Teleportação, um conceito inviável?

Adoro ficção científica.
Apesar de adorar algumas das tecnologias futuristas que aparecem nas histórias de ficção científica, também sou muito crítico de algumas delas, já que me parecem cientificamente inviáveis.

Esse é o caso da Terraformação, como já expliquei neste artigo.

Esse é também o caso da Teleportação ou Teletransporte, em que a pessoa desaparece de um local e aparece quase instantaneamente noutro local.

A desmaterialização num local e a materialização noutro local não me faz confusão.
Afinal, nós próprios passamos por isso gradualmente.
Os nossos átomos, as nossas moléculas, a nossa pele, etc, está constantemente a ser renovada.
Nós somos constantemente renovados a nível celular. E continuamos a ser nós próprios.
Mas a renovação é gradual e é no mesmo local (sem existir um transporte).

A wikipedia define teletransporte como:
“O teletransporte seria o processo de moção de objetos de um lugar para outro com a transformação da matéria em alguma forma de energia e sua posterior reconstituição em outro local”.

Apesar de ser isto que a maioria das pessoas pensa que é – transportar algo/alguém de um lado para o outro -, na verdade quer no mundo quântico quer no mundo da ficção, o teletransporte faz-se somente com o transporte de informação.

Já publicamos diversos artigos sobre alguns dos feitos realizados no teletransporte quântico.
Exemplos: aqui, aqui, aqui e aqui.

Na ficção, a série mais conhecida a realizar teleportação é Star Trek.
Mas existem outras séries, filmes e livros (incluindo episódios de Outer Limits) que mostram a teleportação.

Na ficção, o que existe é o envio/transporte de informação/dados, e não o transporte do objeto em si.
Esse envio/transporte é feito a velocidades superiores à da luz.
Em Star Trek, essa informação anda no chamado sub-space, que apesar de ser parte integrante do Universo, é distinto do espaço normal, com características próprias. Uma dessas características é poder-se enviar a informação a velocidades superiores à da luz.

Assim, em Star Trek, o que existe é o envio de informação e não o transporte da pessoa.
A pessoa é “decomposta em informação”. Envia-se a informação sobre como as suas “moléculas” estavam arranjadas, e reconstrói-se a pessoa no local de destino, apagando a pessoa original no local de envio.
Ou seja, a pessoa é desmaterializada/desintegrada (morta) na origem, a informação sobre a pessoa é enviada, e a pessoa é materializada/reconstruída no destino com base na informação recebida.

Não é uma viagem, não é o transporte de uma pessoa. Para haver teletransporte tem que se matar a pessoa original. O original é destruído.
O teletransporte é a morte e ressurreição da pessoa.

Por vezes, a informação perde-se pelo caminho ou chega ao destino com falhas. Nesse caso, a pessoa morre.
Noutras vezes, existe uma falha na origem e a pessoa original não morre. Nesse caso, passam a existir duas pessoas iguais (clones) no Universo. Em Star Trek, existe um episódio icónico em que passam a existir dois Rikers, precisamente porque o Riker no planeta não foi desmaterializado e apareceu outro na nave Enterprise.
Ainda noutras vezes, o computador na origem pode erradamente enviar informação da pessoa B como sendo da pessoa A, e por isso iremos ter no destino uma mistura de duas pessoas numa só. Em Star Trek, existe um episódio (Tuvix) em que isso acontece. Mesmo que o processo seja revertível posteriormente, será ético matar a nova pessoa (que combina elementos de duas pessoas), de modo a reconstruir as duas pessoas originais separadas?

Em Star Trek também existem replicators – máquinas de replicação.
Os Replicators conseguem criar tudo o que quisermos, como comida, bebida, roupa, louça, etc. E, aparentemente, a partir do nada – a partir do ar, das moléculas existentes no ar.
Os Replicators são impressoras 3D muito avançadas.
Não precisamos trabalhar nem criar nada. Os Replicators fazem tudo o que queremos. As coisas deixam de ter valor, porque podemos fazer o que quisermos quando quisermos.

Porque falei nos Replicators?
Porque, para mim, as Máquinas de Teleportação são uma forma avançada de Máquinas de Replicação.
As máquinas de Replicação já têm a informação das coisas no seu computador. E o que pedirmos no momento, elas criam/replicam a partir das moléculas do ar.
As máquinas de Teleportação fazem exatamente a mesma coisa, com a única diferença que a informação é-lhes enviada naquele momento de outro lado.

