Dilúvio de Exoplanetas na ESS II

O primeiro dia da conferência Extreme Solar Systems II, a ter lugar em Jackson Hole, Wyoming, nos Estados Unidos, foi simplesmente fantástico. O primeiro anúncio do dia veio da equipa do Observatório de Genebra, liderada por Michel Mayor, e consistia na descoberta de 50 novos planetas em torno de algumas das 376 estrelas do programa de observação GTO (Guaranteed Time Observations) do HARPS (High Accuracy Radial velocity Planetary Search project). Em conformidade com a notícia na página do ESO (European Southern Observatory) parecem ter sido contabilizados os planetas descritos nos seguintes artigos:

“The HARPS search for Earth-like planets in the habitable zone, I — Very low-mass planets around HD20794, HD85512, HD192310” (Pepe et al., 2011) (5 planetas)

“The HARPS search for southern extra-solar planets XXXIV. Occurrence, mass distribution and orbital properties of super-Earths and Neptune-mass planets” (Mayor et al., 2011) (41 planetas)

“The HARPS search for southern extra-solar planets. XXX. Planetary systems around stars with solar-like magnetic cycles and short-term activity variation” (Dumusque et al., 2011) (4 planetas)

Digno de nota, a maoiria dos planetas agora anunciados são Super-Terras e Neptunos: 16 dos 50 planetas anunciados são Super-Terras e os restantes são quase todos Neptunos. A abundância destes planetas permitiu à equipa de Mayor determinar que 40% das estrelas do tipo solar (anãs de tipo espectral F tardio, G e K) têm pelo menos um planeta mais pequeno que Saturno. Os artigos estão repletos de sistemas muito interessantes, vários deles duplos e triplos contendo Super-Terras e Neptunos. Destaco, por exemplo, o HD1461c que constitui a confirmação de uma segunda Super-Terra no sistema. A primeira, HD1461b, tinha sido descoberta pela equipa do AAPS (Anglo Australian Planet Search) em Dezembro de 2009 e na altura havia já indícios de mais dois planetas no sistema. Outro planeta importante é, claro, o HD85512b, já aqui referido várias vezes no AstroPT. Finalmente, um outro favorito meu, 82 Eridani (HD20794), um sistema com 3 Super-Terras bem próximo de nós.

Tenho de confessar que sou um fã do HARPS. Trata-se de um instrumento com uma performance absolutamente impressionante, conseguindo actualmente uma precisão de 0.5 m/s (1.8 km/h !) na medição da velocidade radial de uma estrela. A produtividade científica que originou é igualmente digna de registo. Veja-se a seguinte lista de planetas detectados pelo HARPS.

(Os planetas detectados pelo HARPS no programa GTO e na sua sucessão. Adaptado de Mayor et al., 2011)

Nem todos estes planetas foram descobertos pelo HARPS, alguns foram descobertos por outras equipas. No entanto o HARPS desempenhou mesmo aí um papel essencial em ciência, o de verificação independente dos resultados obtidos por outras equipas e refinamento das órbitas planetárias. É por isso com grande espectativa que aguardo a primeira luz, em 2012, do HARPS-North, uma versão mais sofisticada do HARPS que será instalada no Telescopio Nazionale Galileo (TNG), de 3.5 metros, no Observatório de Roque los Muchachos, nas Canárias. Este “clone” do HARPS será absolutamente fundamental para o seguimento e caracterização dos planetas descobertos pela missão Kepler.


(A cúpula do telescópio de 3.6 metros do ESO, no Observatório de La Silla, Chile.)


(O telescópio de 3.6 metros do ESO.)


(O contentor metálico que mantém o HARPS num vácuo, controlando desta forma a temperatura e a pressão que poderiam comprometer a precisão do instrumento.)


(A enorme rede de difracção do HARPS exposta no interior do contentor.)


(O Telescopio Nazionale Galileo (TNG) de 3.6 metros, no Observatório de Roque Los Muchachos, Ilhas Canárias.)

Finalmente, a equipa de Genebra revelou também que não conseguiu detectar os planetas Gliese 581f e Gliese 581g, previamente detectados pela equipa de Paul Butler e Stephen Vogt. A detecção do planeta Gliese 581g era particularmente relevante pois encontrar-se-ia na zona habitável da estrela Gliese 581. Na altura o anúncio de Butler e Vogt gerou alguma polémica na comunidade.

Depois deste início arrasador do HARPS, seguiu-se a resposta da equipa da missão Kepler, com menos dados concretos mas com algumas revelações impressionantes. A análise das curvas de luz obtidas pelo telescópio Kepler permitiu subir o número de candidatos a planetas de uns prévios 1235 para 1781. Destes estão confirmados pela velocidade radial apenas 27, mas existem vários candidatos a serem observados que devem ser confirmados em breve. De referir que um estudo recente mostrou que a frequência de falsos positivos nos dados do Kepler é baixa, na ordem dos 5%, portanto a grande maioria destes candidatos são realmente planetas ! Outras estatísticas curiosas: dos 1781 candidatos, 123 têm um raio estimado inferior a 1.25 vezes o da Terra, 121 encontram-se na zona habitável da sua estrela hospedeira e um quarto são Super-Terras !

