ESO: Astrónomos observam nascimento de enxame de galáxias no Universo primordial

Com o auxílio do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), do qual o ESO é um parceiro, uma equipa de astrónomos descobriu um vasto reservatório de gás quente no enxame de galáxias ainda em formação em torno da galáxia Teia de Aranha — trata-se da mais distante detecção de gás quente efectuada até à data. Os enxames de galáxias são uns dos maiores objetos conhecidos no Universo e este resultado, publicado na revista Nature, revela-nos quão primordiais são de facto estas estruturas.

Esta imagem mostra o protoenxame em torno da galáxia Teia de Aranha (conhecida pelo nome formal de MRC 1138-262), observado quando o Universo tinha apenas 3 mil milhões de anos. A maior parte da massa do protoenxame não se encontra nas galáxias que vemos no centro da imagem, mas sim no gás que existe no meio intraenxame. Podemos ver o gás quente deste meio sob a forma de uma nuvem azul sobreposta à imagem. O gás quente foi detectado pelo Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), do qual o ESO é um parceiro. Quando atravessa o meio intraenxame, a radiação cósmica de fundo de microondas — uma radiação vestígio do Big Bang — ganha energia ao interagir com os electrões do gás quente. Trata-se do chamado efeito Sunyaev-Zeldovich e, ao estudar este efeito, os astrónomos conseguiram determinar a enorme quantidade de gás quente que existe no meio intraenxame, mostrando assim que o protoenxame Teia de Aranha está no processo de se tornar num enxame massivo ligado pela sua própria gravidade.
Créditos: ESO/Di Mascolo et al.; HST: H. Ford

Os enxames de galáxias, tal como o nome sugere, são constituídos por um enorme número de galáxias, que pode chegar a vários milhares. Estas estruturas contêm ainda um imenso meio “intraenxame” gasoso que permeia o espaço entre as galáxias do enxame. Este gás tem consideravelmente mais massa do que as galáxias propriamente ditas. Muita da física dos enxames de galáxias é bem conhecida; no entanto observações das fases mais primordiais da formação do meio intraenxame ainda são escassas.

Esta imagem mostra o protoenxame em torno da galáxia Teia de Aranha (conhecida pelo nome formal de MRC 1138-262). A luz que vemos na imagem mostra as galáxias numa altura em que o Universo tinha apenas 3 mil milhões de anos. A maior parte da massa do protoenxame não se encontra nas galáxias, mas sim no gás que existe no meio intraenxame. Devido à enorme massa do gás, este protoenxame está no processo de se tornar num enxame massivo ligado pela sua própria gravidade.
Créditos: ESO/H. Ford

Anteriormente, este meio só tinha sido estudado em enxames de galáxias próximos e completamente formados. Contudo, detectar o meio intraenxame em protoenxames distantes, isto é, em enxames de galáxias ainda a formar-se, permite aos astrónomos observar estas estruturas nas suas fases de formação iniciais. Uma equipa liderada por Luca Di Mascolo, autor principal deste estudo e investigador na Universidade de Trieste, Itália, pretendeu detectar o meio intraenxame num protoenxame do Universo primordial.

Os enxames de galáxias são tão massivos que atraem gás que cai na direção do enxame e que, consequentemente, aquece.

Elena Rasia, investigadora no Instituto Nacional de Astrofísica italiano (INAF), em Trieste, e co-autora do estudo, disse:

Há mais de uma década que simulações cosmológicas prevêem a presença de gás quente em protoenxames, no entanto, a confirmação observacional destas previsões tem faltado. Pretendendo obter tal confirmação observacional importante, seleccionámos cuidadosamente um dos mais promissores candidatos a protoenxame.

