O Buraco Negro no Pescoço do Cisne

A constelação do Cisne é uma figura familiar que está lá em cima, no zénite, no início destas noites de Outono. Bem no meio do pescoço da ave, existe um objecto extraordinário, cuja natureza tem atormentado os cientistas desde que foi descoberto, em 1964, por um foguetão transportando detectores de raios X. A importância científica do Cygnus X-1, como é chamado, é atestada pelo facto de, até à data, mais de mil artigos terem sido publicados sobre ele.

Representação artística de um sistema binário de grande massa como o Cygnus X-1. O vento estelar de uma estrela quente e maciça alimenta um disco de plasma em torno de um buraco negro. Uma pequena fracção do plasma do disco é conduzida para jactos alinhados com o eixo de rotação do buraco negro por um poderoso campo magnético. Crédito: ESO/L. Calçada/M.Kornmesser.

Representação artística de um sistema binário de grande massa como o Cygnus X-1. O vento estelar de uma estrela quente e maciça alimenta um disco de plasma em torno de um buraco negro. Uma pequena fracção do plasma do disco é conduzida para jactos alinhados com o eixo de rotação do buraco negro por um poderoso campo magnético.
Crédito: ESO/L. Calçada/M.Kornmesser.

Cygnus X-1, a primeira fonte de raios X descoberta na constelação do Cisne, é um sistema binário formado por uma estrela supergigante azul e um misterioso objecto compacto invisível. Os dois corpos orbitam o centro de massa comum em apenas 5.6 dias, mantendo entre eles uma distância quase constante de 30 milhões de quilómetros. O corpo invisível é um dos melhores candidatos a buraco negro conhecidos na Via Láctea. De facto, as estimativas mais recentes sugerem que terá uma massa de 15 sóis — demasiado para ser uma estrela de neutrões — , a que corresponde um raio de Schwarzschild de apenas 44 quilómetros. Algumas observações sugerem ainda que este buraco negro gira desenfreadamente a metade da velocidade da luz.

A posição do sistema Cygnus X-1 na constelação do Cisne. Créditos: IAU e Sky&Telescope, adaptado pelo autor.

A posição do sistema Cygnus X-1 na constelação do Cisne.
Créditos: IAU e Sky&Telescope, adaptado pelo autor.

O sistema pode ser facilmente localizado junto à estrela η (eta) do Cisne. Para observar a supergigante azul HDE226868, companheira do buraco negro, precisará de uns vulgares binóculos ou de um pequeno telescópio. Com 20 massas solares e uma temperatura superficial de 31 mil Kelvin, esta estrela tem uma luminosidade de 200 mil sóis. No entanto, a distância de 6000 anos-luz e as densas nuvens de poeira interestelar que se interpõem na nossa linha de visão transformam-na numa banal estrela de magnitude 9. Sem a interferência da poeira interestelar, o sistema seria visível a olho nu como uma estrela de magnitude 5!

A posição de Cygnus X-1 (o ponto mais brilhante dentro do círculo vermelho) junto à estrela η (eta) do Cisne. Notem-se as nuvens escuras de poeira da direcção do sistema. Crédito: Digitized Sky Survey.

A posição de Cygnus X-1 (o ponto mais brilhante dentro do círculo vermelho) junto à estrela η (eta) do Cisne. Notem-se as nuvens escuras de poeira da direcção do sistema.
Crédito: Digitized Sky Survey.

Parte do vento estelar intenso que flui continuamente da supergigante azul, é capturado pelo campo gravitacional do buraco negro, formando em torno deste um disco de material com um raio estimado em 15 mil quilómetros. O plasma (gás ionizado) é então acelerado pelo campo gravitacional, atingindo velocidades orbitais muito elevadas, e a fricção aquece-o até temperaturas de milhões de graus. Os raios X provenientes do Cygnus X-1 são emitidos precisamente por plasma fortemente ionizado na região mais interior e quente do disco, um último suspiro da matéria antes de atravessar o horizonte de eventos do buraco negro, a superfície de não retorno.

A frente de choque provocada pelos jactos que emanam de Cygnus X-1 (arco azul com forma aproximadamente parabólica acima do centro da imagem). A estrela HDE226868 é a mais brilhante do par visível no centro da imagem. Créditos: T.A. Rector (University of Alaska Anchorage) e H. Schweiker (WIYN and NOAO/AURA/NSF). Fonte: NOAO

A frente de choque provocada pelos jactos que emanam de Cygnus X-1 (arco azul com forma aproximadamente parabólica acima do centro da imagem). A estrela HDE226868 é a mais brilhante do par visível no centro da imagem.
Créditos: T.A. Rector (University of Alaska Anchorage) e H. Schweiker (WIYN and NOAO/AURA/NSF).
Fonte: NOAO

O plasma em movimento dá origem a um campo electromagnético poderoso que envolve o disco por completo e condiciona a sua estrutura. A influência deste campo é tão forte que consegue mesmo arrancar algum material às garras do buraco negro, forçando-o a escapar pelos pólos sob a forma de dois jactos colimados. Os jactos atravessam o espaço a velocidades relativísticas até encontrarem gás e poeiras interestelares, altura em que são forçados a abrandar formando uma frente de choque que brilha com a energia por eles dissipada. Esta frente de choque é bem visível na foto anterior, obtida com o telescópio Mayall de 4 metros, do Observatório de Kitt Peak nos EUA, bem como na foto seguinte, obtida por um astrónomo amador.

Diagrama mostrando o sistema Cygnus X-1 e a frente de choque provocada pelos jactos que emanam da vizinhança do buraco negro. Fonte: Emily Richards

Diagrama mostrando o sistema Cygnus X-1 e a frente de choque provocada pelos jactos que emanam da vizinhança do buraco negro.
Fonte: Emily Richards

A discussão sobre a natureza do companheiro invisível de Cygnus X-1, dentro da comunidade científica, assumiu particular notoriedade durante os anos 70 e 80 do século XX. Em 1975 foi mesmo alvo de uma brincadeira entre dois físicos de renome — Stephen Hawking e Kip Thorne. Hawking e Thorne fizeram uma aposta agora famosa sobre se Cygnus X-1 albergava ou não um buraco negro. Hawking apostou no “não”: se vencesse recebia 4 anos de subscrição da revista Private Eye. Thorne apostou no “sim”: se vencesse recebia 1 ano de subscrição da revista Penthouse. Hawking, certamente feliz, deu a aposta como perdida em 1990, quando os indícios a favor do buraco negro, objectos a cujo estudo dedicou grande parte da sua vida, eram já completamente convincentes.

1 comentário

  1. Me passou pela minha imaginação que, se o objeto lança 2 jatos de material sugado da imensa estrela estacionada ao lado, em lados opostos, provavelmente não se pode afirmar ser realmente um buraco negro, mais sim um outro tipo de singularidade cósmica, espantoso não!!

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