Potencial tratamento brasileiro

Créditos: Miguel MEDINA / AFP

Como já expliquei neste artigo, existe mais de uma centena de pesquisas em potenciais tratamentos contra a COVID-19. Todos os dias lemos notícias de mais um “tratamento promissor”.
É preciso muito cuidado com estas notícias. Sobretudo se só tiverem “evidências in vitro“. Não existe qualquer evidência de eficácia em humanos. O que quer dizer que a pesquisa está numa fase muito inicial. Tão inicial que qualquer resultado parece ser positivo. Daí que muito provavelmente (em termos probabilísticos), estas pesquisas não terão sucesso no final.

Por exemplo, ainda hoje vi na CNN que o medicamento anti-viral Remdesivir foi administrado a doentes graves (internados e nos cuidados intensivos) de COVID-19, e a grande maioria deles melhorou (ao ponto de deixarem o hospital). Aliás, este medicamento também foi administrado a doentes em estado muito grave que estavam no navio-cruzeiro Diamond Princess e também eles recuperaram.
Assim, tudo aponta para que este medicamento seja excelente, certo? Vejam lá que os testes nem sequer são in vitro, mas sim em humanos!
Mas não! O grande problema é que apesar de os testes já serem em Humanos e os resultados serem muito promissores, a verdade é que a amostra de doentes ainda é extremamente pequena (pouco mais de 50) e não existe um estudo realmente científico: existem maioritariamente testemunhos de médicos que utilizaram esse medicamento em doentes e esses doentes recuperaram. Evidência testemunhal não serve em ciência. Daí ser preciso fazer um estudo realmente científico, duplamente cego, com uma amostra significativa de doentes.

Vem isto a propósito de um novo tratamento que está a ser desenvolvido por investigadores brasileiros (do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, em Campinas).
Os investigadores testaram 2000 medicamentos com um programa de computador, vendo se conseguiam manipular uma enzima de modo a travar a replicação do vírus. 6 desses medicamentos tiveram sucesso na simulação computacional.
Assim, esses 6 foram depois testados in vitro. Um deles mostrou ter 94% de eficácia, in vitro, contra o novo coronavírus.

Agora o potencial tratamento vai entrar na fase de testes clínicos em 500 pacientes com Covid-19.
Os 7 hospitais que realizarão os testes são do Rio de Janeiro (5), São Paulo e Brasília. Os testes terão que ser duplamente cegos: metade dos pacientes serão tratados com o medicamento e os outros serão tratados com um placebo; nem médico nem paciente saberão se estão a dar/receber o medicamento ou o placebo. No final, os investigadores irão analisar os resultados: se os que receberam o tratamento realmente ficaram curados (de forma eficaz e sem efeitos adversos). E, em caso de sucesso, qual será a dosagem ideal.

Se realmente este tratamento tiver sucesso, será fantástico!
Mas novamente, é preciso refrear os ânimos.
Grande parte dos tratamentos a ser desenvolvidos passaram esta fase, e ou não têm resultados ou os resultados goraram as expectativas.
Por exemplo, a cloroquina, de que tanto se fala, teve sucesso em testes in vitro. Mas os testes em humanos têm tido como resultado, pacientes com agravamento de problemas colaterais.

Daí o Ministro brasileiro não ter divulgado o nome do remédio que estão a testar.
Porque isso poderia dar falsas esperanças e muito provavelmente iria provocar uma corrida às farmácias por algo que pode ter graves efeitos adversos.

No entanto, ele disse que esperava ter esta ferramenta para combater a pandemia, em meados de Maio.
Isto parece-me um prazo incrivelmente curto. Não é só um otimismo extremo (de tudo dar certo e muito rapidamente). É que mesmo que o sucesso fosse rápido, este intervalo de tempo é, decididamente, irrealista.

Também não entendi porque ele disse que iria ter esse medicamento para combater a epidemia… no Brasil.
Se o tratamento realmente tiver sucesso, será avaliado por investigadores de todo o mundo (em ciência, são necessárias confirmações independentes). E se o sucesso fôr confirmado, então o tratamento será aplicado pelo mundo todo. Não será, nem deveria ser, só no Brasil.
Tal como se fôr uma empresa americana ou alemã ou australiana, etc, a desenvolver um tratamento eficaz, esse tratamento não será só para os pacientes nesse país.

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