Desígnios misteriosos

Crédito: Artyom Kabajev / unsplash

Antes de mais, deixem-me dizer que esta foi a última reflexão que fiz durante a última missa a que assisti.

Percebi que se não tivesse deixado a Igreja quando deixei, agora ela não faria mesmo parte de mim.
Porquê?
Porque os ensinamentos que ouvi são totalmente antagónicos aos que fui aprendendo nas universidades e na ciência.

A ciência tem por base a curiosidade, fazer perguntas, procurar respostas, investigar, avaliar evidências, ter opiniões próprias, desenvolver pensamento crítico, etc.

A Igreja foge disso: é o oposto desses valores.
Na Igreja, fala-se muito dos desígnios misteriosos de deus, que não estão ao nosso alcance.
Basicamente, para a Igreja, as pessoas devem ser ignorantes: não fazerem perguntas, não procurarem respostas, porque a resposta é sempre a mesma (e já está dada à partida): deus.
Os Humanos não devem procurar o conhecimento. Assim, tudo isto é um hino à ignorância.
Ter conhecimento e ter opinião própria é visto como um pecado.
Este tipo de “ensinamentos” já vem desde a história da cobra e da árvore do conhecimento.

Claro que estes “ensinamentos” têm um objetivo prático: pessoas ignorantes são mais facilmente manipuladas e controladas.
Isto não se vê só na Igreja Católica, mas até se vê com mais ênfase em seitas religiosas, nas pseudociências, etc.

Consigo entender porque os líderes religiosos são chamados de pastores: o resto dos humanos são vistos como ovelhas: mindless, sem vontade própria, sem pensamento próprio, que têm de ser conduzidos pelas elites.

Na Bíblia, Deus vê os humanos como crianças irresponsáveis: precisam ser chefiados por um líder implacável.
E quando se “portam mal”, segundo o “juiz”, as pessoas têm de ser punidas.


Uma última reflexão que fiz foi aquando das tentativas de intimidação: deixar as pessoas com medo, assustadas, aterrorizadas.

Não entendo porque as pessoas precisam ter medo para serem boas pessoas.
Porque não podem simplesmente ser boas, fazerem o correto, porque sim?
Porque é preciso assustá-las com punições após a morte?
A Igreja acha mesmo que as pessoas são monstros, e só se tiverem medo das punições é que, hipocritamente (contra a sua vontade), vão fazer o bem?
Penso que eticamente seria muito mais valoroso a pessoa fazer o bem porque o quer fazer, e não por ter medo de punições futuras.


Parece-me que tudo isto é uma forma de controlo (por parte de homens caucasianos que se auto-intitulam de elites humanas).
Um Deus criador do Universo seria tão inimaginável para nós, que nós seríamos absolutamente irrelevantes para ele/ela.
Não seria certamente um deus manipulador, egocêntrico, a querer que todos o bajulem e que tenham medo dele. Esse deus com personalidade, comportamentos e atitudes humanas, é um deus humano: imaginado pelos Humanos. Uma entidade criadora do Universo estaria sempre acima dessas características mesquinhas.

5 comentários

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  1. Este artigo teve imensos comentários muito interessantes no nosso Facebook:
    https://www.facebook.com/astropt/posts/520447353416011

    Vou deixar aqui partes de comentários meus:


    “Os “desígnios misteriosos” são basicamente um cop-out.
    É basicamente dizer às pessoas: “Não procurem as respostas, porque nunca vão compreender”.
    Se fizéssemos isso com a chuva, os trovões, a eletricidade, o vento, o Sol, etc, ainda iriam existir esses deuses todos na imaginação das pessoas…

    Mas nota que mesmo isto, noutro comentário já reconsiderei, porque se a Igreja dissesse que Deus é “só” o Criador do Universo (e não o juiz acima das nossas cabeças), e explicasse que um ser Criador do Universo está muito acima das nossas capacidades de compreensão (porque pertence a uma 4ª dimensão espacial), aí sim, já perceberia melhor o sentido de “desígnios misteriosos”.
    Se bem que aí, esses desígnios não seriam pessoais nem nos afetariam.