No entanto, tal como nos computadores, as máquinas de Teleportação podem conservar a informação nelas.
E, tal como nos computadores, podemos corrigir alguma informação que não esteja correta.
Isto são potenciais características das máquinas de Teleportação que a ficção científica, que eu saiba, nunca explorou. A ficção ficou muito aquém da potencial realidade.

Temos aqui a definição de imortalidade.
Podemos ter a nossa informação num computador para sempre. E podemos materializarmo-nos quando quisermos.
Se morrermos, materializamo-nos novamente com a última informação contida no computador.
E assim sucessivamente, para sempre.

Podemos até não utilizar a última informação no computador, mas sim a informação que está lá contida de quando tínhamos, por exemplo, 25 anos.
Assim, podemos ser imortais e sempre com 25 anos.

Uma máquina que tenha toda a nossa informação, dá-nos a oportunidade de corrigirmos alguma dessa informação. Desta forma, podemos ser criados/materializados sem quaisquer doenças ou propensão para algumas das doenças crónicas atuais. Podemos filtrar e eliminar todas as doenças. Podemos ser criados pela máquina de forma 100% saudável.

Claro que isto tem o seu lado negativo. Levando ao extremo, podemos ser criados com super-características. Podemos criar super-humanos, com muito mais força, com uma audição melhorada, com uma visão melhorada, etc. O exército até pode usar isto para criar super-soldados.
Um grande problema é que podemos mudar-nos para parecermos todos iguais, dependendo da ideia de beleza da época. Podemos ter todos a mesma cor de olhos, cor de cabelo, cor de pele, altura, etc. Podemos mudar as características para o que quisermos, o que vai levar a que muita gente siga os padrões de beleza da altura.

Existe ainda outra potencial consequência.
Se a minha informação está num computador, então passa a ser possível materializar mais do que uma pessoa com a mesma informação.
Eu posso criar não um, mas 1000 Carlos Oliveira. De um dia para o outro, o mundo pode ser invadido de clones de Carlos Oliveira.
Ou milhões de cópias de soldados. Ou milhões de cópias de Hitler. Ou milhões de cópias de Trump.

Parte da história The Machine.
Crédito: Existential Comics

Depois das avenidas não exploradas de teleportação na ficção científica, deixo duas contradições em Star Trek.

A primeira é que não faz sentido ter um local específico na nave para a teleportação (transporter room).
Quando eles estão num planeta, podem ser teleportados de qualquer sítio.
Assim, não tem de existir um local específico para a teleportação. Basta que alguém na nave (num computador) indique as coordenadas exatas da pessoa.
O mesmo se deveria passar na nave. Seja como origem ou destino, a pessoa deveria poder ser teleportada de qualquer local na nave, não sendo necessário existir uma sala específica para isso.

A outra contradição é o facto de não fazer sentido utilizar naves quando se tem a tecnologia de Teleportação.
Em Star Trek, o teletransporte só funcionava para distâncias pequenas. Por exemplo, de uma nave em órbita para o planeta. Se quiséssemos viajar entre planetas, tínhamos que utilizar naves.
Não faz sentido existirem limites de distância no envio da informação. Na prática, eu deveria poder desmaterializar-me na Terra e materializar-me no planeta que quisesse.
Com a teleportação, as naves e outros meios de transporte tornam-se obsoletos.

Por fim, explico o porquê de pensar que este é um conceito inviável.

Notem que na ficção científica, nunca é explicado como a tecnologia funciona cientificamente, por isso é difícil criticar o que não se sabe.

Mas parece-me extremamente improvável que possamos algum dia saber onde está exatamente cada átomo e cada quark, e sobretudo, colocá-los exatamente no mesmo sítio posteriormente.
A tecnologia em Star Trek utiliza os chamados Compensadores de Heisenberg (Heisenberg compensators), de modo a compensar/anular o Princípio da incerteza de Heisenberg. Isso até nem me choca que possam vir a existir.

Mesmo que conseguíssemos colocar cada átomo no sítio correto, como distinguiríamos uma pessoa morta de uma pessoa viva?
Os átomos podem estar todos no mesmo local, e a pessoa estar morta.
A teleportação não distingue se um corpo é uma pessoa ou um cadáver.

E a alma?
Sendo um conceito imaterial, como seria convertida para informação e colocada na pessoa no destino?

Mas mesmo saindo desse conceito sobrenatural, como transferiríamos a consciência de uma pessoa?
O que é a consciência?
Será que a consciência consegue ser convertida em informação e reproduzida noutro corpo?

E a personalidade da pessoa? Quais são os átomos que compõem uma personalidade?

