Penso logo existo – CC (5)

Vamos à quinta aula do Crash Course de Filosofia:

Nesta aula fala-se do cepticismo de René Descartes (1596-1650), um dos mais influentes matemáticos e filósofos da História.

Como é que podemos ter a certeza sobre seja o que for? Descartes tentou analisar todas as suas crenças de forma a acreditar apenas em algo que pudesse provar como sendo verdadeiro.

A forma de crença mais óbvia que devemos questionar são os nossos próprios sentidos – a crença empírica. É através dos nossos sentidos que interagimos com o mundo e que mostramos o que somos. Ao questionarmos os nossos sentidos questionamos a própria realidade que percepcionamos. Será que o que vemos é real? Será que estamos acordados? Será tudo uma ilusão? Como saber que não estamos a alucinar numa cama de hospital? Não sabemos. Como descrevi no artigo sobre as suposições da humanidade, é, pelo menos para já, inevitável fazermos suposições sobre a fiabilidade dos nossos sentidos (por mais verificações que possamos fazer com tecnologias e afins, acaba tudo por depender em última instância da informação que o nosso cérebro processa).

Na aula é referida a hipótese do mundo que tem 5 minutos, inventada pelo filósofo (e também matemático) Bertrand Russell (1872-1970): e se o universo na verdade tivesse sido criado há 5 minutos? Como poderíamos refutar tal hipótese? Pode-se imaginar que todas as nossas memórias são falsas (foram “criadas” assim há 5 minutos) e que todos os vestígios arqueológicos (ou outras evidências sobre o passado) foram “plantados” para parecer que de facto o universo tem mais que 5 minutos, sem que contudo tenha. Pode tudo ser uma fabricação? Isto faz lembrar as teorias da conspiração. De facto, tal como em muitas teorias da conspiração: é possível, contudo não é plausível. Grandes alegações requerem grandes provas! Sem provas, uma grande alegação é apenas uma fantasia. Concordo com o Russell: é uma hipótese sem relevância. Para além de improvável, é uma hipótese inconsequente. Nada mudaria se de facto fosse verdade. Não obstante, é um exercício filosófico interessante. Sinto-me aliás tentado em fazer o paralelo com o debate sobre o livre-arbítrio. A hipótese de que não tenhamos poder de decisão, que tudo esteja de certa forma pré-programado, não altera a nossa percepção de que tomamos decisões e que para todos os efeitos tenhamos a noção clara de que temos algum controle sobre aquilo que fazemos (ainda que possa ser uma noção falsa).

A premissa do Demónio de Descartes é semelhante: poderia haver um demónio que seria suficientemente poderoso para nos deturpar os nossos sentidos e não haveria forma de sabermos se tudo o que pensávamos ser real o era de facto.

Para Descartes a questão era importante, para Russell não. A valorização ou desvalorização desta questão talvez esteja em parte associada à crença numa divindade, assim como, por consequência, a questões sobre o significado da vida. Um agnóstico/ateu estará eventualmente mais aberto a aceitar que tudo possa ser uma ilusão, mas que isso não muda em nada a nossa experiência de vida. Para mim a questão é interessante, mas vejo-a apenas como meritória de atenção sob a perspectiva de a podermos de facto analisar, ou não. Uma questão que pela forma como é construída impede ser respondida é uma falsa questão. Parece-me ser o caso: o Demónio é assumido como tão poderoso quanto necessário para nos impedir de reconhecer a realidade, o que torna impossível investigar a sua veracidade. Consequentemente, é certo que não podemos confiar a 100% nos nossos sentidos, mas tal não impede que possamos tentar descobrir tudo o que haja a descobrir partindo da suposição que de facto podemos confiar neles (até certo ponto). Podemos estar a descobrir “verdades” sobre uma falsa realidade, mas é a realidade que temos, pelo que para nós é a “verdadeira”. Acho que só faz sentido definir “verdade” em função do que nos pode afectar. Por exemplo, podemos assumir que existe um Demónio fora do nosso universo, com o qual não existe qualquer interacção. De um ponto de vista externo é verdade que o Demónio existe. Para nós, que não temos nenhuma interacção com ele, é verdade que não existe (visto não termos nenhuma razão para defender o contrário). Por outras palavras, creio que só faz sentido definir “verdade” em relação à humanidade, em relação ao que é possível alcançarmos. Tudo o que está para além de nós é de certa forma irrelevante para o nosso conhecimento e, como tal, não faz parte da “nossa” verdade.

Descartes colocou tudo em questão com o seu demónio. “O que é que de facto posso ter a certeza que existe?” Descartes terá reconhecido que a própria questão era como que uma resposta em si própria. Ao questionar, ele próprio como entidade pensante existe para colocar a questão! Cogito ergo sum! Penso logo existo! Esta foi a crença fundamental que Descartes estabeleceu e com a qual tentou provar a existência de tudo o resto (incluindo Deus).

Como é claro, a linha de raciocínio de Descartes foi questionada e refutada por outros filósofos. Como é natural em Filosofia, o maior contributo de Descartes para a disciplina não terão sido as suas respostas, mas antes as suas questões.

Do meu ponto de vista pessoal (em concordância com muitos outros filósofos posteriores), pensar não prova existência, visto que o próprio pensar é passível de ilusão como tudo o resto. Para mim a resposta é a mesma de cima: é irrelevante. Posso definir o conceito de existência de tal forma que eu existo, visto ser-me “útil” afirmar que existo. Em qualquer interacção com outro sujeito, não será possível que me neguem a existência, pois a tentativa de o fazerem é uma contradição. Não obstante, essa impossibilidade não implica que “existo”. Parece-me racional que cada indivíduo acredite na sua própria existência, ainda que não seja possível prová-la.

“Eu não penso, logo não existo.”
Infelizmente, parece que quem não pensa é quem força mais os outros a reconhecer a sua existência…

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