A Teoria Científica é Apenas Uma Mera “Teoria”?

Crédito: Global Secular Humanist Movement

Certamente, alguns de vocês, independentemente de qual país residem, já devem ter se deparado, nos “ringues” das redes sociais, com frases do tipo: “mas isso é apenas uma teoria“, “não está na/no (inserir o livro religioso)”. Curiosa e geralmente, esta frase é bastante expressa por fundamentalistas religiosos quando estão debatendo com alguém que entende de ciência.

Será que a palavra “teoria”, quando está respaldada em assunto de teor científico, é apenas uma simples “teoria”?

Bom, vamos descobrir.

“Em um mundo de negacionistas da ciência, a cadeira do anfitrião é reservado ao mais ignorante.” Frame do vídeo “Idiocracia“, 2006.

 

Todos sabemos que, de acordo com a metodologia científica, existem diferenças entre hipótese, descoberta, modelo, teoria e lei.

Porém, por efeitos práticos, para nosso público-alvo, vamos focar apenas nos três mais “habituais”.

1. Hipótese

Hipótese é uma suposição, algo imaginável quando observado ou não.  Pode ser de três tipos: positiva, negativa e condicional. Trata-se duma afirmação provisória, ainda não-testada sobre determinado problema ou fenômeno. Note bem: não-testada.

De acordo com o nível, e é aí onde percebemos em discussões na internet (principalmente para os defensores da Terra Plana), é definida como: de ocorrência, empírica, plausível e convalidada.

Em outras palavras, hipótese é um conjunto estruturado de argumentos e explicações que possivelmente justificam dados e informações, mas ainda não foram confirmados por observação ou experimentação. O objetivo da hipótese é oferecer uma solução possível mediante uma expressão verbal suscetível, podendo ser declarada verdadeira ou falsa.

Um exemplo clássico de hipótese, no seu estado puro, é supor que existem unicórnios voadores em Zeta Reticuli.

Prossigamos.

2. Teoria

Teoria nada mais é que uma hipótese já posta à prova no mundo real, algo já confirmado, podendo sofrer alguma reformulação em alguns itens, à medida que novas descobertas ocorrem.

Teoria é um sistema fundamentado e organizado de conhecimento acerca de algum fenômeno, que explica um ou um conjunto de fenômenos observados na natureza ou no universo.

A teoria vai mais além: ela consegue predizer características de fenômenos ainda não-observados, como por exemplo, o bóson de Higgs, teorizado na década de 60, nas equações diferenciais do modelo padrão para explicar as massas dos bósons W e Z, e comprovado somente em 2013, através do acelerador de partículas LHC, construído por um consórcio de 20 países.

Mesmo que a teoria não seja uma perfeita expressão da realidade, ela é um modelo que bem descreve e compreende a realidade conhecida, e estimula a descobrir realidades ainda desconhecidas pelo homem.

A Terra, no formato plano, por exemplo, não pode sequer ser classificada como teoria. No máximo, pode ser considerada, com muita generosidade, como “hipótese da Terra Plana”, do tipo de ocorrência.

Mas, em pleno século XXI, já sabemos que a Terra não apresenta formato plano. As equações matemáticas, o ângulo de entrada dos raios solares na Terra, que também define as estações do ano, as viagens espaciais, as imagens, enfim, um simples apontar de telescópio mais barato que existe, já prova que não somente a Terra, mas os astros do universo, salvo rara exceções conhecidas (Oumuamua), possuem formato esférico.

Já a teoria da evolução das espécies e teoria termodinâmica são paradigmas válidos.

3. Lei

Em linhas gerais, como o próprio termo sugere, lei é algo que temos que “obedecer”, querendo ou não. E, se tratar de uma lei científica, a gravata peruana fica mais forte. Afinal de contas, ninguém faz o experimento de Dawkins, sem “burlar” a gravidade, com aparatos voadores, e sobreviver.

Lei é quando uma hipótese, ou teoria científica, com ampla área de validade, foi exaustivamente confrontada – frente a um número enorme de factos.

