Demónio em tribunal

Na década de 1990, existiu um programa muito famoso em Portugal, chamado Juiz Decide, em que casos judiciais eram apresentados na televisão e um juiz decidia sobre eles.
Na altura, eu era estudante em Portugal e, confesso, não ligava ao programa.

Em 2001, quando vivi pela primeira vez nos EUA, fui vendo o programa Judge Judy, e adorei.
A juiz Judy Sheindlin era divertida, provocadora, insultuosa, mas sobretudo transmitia muito pensamento crítico e senso comum sobre as mais diversas situações. Várias das suas expressões tornaram-se icónicas.
Aprendi imenso com esse programa, sobretudo em termos de pensar racionalmente sobre situações comuns.
Infelizmente, o programa terminou após 25 anos de programas diários…

Devido ao sucesso da Judge Judy, outros programas com outros juízes foram aparecendo na televisão.
Mas esses juízes não têm o mesmo carisma da Judy Sheindlin.

Durante algum tempo fui vendo outros programas sobre o mesmo tema, mas ligeiramente diferentes.
Por exemplo, o The People’s Court utiliza um sistema de júri, tal como o Murder Trial. É muito interessante ver os diferentes pontos de vista das pessoas que fazem parte do júri.
Outros programas interessantes são o Tribunal Justice e o Hot Bench, que utilizam um coletivo de juízes (3 juízes). É bastante interessante ver as discussões entre eles no backstage: são pontos de vista baseados em conhecimento, e mesmo assim é possível compreender perspetivas diferentes.

Atualmente, existe um canal para assuntos criminosos: Court TV.

Isto atingiu um nível que até já existe um programa de comédia, em que uma pessoa é apanhada num género de Truman Show: o juiz, os criminosos, os outros jurados, etc, são todos atores. E só uma pessoa é real e está a ser enganada.
O programa chama-se Jury Duty.

Tudo isto vem a propósito do novo programa em Portugal, chamado “A Sentença”.
É dito que os casos são inspirados em factos reais, apesar de, alegadamente, serem representados por atores. O juiz é realmente um antigo juiz, que foi reformado compulsivamente da magistratura, e é agora advogado.

Crédito: TVI, Media Capital

Trago este programa aqui, devido a um dia destes estar a “passear entre canais” (zapping), e ter visto um caso que me fez estar atento.
Podem ver o caso, aqui, a partir dos 44 minutos.

Uma mulher contactou um senhor que vende carros em segunda mão, para que este lhe arranjasse um carro específico, em termos de marca, côr, etc.
O vendedor arranjou o carro que ela queria, tendo importado o carro de Espanha.
Ora, como vinha de Espanha, o carro tinha matrícula espanhola. A matrícula iria ser mudada para a Portuguesa.
A matrícula espanhola era: 0666-LUC.
Quando a senhora viu a matrícula, não quis o carro. Porque ela dizia que o carro tinha matrícula 666, que segundo ela é o número do diabo, e ainda para mais tinha LUC de Lúcifer (Diabo).
Por mais que o vendedor lhe dissesse que a matrícula iria ser mudada (para a portuguesa), a senhora não quis o carro.

Obviamente, a mulher não teve razão, e perdeu o sinal (dinheiro) que tinha dado.

Este caso foi chamado de “Cruzes, Canhoto“.
Crédito: TVI, Media Capital.

Este caso chamou-me à atenção por, em pleno século XXI, as pessoas ainda darem tanta relevância a superstições.

666 é só um número. Igual a 345 ou a 874.
Para quem se diz religioso, esse número nunca foi sequer dito por Jesus. É um número que aparece no Livro do Apocalipse, que é datado de várias décadas após Jesus ter morrido.
O próprio número está sujeito a várias interpretações.

Quanto ao LUC, se tem que ser nomes de pessoas, ela poderia pensar em Lucas, Lúcio, Lúcia, Lucinda, etc.

Em pleno século XXI, existirem pessoas que pensam que o carro está amaldiçoado (com “carga energética” de “malvadez”) por ter determinados números na matrícula, é absolutamente absurdo, ridículo, irracional.

Este é um caso típico de iliteracia funcional.

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