Como vencer o vírus?

Créditos: EPA / NIAID

Gostei de ler este artigo escrito por Paulo Ferreira, João Nogueira e Ganna Rozhnova, publicado no dia 31 de Março de 2020.

Realço estes excertos:

“Imagine a nossa vida há uns meses. Trabalhar, ir à escola, tomar um café, visitar família e amigos. Nos últimos dias temos uma vida muito diferente. Contudo, se ainda não interiorizou totalmente este processo de distanciamento social, poderá verificar ao longo deste artigo que a contenção não só tem que existir, como terá que ser firme, eficaz e acentuada. De facto, de acordo com o nosso modelo, para gerir a epidemia é necessária uma redução de contactos sociais susceptíveis de transmissão do vírus de pelo menos 85%. Vamos ver porquê.

Há mais de 100 anos, a 30 de Maio de 1919, publicava-se na revista científica Science um artigo com o título “As lições da pandemia”. Esta pandemia, associada à gripe de 1918, e frequentemente denominada “gripe espanhola” ou “peste pneumónica”, foi causada por uma estirpe do vírus influenza que contaminou mais de 500 milhões de pessoas (27% da população mundial na época) e estimando-se ter feito milhões de vítimas mortais em todo o mundo. Nessa publicação foram descritos três fatores que promoveram o contágio: 1) indiferença por parte da população, isto é, as pessoas não tinham a consciência do risco que corriam; 2) características das medidas a implementar, em particular, a dificuldade em eliminar os vestígios de contaminação deixados pelo vírus; e 3) período de incubação variável durante o qual uma pessoa qualquer podia transmitir o vírus sem o saber.

Um século depois a situação com a pandemia associada ao vírus SARS-CoV-2 que causa a doença Covid-19 não é muito diferente. Trata-se igualmente de uma infeção respiratória, mais contagiosa do que a gripe de 1918 e acelerada hoje pela mobilidade da população à escala global.
(…)
Neste sentido, dadas as características de transmissão do vírus por contacto direto ou indireto entre humanos, a única solução imediata é adotar medidas de contenção social acentuadas.
(…)
Para a nossa estimativa, consideramos os casos identificados em Portugal entre os dias 2 de Março (quando foram identificados os primeiros casos) e 18 de Março (quando foi declarado o estado de emergência), e entre 19 de Março e 28 de Março (após o estado de emergência até ao momento), aos quais ajustamos o modelo.
(…)
Como a única solução para controlar a epidemia no curto prazo é diminuir Re para valores inferiores a 1, o nosso modelo indica que é necessária uma redução de contactos sociais susceptíveis de transmissão do vírus em pelo menos 85%.
(…)
Com esta redução, o pico seria atingido a 11 de Abril com um número de casos confirmados ativos de 12029.
(…)
O desafio que temos pela frente é gerir esta necessidade de cuidados hospitalares através de medidas de prevenção de transmissão, com o menor impacto possível nas nossas vidas, enquanto ganhamos tempo até que uma vacina ou cura estejam disponíveis para todos. Após controlada a epidemia em Portugal, teremos que nos manter vigilantes e continuar a gerir as nossas interações com o exterior para evitar novo surto. (…)”

Créditos: Ganna Rozhnova, João Nogueira e Paulo Ferreira

Realmente existiu uma redução significativa dos contatos sociais, o que fez com que os valores com distanciamento social sejam sensivelmente os que foram estimados: a 11 de Abril, os casos confirmados ativos, são 15251.

A diferença das estimativas para os valores reais está no facto dos contatos sociais não terem sido reduzidos tanto como se pretendia, já que a economia (e apoios sociais) tem que continuar a funcionar, pelo menos minimamente.
Como o modelo que se utiliza para fazer as estimativas depende das condicionantes que assumimos inicialmente, a redução um pouco inferior dos contatos levou a que os valores finais tivessem sido um pouco superiores.

Créditos: Ganna Rozhnova, João Nogueira e Paulo Ferreira

Note-se que a diferença das curvas (e nos picos mais tarde ou mais cedo) entre os dois gráficos se deve ao Re (valor efetivo de reprodução): uma redução de 75% nos contatos sociais com Re superior a 1 (1 pessoa infeta mais do que 1 outra pessoa) dava um pico a 30 de Junho; uma redução de 90% nos contatos sociais com Re inferior a 1 (1 pessoa infeta menos do que 1 outra pessoa) dava um pico a 11 de Abril.

Os valores de 11 de Abril reais não foram os que se previam, porque a taxa de contenção/confinamento no início não foi de 90%, mas sim menor. O que levou a uma taxa de crescimento superior ao esperado no início.

Isto também leva a prever que se a taxa de confinamento decrescer (existirem menos regras de distanciamento social) e se as pessoas deixarem de ter as regras pessoais atuais (lavar as mãos frequentemente, etc), o que se espera é que a curva de infetados ativos cresça novamente.

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