Energias desconhecidas

Quando alguém nos tenta “vender” tretas de pseudociencias, como terapias alternativas, normalmente utiliza palavras que no dia-a-dia querem dizer uma coisa, mas que passam por “magia” a ter definições praticamente sobrenaturais.
Atualmente, uma das palavras mais em voga nesses movimentos “alternativos” é a palavra quântica. Uma análise das frases onde essa palavra é incluída permite concluir que as frases não fazem qualquer sentido e que a própria palavra nada tem a ver com o que cientificamente se entende por física quântica.
Uma palavra que desde sempre teve grande sucesso neste tipo de discurso alternativo é a palavra “energia”. Seja a palavra por si ou combinada com outra palavra (ex: energia quântica, mapa energético, energia desconhecida, etc), a verdade é que também me custa a entender o que os pseudos entendem por “energia”.
Tal como a “quântica”, a palavra “energia” é também um conceito científico que é completamente deturpado para enganar pessoas com a venda de terapias alternativas. Há um abuso e uma deturpação dos conceitos científicos nas tretas pseudocientíficas.

O que será que os pseudos entendem por “energia”?

Será que para eles energia é a capacidade de trabalho, é a quantidade de força aplicada?
Não parece ser, porque se trocarmos a palavra “energia” por “capacidade de trabalho” nos textos que eles nos dão, todo o texto deixa de fazer sentido.

A energia tem duas naturezas: Potencial e Cinética.
E tem duas formas gerais de manifestar-se: Massa e Radiação. Sendo as formas específicas: mecânica, nuclear, elétrica, etc.

Será que para os pseudos, energia quer dizer radiação?
Parece-me que sim. Parece-me que esta é a resposta correta. Parece-me que é disto que os pseudos, sem saberem, falam.

No entanto, nós sabemos todas as formas de radiação no espectro eletromagnético:

EMSpec

Facilmente se percebe que sabendo nós o espectro electromagnético, se a energia estiver na forma de radiação, então toda esta radiação já é conhecida e não há nada neste espectro que os pseudos possam acrescentar pelo meio.
Por isso, será que essa radiação está para lá dos raios gama? Se é assim, então se anda à nossa volta e nos influencia, a intensidade é de tal ordem que morremos na hora. Como não me parece que estejamos a morrer a todas as horas que entram estas “energias” então não pode ser mais energética que os raios gama.
Se estiver para lá das ondas rádio, então é tão fraca que não provoca nada em nós. Seria algo com menos “força” do que eu ter um rádio ao meu lado a vida toda. Se as ondas rádio não me influenciam (e muito menos influenciam se fico mais simpático ou rezingão), então essa energia ainda mais fraca influencia muito menos. Para todos os efeitos, a influência é 0.

Ou seja, não há qualquer energia que possamos colocar no espectro electromagnético que faça sentido para as alegações que os pseudos fazem.

Muito menos existe um juízo de valor sobre a energia.
Quando alguém fala ao telemóvel/celular, essa energia (que está a chegar ao aparelho que está próximo da nossa orelha) não é uma energia “positiva” ou “negativa”. Não nos afeta a esse ponto de nos dar “sorte” ou “azar” em algo.
Seria uma estupidez considerarmos que as ondas rádios são “positivas” ou “negativas” para nós, que afetam o nosso humor ou a nossa sorte.
A verdade é que não há quaisquer “energias positivas” ou “energias negativas” que são transmitidas sobre nós de modo a nos afetar o dia, a semana, o mês ou a vida.
Novamente, as alegações dos pseudos não fazem qualquer sentido. Parecem sim historinhas de embalar, sem qualquer existência na realidade, como as que contamos às crianças.

É também interessante percebermos como estas pseudo-ideias se desenvolveram. Historicamente, compreende-se este tipo de discurso.
Esta ideia de “energias desconhecidas” nasceu na altura em que sabíamos que elas existiam, mas não sabíamos como elas funcionavam.
Hoje temos conhecimento dessas energias desconhecidas ou invisíveis – desde infravermelho, passando por ondas-rádio, por raios-X (radiografias), e acabando nos raios gama (pet-scan no combate às doenças) – e sabemos como elas funcionam. Até as utilizamos diariamente! “Torramos” ao Sol, vemos televisão, e até fazemos exames em raios-X. Diariamente utilizamos estas “energias invisíveis” porque sabemos como elas funcionam.

