2 Semanas e 130 Mil Processadores Permitem Simulação Revolucionária dos Primeiros 10 Mili-Segundos de uma Supernova

Pela primeira vez uma equipa de cientistas, liderada por Philipp Mösta, da Universidade da California, em Berkeley, conseguiu simular em computador os processos físicos que se desencadeiam logo após o colapso do núcleo de uma estrela maciça numa supernova. Trata-se de um feito sem precedentes e um enorme avanço na compreensão das supernovas, nomeadamente das que dão origem a explosões de raios gama (gamma ray bursts), um dos fenómenos mais energéticos conhecidos no Universo. Os cálculos necessários para simular os primeiros 10 mili-segundos após o colapso do núcleo numa estrela de neutrões demoraram 2 semanas a completar utilizando um dos maiores supercomputadores do mundo — o Blue Waters, com 130 mil cores (sim, leram bem), no National Center for Supercomputing Applications, na Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign.

Esta imagem mostra uma frame da simulação e representa a forma e a intensidade do campo magnético em torno da estrela de neutrões (escondida por detrás da região vagamente esférica no centro da imagem). Na imagem, o amarelo e o azul claro correspondem às zonas com o campo magnético mais intenso, com polaridades positiva e negativa, respectivamente. Nestas zonas, a intensidade do campo magnético é mil biliões (10^15) de vezes superior ao terrestre. O vermelho e o azul escuro correspondem a zonas em que o campo magnético é mais débil, de polaridades positivas e negativas, respectivamente. A formação de dois jactos alinhados com o eixo de rotação é bem visível. Crédito: Robert R. Sisneros (NCSA) e Philipp Mösta.

Esta imagem mostra uma frame da simulação e representa a forma e a intensidade do campo magnético em torno da estrela de neutrões (escondida por detrás da região vagamente esférica no centro da imagem). Na imagem, o amarelo e o azul claro correspondem às zonas com o campo magnético mais intenso, com polaridades positiva e negativa, respectivamente. Nestas zonas, a intensidade do campo magnético é mil biliões (10^15) de vezes superior ao terrestre. O vermelho e o azul escuro correspondem a zonas em que o campo magnético é mais débil, de polaridades positivas e negativas, respectivamente. A formação de dois jactos alinhados com o eixo de rotação é bem visível. Crédito: Robert R. Sisneros (NCSA) e Philipp Mösta.

As explosões de raios gama foram detectadas pela primeira vez na década de 60 pelos observatórios de raios gama norte-americanos Vela, colocados em órbita da Terra para vigiar eventuais testes nucleares realizados pela URSS e outras nações. A curta duração das explosões — tipicamente alguns minutos — impedia a identificação dos objectos responsáveis pela emissão gama na esfera celeste, pelo que a sua natureza permaneceu um mistério durante décadas. No início da década de 90 havia apenas um consenso crescente de que tinham origem em regiões distantes do Universo. A situação progrediu então rapidamente no virar do século com a entrada em cena de uma armada de observatórios entre os quais o BeppoSAX, uma colaboração entre a Holanda e a Itália, e o SWIFT, da NASA. Os satélites, em especial o SWIFT, detectam explosões de raios gama e, rapidamente, calculam a sua posição precisa, notificando observatórios na Terra para que possam estudar o evento.
Em poucos anos, os astrónomos descobriram que as explosões de raios gama ocorrem durante o colapso gravitacional de estrelas muito maciças, mais abundantes quando o Universo era mais jovem. De facto, em vários casos, os cientistas observaram o aparecimento de uma supernova numa galáxia longínqua na mesma posição onde dias antes havia sido detectada uma explosão de raios gama pelo SWIFT. E descobriram algo mais interessante. A radiação gama observada resultava da propagação de jactos de partículas relativísticas pelas várias camadas de uma estrela moribunda, nos primeiros instantes de uma supernova. Mas, evidentemente, nem todas as supernovas produzem explosões de raios gama. O que teriam estas de especial? E de onde viria a energia colossal necessária para formar os jactos, libertada depois parcialmente sob a forma de raios gama?

Algumas supernovas formam jactos relativísticos que destroem a estrela e dão origem a explosões de raios gama. Os astrónomos têm cada vez mais evidências que sugerem que na origem dos jactos estão campos magnéticos mil biliões de vezes mais intensos do que o campo magnético terrestre. O trabalho de Philipp Mösta e colegas vem demonstrar que, em certas condições, campos magnéticos desta intensidade podem existir nos primeiros instantes de uma supernova e formar jactos relativísticos. Crédito: Bill Saxton, NRAO/AUI/NSF.

Algumas supernovas formam jactos relativísticos que destroem a estrela e dão origem a explosões de raios gama. Os astrónomos têm cada vez mais evidências que sugerem que na origem dos jactos estão campos magnéticos mil biliões de vezes mais intensos do que o campo magnético terrestre. O trabalho de Philipp Mösta e colegas vem demonstrar que, em certas condições, campos magnéticos desta intensidade podem existir nos primeiros instantes de uma supernova e formar jactos relativísticos. Crédito: Bill Saxton, NRAO/AUI/NSF.

Desde muito cedo as suspeitas recaíram sobre os poderosos campos magnéticos que se formam durante o colapso gravitacional do núcleo da estrela, o evento que dá origem à supernova. Se a rotação da estrela de neutrões ou do buraco negro resultante do colapso fosse suficientemente rápida e se o campo magnético na região adjacente tivesse uma intensidade extrema, os cálculos teóricos sugeriam, seria possível a formação dos jactos que dão origem às explosões de raios gama. A dificuldade estava em demonstrar que, nas condições certas, o colapso gravitacional poderia gerar campos magnéticos tão intensos — mil biliões (10^15) de vezes mais intensos do que o da Terra, que move as agulhas nas bússolas e nos protege do vento solar.

É esta a importância do trabalho de Philipp Mösta e dos seus colegas, demonstrando pela primeira vez, com um número de faquir computacional, que este cenário é possível. O processo envolve a energia rotacional da estrela de neutrões e do plasma super-quente que a rodeia, embebidos num campo magnético intenso. A equipa mostrou que, numa região 15 a 35 quilómetros da superfície da estrela de neutrões, as variações na velocidade de rotação do plasma geram turbulência que, por um mecanismo de feedback positivo, amplifica o campo magnético até aos níveis necessários para a formação dos jactos.

[Simulação dos primeiros 10 mili-segundos de uma supernova mostrando a formação do campo magnético intenso necessário à produção dos jactos relativísticos que dão origem às explosões de raios gama observadas em algumas supernovas. Na imagem, o amarelo e o azul claro correspondem a zonas com o campo magnético mais intenso, com polaridades positiva e negativa, respectivamente. O vermelho e o azul escuro correspondem a zonas em que o campo magnético é mais débil, de polaridades positiva e negativa, respectivamente. Crédito: Philipp Mösta.]

O artigo que descreve este trabalho, intitulado “A large scale dynamo and magnetoturbulence in rapidly rotating core-collapse supernovae”, foi publicado no número de 30 de Novembro da revista Nature.

1 comentário

  1. Essas descobertas sempre me intrigam, seja pela novidade ou pelo fato de “podermos” simular isto aqui, mesmo que em

    computadores. Ao mesmo tempo me pergunto, como os cientistas conseguem simular isto, claro que é um computador,

    muito poderoso, nós mortais não teríamos como ter um, mas estas simulações seriam feitas em programas específicos ou

    algo tipo Blender? Curiosidade apenas =D Obrigado pela matéria.

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