A Trégua Tão Esperada

Depois de três semanas de um tempo deprimente mas muito preciso, já trepava pelas paredes quando, de repente, no passado dia 20, a chuva deu tréguas. Apesar de algum cansaço, não hesitei pois sabia que me sentiria ainda pior se não aproveitasse a noite. Ao fim da tarde, fiz os 80 km que me separavam do meu local de observação habitual levando comigo um refletor newtoniano de 152mm f/5, uma câmara ZWO ASI 178MM, uma montagem Vixen GP-DX e um sortido de outra tralha. Estava um belo fim de tarde com uma luz quente que contrastava com o frio que já se fazia sentir — de madrugada chegaria aos -1ºC. Depois de algumas peripécias na preparação do material e com luzes de vizinhos, por volta das 21h30m comecei a fotografar. Desta feita usei a ASI 178MM em modo bin 1×1 e sub-exposições de 2 minutos, com os parâmetros gain e offset em 210 e 70, respectivamente. Seguem-se algumas das imagens resultantes, todas elas correspondendo a exposições totais de 1 hora.

NGC 2903

Situada a 26 milhões de anos-luz, na direcção da constelação do Leão, NGC 2903 é uma galáxia espiral barrada de belo efeito. Com magnitude 10 e um brilho superficial elevado, tem uma aparência espectacular mesmo quando observada visualmente, especialmente em telescópios de maior abertura. Para mim, é um cromo repetido: já tinha fotografado NGC 2903 com outra câmara mas quis voltar a ela para ter um termo de comparação. A região central dos braços espirais apresenta uma estrutura muito rica que resulta da actividade frenética de formação de novas estrelas, que na NGC 2903 é muito mais intensa do que na Via Láctea. Na região central da galáxia foram detectados enxames recém formados semelhantes, em número de estrelas e em densidade, aos enxames globulares da Via Láctea.

Messier 99

Messier 99 é uma das galáxias mais espectaculares da região central do Enxame da Virgem. Situada a cerca de 55 milhões de anos-luz, na direcção da constelação da Cabeleira de Berenice (contígua à da Virgem), a galáxia apresenta uma delicada estrutura espiral que é visualmente aparente mesmo em telescópios de pequena abertura. Os braços espirais apresentam muita estrutura e são ricos em maternidades estelares. Aqui, também, o ritmo de formação de novas estrelas é muito elevado, provavelmente estimulado por perturbações gravitacionais induzidas por galáxias vizinhas. A extensão anormal de um dos braços espirais da Messier 99, característica que a torna facilmente reconhecível em fotografias, poderá ser evidência de que a galáxia sofreu um destes episódios nos últimos milhões de anos.

Messier 64

Messier 64 está situada a cerca de 18 milhões de anos-luz na direcção da constelação da Cabeleira de Berenice. A galáxia pertence a um pequeno grupo que inclui também Messier 94, na constelação adjacente dos Cães de Caça, e que se situa entre nós e a região central do Enxame da Virgem. Trata-se de uma espiral com um núcleo de brilho intenso e braços espirais fechados e subtis, de brilho quase uniforme. A mancha negra peculiar devida a uma massa de nuvens de poeira interestelar, bem visível mesmo em telescópios pequenos, valeu-lhe o nome popular de “Galáxia do Olho Negro”.

Messier 51

Situada a 25 milhões de anos-luz, junto a Alkaid, a estrela no fim da cauda da Ursa Maior, Messier 51 é, na realidade, um objecto composto por duas galáxias: NGC 5194 e NGC 5195. A primeira é uma belíssima espiral (em cima) ao passo que a segunda (em baixo) é uma galáxia amorfa situada por detrás da extremidade de um dos braços da espiral. Os astrónomos pensam que a simetria dos braços espirais da NGC 5194 se deve à interacção gravitacional mútua. De resto, na imagem são visíveis caudas de material que se estendem a partir de NGC 5195 e que são marcas inequívocas destas interacções.

NGC 5907

Duas vezes mais distante do que Messier 51, mesmo ali ao lado na abóboda celeste mas já na constelação do Dragão, NGC 5907 é uma galáxia espiral vista quase de perfil. Faz parte de um pequeno grupo de galáxias designado por LGG396 que inclui também a galáxia lenticular NGC 5866, por vezes identificada com Messier 102. A estrutura complexa das nuvens de poeira interestelar no plano dos braços espirais é evidente, bem como o núcleo central e brilhante. Com uma magnitude aparente de 11, a galáxia pode ser facilmente observada com telescópios de abertura modesta.

Em Messier 51 e na NGC 5907 foram recentemente descobertos sistemas binários com uma luminosidade extraordinária em raios-X. Designados de ULXs (Ultra-Luminous X-ray sources) os astrónomos pensaram inicialmente tratar-se dos primeiros exemplos de uma população de buracos negros com massas intermédias de algumas centenas ou milhares de sóis. Só assim parecia possível explicar as luminosidades observadas dos ULXs. No entanto, descobertas recentes mostraram, nestes dois casos e noutros, que afinal se trata de sistemas binários compostos por uma estrela normal e uma estrela de neutrões. Através de um mecanismo não compreendido, mas que parece envolver campos magnéticos particularmente poderosos, as estrelas de neutrões conseguem capturar mais material proveniente das estrelas companheiras e emitir mais radiação do que se pensaria ser a priori possível.

A noite terminou em grande com a observação de uma estrela nova de primeira magnitude, descoberta havia poucas horas, na constelação do Sagitário. E daí talvez não

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