Repensar a educação escolar

O psicólogo Eduardo Sá deu uma entrevista muito interessante ao Observador, aqui.

Alguns excertos:

“Um bom jardim-de-infância é meio caminho andado para uma escolaridade tranquila.
Depois, as crianças não precisam de estar tanto tempo na escola para aprenderem. Mais tempo de escola não é, obrigatoriamente, melhor tempo.
Pelo contrário, as crianças precisam de muito mais tempo de recreio.
Crianças mais empanturradas em conhecimento são crianças que pensam menos.
Temos de perceber o que queremos, efetivamente, da escola. Se queremos, ou não, uma linha de jovens tecnocratas de sucesso. Acho ótimo que possamos ir por aí, mas jovens assim não são pessoas singulares, são produtos normalizados. E era muito bom que as pessoas percebessem que aquilo que se fala aí pomposamente como mercado vai escolher as pessoas singulares, criativas.”

“Continuamos a favorecer um sistema educativo que premeia fundamentalmente os miúdos que repetem aos que recriam. É um bocado esquizofrénico, quase, porque nós castigamos os que copiam e premiamos os que repetem como se as duas coisas não fossem faces de uma mesma moeda.”

“(…) é fundamental que se perceba que a família é mais importante do que a escola e que brincar é, pelo menos, tão importante como aprender.”

“A partir do momento em que as crianças chegam a casa, estão obrigadas a brincar. Brincar faz bem à saúde e é obrigatório brincar todos os dias. ”

“Trabalhos de casa em formato XXL, que se fazem entre o banho e o jantar, já com as crianças muito cansadas… pergunto-me qual será a mais-valia ou o objetivo deles. A maior parte dos trabalhos de casa são uma forma rápida para que as crianças passem a ter um ódio de estimação pela escola.
Não sou radicalmente contra os trabalhos de casa, mas era bom que o trabalho fosse ir ao supermercado com a mãe, ou com o pai, e fazer os trocos (e outras coisas do género). Ou seja, trazermos a escola da vida para dentro da escola.”

“Nós, às vezes, somos poucos tolerantes para com os erros das crianças e esquecemo-nos que errar é aprender.
Depois de as crianças serem honestas e humildes, acho importante que elas sejam afoitas, mas que, ainda assim, estejam autorizadas a errar. Uma criança que não erra não é um bom aluno, é uma criança que se vai fragilizando à conta de boas notas.”

“Eu adoraria que nós fossemos capazes de, em conjunto, organizar um sistema educativo onde as crianças fugissem para a escola.”

“As crianças saudáveis não têm 5 a tudo. Ao contrário do que os pais pensam, as crianças saudáveis são acutilantes, curiosas, têm a vista na ponta dos dedos e perguntam “porquê”.
É tão estranho que as crianças, até entrarem nas escolas, estejam constantemente na idade dos “porquê” e, assim que entram, parecem sair precipitadamente dela — a escola devia ser quem mais incentiva o “porquê”.
Os pais devem, no fundo, ter a noção de que as crianças saudáveis podem não perceber de uma matéria, gostar dela ou até não gostar de um professor.
Eles não podem aceitar a ideia de que crianças saudáveis são as que têm sempre um comportamento irrepreensível. Isso não é razoável, nada na vida é assim. Os bons filhos são aqueles que nos trazem problemas, porque nós aprendemos à medida que os resolvemos.”

“Preocupa-me que não se dê espaço para ser-se filho e ser-se criança. É inquietante e estúpido.
Crescer é uma receita razoavelmente simples: dar o mais possível de colo, um q.b de autoridade e o mais possível de autonomia.”

“A escola é fantástica, mas os pais têm de perceber que é fantástica por vários motivos: pelo que se aprende nas aulas, no recreio e no caminho para a escola.”

“A vida ocupa espaço. Namorar é das coisas que ocupa mais tempo, bem como as relações de amizade; aquilo que é importante na vida são as relações pessoais.
É ótimo que os pais deem importância à vida social dos filhos, mas que não se intrometam nela.
É grave quando os pais, à custa da vida social dos filhos, não tenham fins de semana. Mais importante são as relações amorosas dos pais. A agenda social dos filhos ajuda a que, muitas vezes, estes se divorciem.”

“Acho importante que constatemos as dificuldades das crianças, mas que não nos ponhamos a medicar com mão leve como se elas tivessem de ser irrepreensíveis.
Uma criança com várias horas de aulas, poucas de recreio e pouca atividade física é seguramente mais distraída.”

Leiam todo o artigo, aqui.

Algumas destas opiniões vão de encontro a alguns estudos sobre educação, que fui lendo ao longo dos meus anos de doutoramento.

Por exemplo:
– Aprende-se muito a brincar.
– As brincadeiras entre crianças devem ser feitas sem a supervisão de um adulto, de modo às próprias crianças aprenderem a se relacionarem entre elas, a negociarem as regras sociais.
– É preciso dar tempo para os alunos pensarem nos trabalhos de casa, em vez de fazerem as coisas automaticamente, sem pensar.
– Errar é aprender. O erro não é uma coisa negativa, como socialmente se julga.
– Os trabalhos escolares deviam ter ligação com o dia-a-dia das crianças.

1 comentário

    • Jonathan Malavolta on 30/04/2021 at 01:19
    • Responder

    Tem coisa aí que me fez sentir orgulho por ter criado meu filho caçula, ao invés de ter me intrometido em sua vida privada (inclusive social). Infelizmente, só vim saber da existência de meu filho mais velho (com um ex namorada) quando este já estava adulto.
    Tem coisa aí que me faz sentir cada vez mais nojo, asco e quiçá ódio literalmente visceral e mortal de meu genitor, percebo o quão ele nos “criou” errado (a mim e a minha irmã caçula).

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