    As figuras históricas :
    No tempo de Copérnico, a elite era religiosa (ou política). Só esses é que tinham tempo para ler livros e compreender os assuntos. Os outros, o povo, trabalhavam para sobreviver. Infelizmente, a elite política tinha inúmeros problemas, até mentais, como se sabe pelos diversos reinados… Quem sobrava era a elite religiosa: essa tinha tempo para ler livros, para o lazer, para pensar sobre o Universo. Eram os cultos.
    Assim, não é de espantar que Copérnico e outros, pela história da Ciência, estivessem ligados à Igreja. Eram aqueles que tinham tempo para essas reflexões.
    Quanto a Mendel e a outros semelhantes, além do que disse sobre Copérnico, são pessoas que colocaram as evidências acima das suas crenças. E muito bem.

    No artigo não falei de padres específicos. Em todas as profissões, existem pessoas excelentes e outras más.
    Fiz uma generalização para o que a Igreja pensa.
    Ao longo da história da Igreja e de todas as religiões e seitas religiosas, penso que é uma generalização que faz sentido: quanto menos conhecimento tiver uma pessoa, mais suscetível está de ser manipulada e controlada.
    E parece-me que em grande parte da história das maiores religiões (algumas delas ainda são assim), o objetivo foi controlar o povo.
    Basta olhar para Waco, para Jonestown, para o que acontece um pouco por todos os EUA em pequenas terriolas com um pastor, para se perceber o controlo sobre as pessoas.”


    A resposta “foi Deus”, é a mesma coisa que dizer que foram extraterrestres (OVNIs). Não responde a nada.

    Por isso, é que a ciência investe triliões de dólares todos os anos nas mais variadas pesquisas científicas. Para encontrar respostas às questões da natureza. Já que as religiões não procuram essas respostas.


    No NeoPlatonismo, Deus seria um ser criador do Universo, exterior ao espaço-tempo do próprio Universo (que contém a matéria/energia).

    O Paulo Henrique falou do Neoplatonismo: não é a natureza que é Deus, mas a natureza participa de Deus. Contém frações de Deus. Deus cria o modelo do Universo e então a matéria se molda a esse modelo. Existe uma causa metafísica, além da matéria. (…) os Deuses não criam a matéria, eles pegam a matéria e a moldam. A matéria é algo que é emanado da primeira causa. Os Deuses pegam essa matéria e a moldam, impõem sua ordem, de forma a formar o Universo como conhecemos.
    O espaço / tempo só existem na nossa, digamos, dimensão material da realidade. Eles passam a existir no momento do big bang. O Universo é cíclico, com períodos de colapso e novo big bang.
    Os deuses podem olhar de fora, veem tudo eterno e ilimitado. Para nós, tudo é finito e limitado, pq estamos limitados por nossos sentidos, cérebro, 3ª dimensão, etc.

    Eu, Carlos, consigo conceber deuses desta forma, mas fujo a tantos “eu acredito”, nas proposições do Neoplatonismo.


    Também foi referido que a Igreja actual tem distorcidos muitos conceitos do Cristianismo místico.
    A mensagem é distorcida a favor do mensageiro.
    O que é normal, porque ao longo do tempo, a vontade dos homens sobrepôs-se.


    Quando erramos e fazemos escolhas, devemos reconhecer. São da nossa responsabilidade.

    Quem acredita em Deus, não pode culpar as pessoas por questionarem deus e a sua existência. Porque se foi assim que Deus fez as pessoas, então a responsabilidade é Dele/Dela das pessoas serem assim.


    O problema são as pessoas.


    O que importa é sermos boas pessoas.

    • Paulo Henrique Andriolli Franzoia on 09/09/2022 at 14:40
    • Responder

    A questão é a seguinte: existe uma diferença entre as concepções de Deus entre as sociedades pastorais e sociedades que desenvolveram agricultura.

    As sociedades pastorais tem uma ideia de um Deus como legislador pq eles não enxergam Deus na natureza. Eles se acham fora da natureza, está sendo feita para servir o homem.
    Já as sociedades que desenvolveram agricultura não se vêem fora da natureza mas dentro da mesma. Eles vêem Deus ou Deuses em toda a criação e as leis de Deus são as próprias leis naturais.

