História das vacinas mRNA

Um dos argumentos dos anti-vacinas é que a vacina baseada na tecnologia mRNA (Pfizer e Moderna) é demasiado recente.
Ora, já explicamos no passado (aqui e aqui) que não é bem assim: a tecnologia mRNA já existe há algumas décadas.

As vacinas não “caíram do céu”, por milagre, num determinado dia.
Existe toda uma história de desenvolvimento, durante décadas, feita por centenas de investigadores, um pouco por todo o mundo.

A história das vacinas com base em tecnologia mRNA é semelhante à história da ciência: existiram muitos estudos e experiências durante muito tempo, existiram muitos resultados positivos e vários outros negativos – e todos eles permitiram o avanço no conhecimento, na ciência e na tecnologia.

Excerto das notas de Robert Malone feitas no seu laboratório em 1989, quando sintetizou o mRNA para injetar em ratos.
Crédito: Robert Malone

O RNA mensageiro foi descoberto em 1961.

A investigação sobre como o mRNA é transmitido para as células foi desenvolvida na década de 1970.

Em 1987, Robert Malone realizou uma experiência crucial: misturou filamentos de RNA mensageiro com gotículas de gordura, criando uma “sopa molecular”. Depois, mergulhou células humanas nesta sopa genética. As células humanas absorveram o mRNA, e começaram a produzir proteínas.
Percebendo que esta descoberta poderia ter implicações médicas, Malone escreveu que poderia ser possível utilizar o mRNA como um medicamento.

Durante muitos anos, foram realizadas experiências para conseguir ter sucesso.
No entanto, após muitos anos e muito dinheiro despendido, os resultados não foram positivos.
Dezenas de laboratórios e de empresas trabalharam nesta ideia, mas tiveram pouco sucesso para encontrarem o equilíbrio perfeito entre gorduras e ácidos nucleicos.

Mas passo a passo, após muitos insucessos (que permitem ter mais conhecimento), as experiências realizadas por centenas de investigadores durante 30 anos começaram a ter resultados muito positivos.

Crédito: Nik Spencer / Nature.
Adaptado: U. Şahin et al. Nature Rev. Drug Discov. 13, 759–780 (2014) & X. Hou et al. Nature Rev. Mater. https://doi.org/gmjsn5 (2021).

As primeiras vacinas com esta tecnologia mRNA foram testadas em ratos, para o vírus da gripe, na década de 1990.

No entanto, as vacinas com esta tecnologia mRNA degradavam-se muito depressa. Por isso, as empresas que desenvolviam esta tecnologia passaram a investir noutras tecnologias (que não o mRNA).
Assim, os investigadores não colocavam muita esperança nesta tecnologia para as vacinas.

Mas em 1997, Eli Gilboa, um imunologista que trabalhava com doenças cancerosas, teve sucesso ao atacar tumores com tratamentos com base no mRNA.
Isso inspirou algumas empresas, como a CureVac e a BioNTech a investirem no mRNA para prevenir e tratar doenças.

Os imunologistas Özlem Türeci e Uğur Şahin, que são casados, só conseguiram criar a BioNTech em 2008.
Somente em 2007 é que conseguiram convencer alguns investidores a apostarem nesta tecnologia.
Durante anos, acreditaram nessa tecnologia, mas ninguém apostava/investia neles para criarem vacinas com a tecnologia mRNA.

Nessa altura, em que a tecnologia já estava mais fundamentada, outras empresas começaram a apostar nessa tecnologia. Passou a existir mais dinheiro/investimento nesta tecnologia.
Assim, por essa altura, outras empresas/laboratórios brotaram para realizar inúmeras experiências relacionadas com a tecnologia mRNA.

Mesmo assim, o caminho para o sucesso, fez-se de muitas experiências falhadas, de imensos resultados negativos e de vários insucessos de financiamento.

As primeiras vacinas contra a raiva, baseadas nesta tecnologia, foram testadas em humanos em 2013.

A prevenção de doenças infecciosas foram o passo natural seguinte, para as vacinas mRNA.
No início do ano 2020, a Moderna tinha 9 vacinas com base na tecnologia mRNA preparadas para serem injetadas em pessoas (para a fase de experiências com humanos). Dessas, só 1 teve sucesso. E foi adaptada ao novo coronavírus, que provocava a COVID-19, mal se conseguiu sequenciar o genoma do vírus.

A pandemia em 2020 levou a um enorme incremento no financiamento para se desenvolver uma vacina contra o SARS-CoV-2.
Alguns laboratórios de investigação médica receberam financiamento para desenvolverem uma vacina contra a COVID-19 baseada na tecnologia mRNA.

Essa investigação utilizou os últimos avanços na nanotecnologia para entregar a informação e para desenvolver nanopartículas lipídicas.
As primeiras vacinas mRNA que utilizaram os avanços da nanotecnologia foram desenvolvidas contra o mortal vírus do Ébola.

As vacinas contra o SARS-CoV-2 foram o passo seguinte, natural, neste desenvolvimento de vacinas com tecnologia mRNA.
Os testes mostraram que estas vacinas são bastante eficazes e seguras.

O próximo passo é utilizar esta tecnologia mais eficaz e segura que a tradicional, de modo a desenvolver vacinas contra a gripe e outras doenças respiratórias.
A empresa Moderna também está a tentar desenvolver uma vacina contra o HIV, que provoca a SIDA.

Derrick Rossi (esquerda) e Stéphane Bancel (direita), da Moderna.
Crédito: Derrick Rossi; Adam Glanzman/Bloomberg/Getty

Leiam este artigo muito interessante sobre a história do desenvolvimento das vacinas com base na tecnologia mRNA.

O artigo termina, defendendo que este desenvolvimento científico merece o Prémio Nobel, mas é difícil dizer quem serão as pessoas a receber esse prémio.
É que o crédito desta tecnologia pertence a centenas, quiçá milhares, de investigadores durante várias dezenas de anos. Toda a gente incrementou um pouquinho mais de conhecimento a esta tecnologia.

Özlem Türeci (esquerda) e Uğur Şahin (direita) criaram a BioNTech.
Crédito: BioNTech

1 comentário

    • Jonathan Malavolta on 29/12/2021 at 01:41
    • Responder

    Penso que, se alguém merece o Nobel por essa tecnologia, que sejam as pessoas que primeiro a desenvolveram:
    1. Os descobridores do mRNA em 1961 (caso exista algum vivo, e eu penso que sim);
    2. Robert Malone, por seus feitos memoráveis em laboratório;
    3. O casal fundador da BioNTech.
    Eis 3 exemplos de possíveis concorrentes ao Nobel de Fisiologia por essa descoberta (ou quem sabe Nobel de Química, já que esta influencia diretamente a Fisiologia).

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