A minha opinião é que estas características são imateriais, não-corpóreas, e assim não são convertíveis em informação, para depois serem reconstruídas a partir de moléculas do ar.
Como não se podem reconstruir essas abstrações, isso torna inviável o conceito de teleportação.

Mesmo que se conseguisse reconstruir a pessoa – com todos os átomos no local correto -, ela nunca seria a mesma: poderia estar morta, ou ter outra personalidade, ou ter uma consciência diferente, etc.

Por fim, mesmo que estas questões não existissem, existe sempre a limitação física.
O corpo humano tem 7,000,000,000,000,000,000,000,000,000 átomos (7, seguido de 27 zeros).
Para medir a posição de cada um desses átomos, era preciso que a “luz” passasse por cada átomo. A luz demora 10^-18 segundos a “varrer” um átomo. É muito pouco. Mas para medir quase 10^28 átomos, precisaria de 300 anos!
Ou seja, à velocidade da luz, seriam precisos 300 anos para saber onde está exatamente cada átomo no corpo humano.
Para reconstruir o corpo no destino, seriam precisos pelo menos mais 300 anos.

Notem que estas minhas críticas, este meu pessimismo, é, em grande parte, em relação à teleportação de seres vivos, nomeadamente de Humanos.

Estas minhas críticas praticamente desaparecem na teleportação de coisas.
E essa teleportação também foi bastante utilizada em Star Trek. Por vezes, precisavam transportar caixas de coisas/produtos de um planeta para a nave, e utilizavam a teleportação.
Nesse caso, parece-me um conceito mais viável.

7 comentários

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    • Augusto dos Santos on 05/05/2021 at 21:34
    • Responder

    Só há uma saída. Deixar de pensar em termos de “tempo”/ “velocidade”. Assim como um bocado da anedota do coelho e da coelha… ou da história da Alice. Não sei como vai ser, mas que há paradigmas que têm de ser reformulados, há… custa-me acreditar que já dispomos e usamos tecnologia informática/multimédia em coisas banais, continuem a precisar de toneladas de combustível, técnica das V2 da 2ª guerra( 60 anos!) para colocar em órbita da terra um satélite! Os chineses já conheciam a técnica dos foguetes há mais de dois mil anos! Teoria da relatividade, teoria quântica… Reformular é preciso!

  1. Gostei bastante, mas quando cheguei às contas morri! 300 anos?! Não te enganaste?
    Isso ia demorar mais do que um filme do Manuel de oliveira. Não dá. Tens que arranjar uma coisa mais rápida.
    E acerca da sala de teletransporte do star treck, não concordo contigo!
    Claro que tem que haver sala. Também podias comer no meio do corredor da nave ou dormir encostado ao reator warp….mas isso não tinha jeito nenhum. Tem que haver alguma organização na nave, senão virava o caos!
    Estás a imaginar o McCoy a pregar partidas ao Spock e a teletransporta-lo sempre para o piso de baixo quando ele quisesse aceder a ponte de comando?! Ia dar estrilho na certa e logo no primeiro episódio, nem precisam de alienígenas!!vê depois temos sempre a questão de quem acede ao teletransporte…a meninas da tripulação iam-se teletransportar para o cabeleireiro na terra a toda a hora….não dá.
    Abraços!!!!

    1. “Estás a imaginar o McCoy a pregar partidas ao Spock e a teletransporta-lo sempre para o piso de baixo quando ele quisesse aceder a ponte de comando”

      Pois, mas então isso podia ter acontecido em todos os episódios quando o Spock estivesse no planeta. 😉
      É que nos planetas, eles fazem a teleportação de qualquer local, sempre que quisessem. Se não era necessária uma sala especial nos planetas, porque era necessário na nave? 😉

      abraço!

        • José Gonçalves on 07/05/2021 at 13:03

        Acho que a ideia na série era ter algum controlo sobre o mecanismo de teletransporte , para não estar á mão de qualquer um!

      1. Sim, claro, concordo. E para ser melhor visualizado 😉

        É melhor teres uma cozinha em casa, por exemplo, do que cozinhares em qualquer lado na casa.
        Com aqueles discos elétricos, em que só é um, e podes ligar a qualquer tomada, podes cozinhar na cama ou na casa-de-banho 😀 . Mas tornava-se um pouco caótico 😉
        Assim, é melhor teres um local central, uma cozinha, onde faças isso 😉

        Tem uma função organizativa 🙂

        abraço!

  2. Adorei o texto!

    • Francisco Barreira on 03/05/2021 at 23:52
    • Responder

    Excelente exposição sobre um conceito fascinante.

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