Lei é um facto. Pode (e é) descrito matematicamente. Como dizem alguns, é a suprema realização da Ciência.

Primeira e Segunda Leis da Termodinâmica, até o zero absoluto, são leis (factos) científicos. Gostemos ou não. Lei da gravidade é um facto científico. Gostemos ou não. Lei da gravitação universal é um facto científico. Gostemos ou não. Formato visual quase esférico dos corpos celestes submetidos à gravitação universal é também um facto científico. Gostemos ou não.

“Malditas agências espaciais e astrônomos amadores no mundo inteiro, escondendo que a territa é planita.”

Particularmente, espero que a comunidade científica busque um substituinte para a expressão “teoria”. Que não dê margens para dúvidas, ou contra-argumentos estapafúrdios.

Pois a impressão que tenho é que, por mais paradoxal que seja (as descobertas científicas avançando em um ritmo cada vez maior) a ignorância científica (ou pelo menos, a impressão que se dá) está ainda maior, graças a “influenciadores”, em busca de fama e “like$”, que a internet ofereceu nos últimos anos, com compromisso quase zero à realidade e informação.

2 comentários

    • Jonathan Malavolta on 03/11/2023 at 14:30
    • Responder

    Não, a comunidade científica não buscará um substituto para “teoria”. Este termo já está mais do que consolidado. O que precisa ser feito DE FATO, e isso dependerá dos governos pois trata-se de políticas públicas para a educação, é conscientizar as pessoas das diferenças entre as três linguagens existentes: filosófica, científica, e de senso comum. As pessoas, grosso modo, se apegam demais em seu dia-a-dia à linguagem do senso comum, o que não está necessariamente errado, mas é justamente esse hábito que causa confusão nas pessoas pois, para a linguagem de senso comum, “teoria” é sinônimo de “hipótese”, não importando as diferenças do senso comum com a Filosofia ou com a Ciência. Infelizmente (ao menos no Brasil, que é onde vivo) não existem discussões escolares no nível básico (Ensinos Fundamental e Médio) que permitam aos alunos entenderem a diferença entre esses 3 tipos de linguagem, e sequer temos preparação de professores para essa discussão nos cursos de Magistério (formação de professor de nível 1) e muito menos nas faculdades de Pedagogia, Normal Superior (comum no Brasil) e muito menos nas Licenciaturas (sequer nas Licenciaturas em Matemática, Química, Física, Biologia, etc) se vê professores discutindo essa diferenciação com os futuros professores. Por isso, independente da plataforma (e mesmo fora da Internet), vemos um crescente arrastar desse tipo de argumentação: “É só uma teoria, não foi provado ainda.”

    1. Acredito que a maioria dos cientistas da comunidade científica estão mais “alheios” à dinâmica da sociedade atual que nós, meros mortais, “pessoas comuns” que estão por aí… A substituição desse substantivo seria a parte fácil. O difícil, sr. Malavolta, é “conscientizar as pessoas”. Apesar de sabermos de que mudanças significativas na educação de base e resultados positivos levam-se décadas, podemos afirmas duas coisas: 1) É muito difícil conscientizar pessoas extremamente religiosas; e 2) Podemos dizer que esta geração (e, talvez, a próxima) já está perdida, salvo raros países (Finlândia, Dinamarca, Noruega, Suíça, Irlanda e Nova Zelândia, ao que pesquiso e sei, pessoalmente). Os governos podem (e devem, como dever previsto nas suas Constituições) ajudarem na melhoria do ensino dos seus países. Porém, com o avanço desenfreado de “influenciadores” com o quociente de inteligência a nível rudimentar, sendo vistos como “pessoas que estão mostrando a “verdade” que a NASA, ESA, estão escondendo de nós”, não vejo um bom cenário no ocidente, pelos menos nas duas – ou, na melhor das hipóteses – nas próximas três décadas. Em alguns países, que não há necessidade de citá-los, mas sabemos, você vê sociedades ditas “conservadoras”, “religiosas” (são quase sinônimos) que, simplesmente, odeiam a ciência, a ridicularizam e a combatem, e estes são os maiores críticos.

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