Por isso, aquilo que no passado nos era desconhecido e nos assustava, hoje compreendemos perfeitamente e utilizamos em nosso proveito.
Daí que em pleno século XXI, toda a gente deveria entender que estas crenças (e medos) antigas deixaram de fazer sentido.
Em pleno século XXI, enganar as pessoas com o que se dizia há séculos atrás sobre “energias desconhecidas” é promover a ignorância da população com um intuito económico.

16 comentários

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    • Alex Sander M. Oliveira on 13/11/2016 at 11:11
    • Responder

    Bom dia.
    Sempre tive a dúvida como principio. A ciência só chegou onde está, exatamente por isso, duvidar dos conceitos e pré-conceitos.
    Hoje, a NASA está debruçada sobre a “criação” do inventor britânico Roger Sawyer, o motor EmDrive. Ele foi ridicularizado desde o início pela comunidade científica e, para o desespero destes, o motor funciona……..
    “A imaginação é mais importante do que o conhecimento”.
    Parabéns pelo artigo. ABS

    1. “Sempre tive a dúvida como principio.”
      —- Esse é um argumento muito utilizado por quem na realidade é crente fundamentalista em algo…

      Na verdade, essa história da EmDrive foi extrapolação jornalística, em que pouco ou nada assenta na realidade.
      Se o Alex duvidasse do que leu, talvez chegasse ao nosso artigo, a artigos da NASA ou a artigos de outros cientistas que explicam esse assunto.
      Exemplo:
      http://www.astropt.org/2014/08/07/jornalismo-impossivel-cria-motor-espacial-baseado-em-mentiras/

      Mas o Alex não duvidou.
      O Alex afirma que tem a dúvida como princípio…. mas na verdade foi crente fundamentalista em estórias que vai lendo escritas por jornaleiros…

      E aproveita essas mentiras, para insultar, ou no mínimo, tentar descredibilizar os cientistas – e os cientistas, sim, têm a dúvida por princípio.
      Ou seja, fez como os crentes e os pseudos: usou crenças mentirosas para hipocritamente atacar cientistas.

      abraços

  1. Olá a todos,
    Já não precisamos do LHC. A pseudociência vai conseguir acelar protões com a sua “pseudoenergia”.
    No início das aulas perguntei aos alunos: “Quem já leu o horóscopo?” Lá foram levantando os braços.
    “Quantas vezes acertou?” Aí eles disseram: “Rara vez” ou “Nunca”. Ao que afirmei: “Então mantenham esse espírito e aprendam ciência para fudamentar o vosso conhecimento e alertar outros sobre essas parvoices.”
    Se alertarmos os miúdos para este tipo de pseudociência depressa teremos adultos mais instruídos e atentos. 🙂

    • Manel Rosa Martins on 21/03/2014 at 02:03
    • Responder

    Surge da Força nuclear Forte, da qual o Electromagnetismo é uma força residual.

    Se prefere uma relação directa EM/G pode usar a análise limitada da intensidade a G é 10^-39 menos intensa do que o EM.

    1/137 é a constante da estrutura fina, por onde se determinam os elementos da Tabela periódica que constituem a matéria bariónica. .

    • Luciano Quintana on 19/03/2014 at 16:59
    • Responder

    Muito bom o artigo.
    Esse ponto de vista do artigo tem mais logica que as pseudociencias.
    Muito bom mesmo.

    • Tiago Carneiro on 18/03/2014 at 07:24
    • Responder

    Realmente! Sempre fiquei pensando se as ondas de coisas “sobrenaturais” não eram detectadas porque estavam fora do espectro. Só estou em dúvida mesmo quanto as ondas gravitacionais, que afetam tudo o que está no universo muito fortemente, mas mesmo assim só são detectáveis quando se analisa imagens do universo quando era mais novo (pelo menos foi o que entendi dessa recente descoberta das ondas gravitacionais) Alguém pode me explicar essa?

    1. No caso das ondas gravitacionais, o que se mede são as deformações do espaço-tempo.
      A causa são objetos com massa (por exemplo, o Sol, buracos negros, etc) que provocam uma grande curvatura no espaço-tempo. Da mesma forma, o nascimento do Universo também provocou essas curvaturas e deformações.

      Não nos afeta como humanos.

      abraços

      • Manel Rosa Martins on 18/03/2014 at 20:06
      • Responder

      Olá Tiago.

      1) as ondas gravitacionais estão fora do spectrum (ou espectro) electromagnético porque são 2 campos-força totalmente distintos.

      2) A Gravitação não afecta muito fortemente os corpos com massa. É pelo contrário a força mais débil das 4 forças da Natureza. Incluindo nos buracos negros, é necessária uma quantidade de massa descomunal para tal fenómeno ocorrer.