O número de sistemas múltiplos é também excepcional com 218 sistemas com dois planetas detectados, 73 com 3 planetas, 25 com 4, 8 com 5, e 2 com 6 !. Por falar em sistemas múltiplos, um dos sistemas discutidos foi o KOI-730, um sistema compacto com 4 Super-Terras com períodos de 7.4, 9.8, 14.8 e 19.7 dias e raios de 1.8, 2.1, 2.8 e 2.4, respectivamente (raio da Terra = 1). Este sistema é particularmente curioso pois apresenta órbitas ressonantes, i.e. os períodos orbitais dos planetas estão relacionados por factores inteiros (no caso, uma ressonância 3:4:6:8, i.e. 8*7.4 ~ 6*9.8 ~ 4*14.8 ~ 3*19.7). Pensava-se que este sistema tinha o primeiro exemplo de planetas em órbitas troianas, como noticiamos aqui. Houve ainda tempo para referir a descoberta de um sistema pouco usual, o KOI-254, uma anã vermelha, de tipo espectral M0V e rica em metais, com um Júpiter Quente numa órbita de apenas 2.5 dias. A estrela tem uma magnitude visual de 16.9 (!) o que exemplifica algumas das dificuldades no seguimento dos candidatos planetários do Kepler. Devido ao pequeno tamanho da estrela hospedeira, os trânsitos provocam uma diminuição significativa, cerca de 3.6%, no brilho da estrela.

A equipa do projecto Eta-Earth anunciou também a descoberta de mais uma Super-Terra próxima do Sol que realiza trânsitos, a HD97658b. O planeta foi descoberto em 2010 pela equipa do projecto Eta-Earth liderado por Geoff Marcy e orbita uma anã de tipo espectral K1V com um período de 9.5 dias. Observações pormenorizadas da velocidade radial do sistema permitiram calcular com precisão suficiente a data e hora em que o planeta poderia, se o alinhamento fosse adequado, efectuar um trânsito. Observações fotométricas realizadas nessas ocasiões permitiram detectar, com dificuldade, partes do trânsito do planeta. A novidade principal nesta descoberta é o facto de ter sido feita com fotometria obtida a partir da Terra para um planeta tão pequeno. A realidade dos trânsitos irá certamente ser verificada com observações realizadas a partir do espaço. Entretanto, uma análise preliminar dos dados permite concluir que o planeta, com massa de 6.4Mt e raio de 2.9Rt (Mt/Rt = massa/raio da Terra), tem uma densidade de 1.4 g/cm3, demasiado baixa para uma Super-Terra. O planeta deverá ser antes um “sub-Neptuno” com quantidades importantes de hidrogénio, hélio e vapor de água na atmosfera. O artigo é:

“Detection of a Transiting Low-Density Super-Earth” (Henry et al., 2011)


(Mesmo no limite de detecção: 5 trânsitos de HD97658b. Adaptado de Henry et al., 2011)

Já hoje, a equipa do projecto Super-WASP não quis ficar atrás e decidiu provocar sensação ao anunciar a descoberta de 23 novos planetas: WASP-20, WASP-42, WASP-47, WASP-49 e WASP-52 até WASP-70. Todos Júpiteres Quentes.


(Um dos observatórios do projecto Super-WASP, com a sua bateria de câmaras CCD acopladas a objectivas Canon 200mm f/1.8.)

Ontem foi realmente um dia notável para a astronomia e para os entusiastas dos exoplanetas !

4 comentários

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  1. Esclarecido xD Como a distância em UA não está ali na tabela pensei que se classificava um planeta como estando na zona habitável apenas por aqueles 4 parâmetros.

    abraço

  2. Boa noite,

    “The HARPS search for Earth-like planets in the habitable zone, I — Very low-mass planets around HD20794, HD85512, HD192310” (Pepe et al., 2011) (5 planetas)”

    Eu fui procurar esses 3 planetas na lista fornecida, e só tem de comparável com a Terra a massa. É nisso que se baseiam para classificar um planeta como estando na zona habitável? Pois vendo o período em dias desses 3 planetas acima mencionados, estão bem longe do período da Terra

    Abraços

    1. HD 85512:
      http://www.astropt.org/2011/09/07/planeta-hd-85512b-e-habitavel/
      “O planeta orbita a estrela a 0.26 UA, ou seja 1/4 da distância da Terra ao Sol – mas como a estrela é mais pequena então em termos relativos ele está para a estrela-mãe como Vénus está para o Sol. Poderá estar na parte interior da zona habitável da estrela.”

      abraço

  3. Será que contei bem? Foram anunciados 74 ? (50 + 1 + 23)

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