 

LEGENDA: Com o auxílio do ALMA, uma equipa de astrónomos detectou um vasto reservatório de gás quente no enxame de galáxias ainda em formação em torno da galáxia Teia de Aranha — trata-se da mais distante detecção de gás quente efectuada até à data. Este resultado revela-nos quão primordiais são de facto estas estruturas. Créditos: ESO

Dirigido por: Angelos Tsaousis and Martin Wallner
Edição: Angelos Tsaousis
Suporte técnico: Gurvan Bazin and Raquel Yumi Shida.
Roteiro: Rory Harris & Jonas Enander
Música: Stellardrone — Fermi Paradox [ ver nota 1 ]
Imagens: ESO, M. Kornmesser, L. Calçada, ESO/C. Malin (christophmalin.com), ESO/B. Tafreshi (twanight.org)
Consultores Científicos: Paola Amico and Mariya Lyubenova.

Trata-se do protoenxame Teia de Aranha, localizado numa época em que o Universo tinha apenas 3 mil milhões de anos. Apesar de ser o protoenxame mais estudado, a presença do meio infraenxame tem-se mantido elusiva. A descoberta de um grande reservatório de gás quente no Teia de Aranha indicaria que o sistema estaria a caminho de ser tornar um enxame de galáxias propriamente dito e duradouro ao invés de se dispersar.

A equipa de Di Mascolo detectou o meio intraenxame do protoenxame Teia de Aranha usando um efeito térmico chamado Sunyaev-Zeldovich (SZ). Este efeito ocorre quando a radiação cósmica de fundo de microondas — uma radiação vestígio do Big Bang — passa pelo meio intraenxame e interage com os electrões do gás quente que se deslocam a altas velocidades, o que faz com que a sua energia aumente um pouco e a sua cor, ou comprimento de onda, varie ligeiramente. Di Mascolo afirmou:

Nos comprimentos de onda adequados, o efeito SZ aparece-nos como um efeito de sombra do enxame de galáxias na radiação cósmica de fundo.

 

LEGENDA: Esta animação mostra como é que os fotões —partículas de luz — interagem com o gás quente no distante protoenxame em torno da galáxia Teia de Aranha. Os fotões da radiação cósmica de fundo de microondas  — uma radiação vestígio do Big Bang — estão representados por traços de luz amarela-avermelhada que percorrem o espaço em direções aleatórias. As galáxias existem no seio de uma nuvem massiva de plasma, com electrões livres a movimentarem-se muito depressa no seu interior. Os fotões da radiação cósmica de fundo interagem com os electrões do gás quente, ganhando um pouco de energia no processo. Como resultado, os seus comprimentos de onda, ou “cores” variam ligeiramente, o que mostramos aqui com os traços de luz azuis. É o chamado efeito Sunyaev-Zeldovich e os astrónomos utilizaram este efeito para estudar a distribuição de gás quente no protoenxame Teia de Aranha, com o auxílio do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA). A distribuição de gás quente medida é mostrada no final da animação como a nuvem azul sobreposta à imagem com as galáxias no fundo. Créditos: ESO/L. Calçada; Di Mascolo et al.; HST: H. Ford

Ao medir estas sombras na radiação cósmica de fundo, os astrónomos conseguem assim inferir a existência de gás quente, estimar a sua massa e mapear a sua forma. Conforme Di Mascolo:

Graças à sua resolução e sensibilidade sem paralelo, o ALMA é a única infraestrutura atual capaz de levar a cabo tais medições nos progenitores distantes de enxames massivos.

 

LEGENDA: Esta impressão artística mostra a formação de um enxame de galáxias no Universo primordial. As galáxias formam vigorosamente novas estrelas e interagem umas com as outras. Esta imagem parece-se com a Galáxia da Teia de Aranha (conhecida pelo nome formal de MRC 1138-262) e seus arredores, cujo protoenxame é um dos melhor estudados. Créditos: ESO/M. Kornmesser

Os investigadores determinaram que o protoenxame Teia de Aranha contém um vasto reservatório de gás quente com uma temperatura de algumas dezenas de milhões de graus Celsius. Tinha sido já detectado anteriormente neste protoenxame gás frio, no entanto a massa de gás quente encontrada neste novo estudo é muito superior, da ordem de milhares de vezes maior. Este resultado mostra que o protoenxame Teia de Aranha deverá efetivamente transformar-se num enxame massivo de galáxias dentro de uns 10 mil milhões de anos, aumentando ainda a sua massa em, pelo menos, um factor dez.