      Pode verificar que o Tiago consegue vencer toda a força da Gravidade da Terra atirando por exemplo uma bola ao ar quando está a jogar um jogo. Vence toda a Massa dum Planeta com cerca de 40 mil km de perímetro.

      A força gravítica é cerca de 1/137 da força electromagnética, isso implica uma intensidade tão débil que a partícula teorética que medeia a Gravitação não se logrou por enquanto detectar, nem há no presente instrumentação para tal.

      As energias sobrenaturais, ao contrária das naturais, não têm qualquer efeito verificável, com, a excepção de lhe esvaziar a carteira. Pode, se preferir, denominá-las de energias sugadoras, dado que quem as medeia são os vigaristas.

      1. Olha, gostei da expressão: “energias sugadoras” 🙂

        • José Simões on 21/03/2014 at 01:19

        “A força gravítica é cerca de 1/137 da força electromagnética”

        onde é que alguém desencatou esta ???

        • Tiago Carneiro on 23/03/2014 at 03:04

        Muito obrigado pelas respostas, Carlos e Manel! Deveria ter suspeitado dessas coisas antes. haha….Essas ondas gravitacionais que foram detectadas há pouco tempo foram detectadas porque a distorção espaço-tempo foi muito forte, presumo?

        Abraços.

      2. Olá Tiago,

        Tem este post sobre isso 😉
        http://www.astropt.org/2014/03/17/inflacao-cosmica-descoberta-espetacular-confirma-teoria-do-big-bang/

        abraços!

    • José Simões on 17/03/2014 at 14:40
    • Responder

    Seria curioso por também os wi-fi e os telemóveis na lista de frequências.

    1. Mas esses estão nas ondas rádio, certo? 😉

        • José Simões on 18/03/2014 at 00:36

        Não exactamente (mas perto).

        A separação entre microondas e rádio não tem uma definição universalmente aceite, pelo que sei (no desenho publicado o forno de microondas está claramente FORA da zona de microondas…)

        De qualquer maneira alguns pontos de acesso wi-fi funcionam sem dúvida na zona dos microondas, tal como os alguns telefones “fixos” portáveis (mas não os telemóveis). Diz-se que o pessoal dos radares não gosta nada da brincadeira.

        Os telemóveis de voz funcionam claramente na zona das “ondas de rádio”, mas algumas propostas para a redes 4G (dados móvel) andam a namorar também as microondas.

        As microondas são aliciantes porque podem transmitir muita informação, mas por outro lado são facilmente atenuadas, comparativamente às ondas de rádio.

  2. Curioso como acabei de criar um tópico em outro site, sobre um aparelho que consegue extrair energia das onda de rádio do meio ambiente.
    => http://forum.intonses.com.br/viewtopic.php?f=45&t=287389

  1. […] como forma de assegurar que só assim se podia sair daquela situação (e não com “energias místicas desconhecidas“). – de utilizarem a ajuda em Terra, como aconteceu na Apollo 13, e que foi crucial […]

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  3. […] foi a ciência, com o método cientifico, a descobrir isto. No entanto, esta antiga ideia de “energias desconhecidas” é hoje utilizada pelos pseudos para vigarizarem a população com “mezinhas da treta” […]

  4. […] está ligada a estas forças. Faraday compreendeu as “energias invisíveis” até então desconhecidas. Ele conseguiu ver a realidade física que nos […]

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  9. […] deixam isto para trás? Não se sabe. Mas pelos vistos, os fantasmas não são feitos só de energia desconhecida, mas são como caracóis… Já o comboio/trem do segundo filme nada deixa, nem sequer […]

  10. […] que existem câmeras de infravermelho, radar, ultravioleta, e noutros comprimentos de onda que poderiam detetar essas “naves invisíveis”, caso elas […]

  11. […] Falácias com Dragões. 24 Falácias Lógicas. Teoria. Só teoria. Somente teoria. Lei vs. Teoria. Energias Desconhecidas. Química venenosa. Leitura a Frio. Quero Saber. Possível vs. Provável. Crença. Ciência Não […]

  12. […] isso todas elas se provam como mentirosas. Aliás, basta olhar para as expressões: como expliquei neste post, as energias que eles alegam não […]

  13. […] funciona (como a eletricidade) dependesse da crença de cada um, ou como se não soubéssemos que essas “energias” não existem! Ainda pior, a defensora desta tretologia diz isto: “a quantica pode determinar o fim do ser […]

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