    Daí vc entende pq nós somos assim e pq nós temos essa dificuldade com religião hj.

    O cristianismo é meio que uma colcha de retalhos de outras religiões, mas pegou essa parte de um Deus que nos impõe moral do judaísmo, que era uma sociedade de pastores.
    Tem outra questão tbm que essas regras morais foram úteis dentro dessas sociedades, pq a vida era cheia de dificuldades, e eles necessitavam ter certas regras e justificar isso. Porém o tempo passa, as coisas mudam e as pessoas continuam seguindo coisas que nem sabem o porquê.

    No cristianismo isso também foi usado por motivos políticos e de controle.

    Eu acredito em uma concepção de Deus mais das sociedades agrícolas, ligadas a natureza e aos ciclos naturais.
    Não é um panteismo porque eu não acredito que a natureza em si é o próprio Deus, mas toda a natureza participa de Deus.

    Eu acredito em uma causa metafísica que trancende a nossa realidade sensível, porém ela é impessoal e amoral.

    1. É muito interessante essa distinção entre sociedades pastorais e desenvolvimento da agricultura.

      Quanto às regras morais, sim, concordo: foram úteis.

      Eu até vou mais longe e ligo à ciência, à pseudociência, etc.
      O Homem pensou em deuses devido à sua necessidade de controlar as coisas (que está ligada à tentativa-e-erro do pensamento crítico).
      Se o X comeu uma baga amarela e morreu, então não devo comer aquilo.
      Se o Y levou a cara pintada de negro e fez uma grande caçada, então foi a cara pintada de negro que o ajudou.
      Se o Z rezou para o deus da caça e conseguiu matar dois leões, então o deus da caça existe.
      etc, etc, etc…
      Essa previsão e “acerto” nas sociedades primitivas pode ter levado às superstições religiosas: “estás a ver? Não rezaste ao Deus da Chuva, e por isso não conseguiste uma boa colheita”.

      Assim, as pessoas passaram a rezar, porque isso lhes dava algum (aparente) controlo sobre os fenómenos aleatórios da natureza.

      abraço!

      • Jonathan Malavolta on 10/09/2022 at 14:52
      • Responder

      Não existe sociedade pastoral que não tenha se tornado antes uma sociedade agrícola. Afinal, os diversos tipos de gado (ovino, caprino, suíno, equino, muar, aviário, etc) precisam cada qual de um tipo específico de plantação (em alguns casos, até mais de um tipo). Os antigos hebreus eram pastores de ovelha. Ok, mas eles tiveram de plantar determinado tipo de pastagem antes (ou seja, no princípio, formavam uma sociedade agrícola), do contrário suas ovelhas não teriam comida e os hebreus não sustentariam sua criação.
      O mesmo se vê hoje, um granjeiro que cria galinhas por exemplo, não sustenta sua criação sem milho (usado na alimentação das galinhas). Qual é a saída? O granjeiro vive em meio a uma sociedade que precisa antes da agricultura (cultivo de milho) para só depois pensar na granja (criação de galinhas); sendo assim, ou o granjeiro separa um pedaço de terra para cultivar milho ou algum de seus vizinhos deve fazê-lo, do contrário, terá de comprar de alguma sociedade agrícola que resida por perto (pronto, acabei de definir também o início do comércio entre os povos).

      1. Oi Jonathan,

        Não concordo em parte. 😉

        A pastorícia deve ter evoluído a partir das sociedades caçadoras-recoletoras (antes da agricultura).
        Na altura, existiam os antepassados de ovelhas e cabras, que eram selvagens, e que os humanos começaram a caçar e a “reter” para dias seguintes. Essa retenção foi-se tornando mais extensa, em termos temporais, até ficarem mesmo com esses animais, domesticados (até pelo leite, que veio depois).

        Como eles eram nómadas, é normal que alguns dos animais retidos – o que consideramos hoje domesticados – tenham sido levados pelos grupos de humanos.
        Aliás, o contrário sabemos que é verdade: os nómadas normalmente iam para regiões onde existia muitos animais de caça.

        Esses animais, que eram originalmente selvagens, pastavam nas plantações naturais, sem intervenção humana.

        abraço

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