Tony Mroczkowski, co-autor do artigo publicado e investigador do ESO, explicou:

este sistema mostra grandes contrastes. A componente térmica quente destruirá grande parte da componente fria, à medida que o sistema se vai desenvolvendo, estando nós agora a assistir a esta delicada transição temos finalmente uma confirmação observacional das já antigas previsões teóricas sobre a formação dos maiores objetos ligados gravitacionalmente que existem no Universo.

Estes resultados ajudam-nos a lançar as bases para sinergias entre o ALMA e o futuro Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, o qual “irá revolucionar o estudo de estruturas tais como o Teia de Aranha,” disse Mario Nonino, co-autor do estudo e investigador no Observatório Astronómico de Trieste. O ELT e os seus instrumentos de vanguarda, tais como o HARMONI e o MICADO, serão capazes de observar protoenxames e mostrar-nos as galáxias que aí residem com muito detalhe. Juntamente com as capacidades do ALMA em traçar o meio intraenxame em formação, disporemos assim de informação crucial sobre a formação das maiores estruturas do Universo primordial.

Este trabalho de investigação foi descrito num artigo científico intitulado “Forming intracluster gas in a galaxy protocluster at a redshift of 2.16” publicado na revista Nature (doi: 10.1038/s41586-023-05761-x).

A equipa de investigadores é composta por:

Luca Di Mascolo (Unidade de Astronomia, Universidade de Trieste, Itália [UT]; INAF – Osservatorio Astrofisico di Trieste, Itália [INAF Trieste]; IFPU – Instituto de Física Fundamental do Universo, Itália [IFPU]), Alexandro Saro (UT; INAF Trieste; IFPU; INFN – Sezione di Trieste, Itália [INFN]), Tony Mroczkowski (Observatório Europeu do Sul, Alemanha [ESO]), Stefano Borgani (UT; INAF Trieste; IFPU; INFN), Eugene Churazov (Max-Planck-Institute für Astrophysik, Alemanha; Instituto de Investigação Espacial, Rússia), Elena Rasia (INAF Trieste; IFPU), Paolo Tozzi (INAF – Osservatorio Astrofisico di Arcetri, Itália), Helmut Dannerbauer (Instituto de Astrofísica de Canarias, Espanha; Universidad de La Laguna, Espanha), Kaustuv Basu (Instituto de Astronomia Argel ander, Universidade de Bona, Alemanha), Christopher L. Carilli (National Radio Astronomy Observatory, EUA), Michele Ginolfi (ESO; Dipartimento di Fisica e Astronomia, Universidade de Florença, Itália), George Miley (Observatório de Leiden, Universidade de Leiden, Países Baixos), Mario Nonino (UT), Maurilio Pannella (UT; INAF Trieste; IFPU), Laura Pentericci (INAF – Osservatorio Astronomico di Roma, Itália), Francesca Rizzo (Cosmic Dawn Center, Dinamarca; Instituto Niels Bohr, Dinamarca).

Nota [1]

StellarDrone [ https://stellardrone.bandcamp.com/ ] é um projeto de Edgaras ZAKEVIČIUS, um dos raros músicos que homenageiam astronomia em suas composições.

STELLARDRONE é um pseudônimo usado pelo músico Edgaras ZAKEVIČIUS. Ele começou a criar música por meio de sintetizadores inspirado por nomes como Tangerine Dream, Mike Oldfield e Alan Parsons, entre outras bandas famosas de rock progressivo, a partir de 2007. Desde então vem lançando álbuns e incentivando que as músicas neles contidas sejam compartilhadas e incorporadas em diversos outros projetos e trilhas sonoras. O NoirLab e o ESO têm usualmente usado suas composições em seus vídeos de divulgação científica.

A faixa 7 do álbum ‘On a Beam of Light’ é ‘FERMI PARADOX’, usada no Esocast.

 

Fonte

ESO: eso2304pt — Nota de Imprensa Científica – Astrónomos observam nascimento de enxame de galáxias no Universo primordial

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