado com um fotómetro, tem também como missão monitorizar mais de 145.000 estrelas numa região da constelação do Cisne. A missão que inicialmente foi estabelecida para durar 3,5 anos, tem um objetivo mais ambicioso: com o seu telescópio maior e mais sensível, pretende-se detetar planetas com massas e diâmetros semelhantes ao do planeta Terra e, se possível, suficientemente afastados da respetiva estrela, numa zona a que se dá o nome de zona habitável (em que a água possa que eventualmente lá exista, possa coexistir nos 3 estados – sólido, líquido e gasoso).
A missão principal da Kepler foi também um sucesso, tendo sido decidido, em Novembro de 2012, prolongar a missão por mais 4 anos.
Recentemente, a 17 de Janeiro, a missão sofreu um percalço que obrigou à suspensão temporária da missão, enquanto os engenheiros da NASA desenvolviam esforços para minimizar a avaria de uma das rodas que mantêm a orientação da sonda sempre constante. Entretanto, há 3 dias atrás, a NASA anunciou que a sonda retomou a recolha de dados.
No passado mês de Janeiro, a NASA anunciou os resultados obtidos até à data, dando conta de 351 candidatos com diâmetro semelhante ao da Terra (possíveis planetas com diâmetro menor que 1,25 vezes o diâmetro da Terra).
No total, os planetas candidatos identificados pelas duas sondas contam-se pelos milhares e o número de planetas confirmados aproxima-se já do milhar (contagem permanentemente atualizada aqui e aqui).
Os trânsitos identificados por qualquer das duas sondas, são alvo de acompanhamento e verificação (pelo método das velocidades radiais) a partir de telescópios à superfície. Só após uma confirmação por um método diferente se considera que o planeta existe mesmo, deixando de se considerar candidato.
Esta confirmação dos planetas candidatos, obrigou ao desenvolvimento de espectrógrafos mais sensíveis e capazes de efetuar medições com muito maior precisão. Mas isso daria matéria para outra crónica.
Para quem estiver interessado em aprender mais sobre este fascinante tema, recomendo o livro Outras Terras no Universo, dos portugueses Luís Tirapicos, Nuno Cardoso e Nuno Crato, Edições Gradiva 2012.
5 comentários
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Adorei ler o artigo, parabéns.
Author
Obrigado 🙂
Muito bom seu texto.
Um artigo extremamente didático, Rui, e de grato prazer ao ler 🙂
Abraços e parabéns. 🙂
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P.S.: Notando a foto, és um tanto mais jovem do que pensava.
Author
Obrigado Cavalcanti 🙂
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